David D. Friedman. “Um Estado de bem-estar social torna muito mais difícil a imigração livre”

Filho de um Nobel e conhecido pelas suas terorias anarcocapitalistas, o físico e economista norte-americano considera que se deveria dar mais atenção aos aspetos positivos das mudanças climáticas e critica a atuação dos Estados durante a pandemia. Antecipa um “mau resultado” nas presidenciais dos EUA.
David D. Friedman participou numa conferência na FEP no final de abril. FOTO: Direitos reservados
David D. Friedman participou numa conferência na FEP no final de abril. FOTO: Direitos reservadosDavid D. Friedman participou numa conferência na FEP no final de abril. FOTO: Direitos reservados
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Apesar da sua passagem por Portugal no final de abril, a presente entrevista a David D. Friednam foi concedida por escrito. O pretexto foi uma conferência no Porto onde o físico, economista e escritor, entre outras valências, participou a convite da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, em parceria com dois organismos de estudantes (a FEP Economics Society e a Students for Liberty Portugal).

David Friedman nasceu em Nova Iorque há 79 anos, filho de  Rose e Milton Friedman. Desde 1973, quando publicou o seu primeiro livro - The Machinery of Freedom - Guide to a Radical Capitalism  - tem acentuado a defesa de  ideias anarcocapitalistas, para uma sociedade com direitos de propriedade mas sem governo. No Porto, aos estudantes, falou sobre o mercado e os sistemas políticos.  

Com as mudanças que o mundo está a enfrentar, desde logo, as alterações climáticas, considera que o anarcocapitalismo é o modelo político/económico mais adequado para lidar com elas?
Se as alterações climáticas são o tipo de ameaça catastrófica que alguns afirmam, não creio que qualquer modelo político, a não ser um governo mundial, pudesse lidar com isso, e isso seria uma cura pior do que a doença. Na verdade, acho que o risco está a ser extremamente exagerado. Se lermos os relatórios do IPCC [órgão intergovernamental das Nações Unidas] em vez das histórias dos jornais, ou olharmos para as estimativas dos custos das alterações climáticas feitas por William Nordhaus, que recebeu o Prémio Nobel pelo seu trabalho nesta área, parece mais um foguete molhado, com custos estimados no final do século de apenas uma pequena percentagem do PIB global. Penso que mesmo essas estimativas são provavelmente demasiado elevadas, que as alterações climáticas terão efeitos positivos e negativos e que os primeiros estão a ser na maior parte ignorados.

Quando, há quatro anos, o mundo sofreu uma pandemia, os Estados tiveram de intervir para a travar. Ainda considera que a situação pudesse ter sido resolvida sem essa intervenção estatal?
Acho que muitas das coisas que os Estados fizeram pioraram a situação, e não melhoraram. Nos EUA, a FDA [agência federal norte-americana para a Saúde] proibiu inicialmente a utilização de quaisquer testes para a covid que não fossem o teste que tinham aprovado - o que acabou por não funcionar. A primeira vacina levou cerca de uma semana para ser desenvolvida e quase um ano para ser aprovada. Nos EUA, as escolas foram encerradas, embora o risco para as crianças fosse mínimo - a maioria das mortes ocorreu em pessoas com mais de 65 anos. Os Estados impuseram uma série de requisitos com muito poucas provas de que reduzissem a transmissão. Em Nova York, os lares de idosos foram forçados a aceitar pessoas com covid para deixar espaço nos hospitais - que nunca ficavam sem espaço.

Qual a sua opinião sobre o Estado social ou de bem-estar social que caracteriza a Europa?
Não creio que saiba o suficiente sobre os Estados-providência europeus para poder dizer muito sobre eles. Uma das piores coisas sobre os Estados de bem-estar social, tanto nos EUA como na Europa, é que eles tornam muito mais difícil a imigração livre, permitindo que as pessoas se mudem de países pobres, onde podem ganhar alguns dólares por dia, para países ricos, onde podem ganhar muitos dólares, ou euros, por hora.
Quando os meus avós imigraram para os EUA, há pouco mais de um século, juntamente com cerca de um milhão de pessoas por ano, os imigrantes sabiam que para prosperar, e até para comer, tinham de trabalhar. Os imigrantes na Europa, hoje, em muitos países, podem viver melhor do sistema de Segurança Social do que viviam no seu país de origem. Esta é uma boa razão para eles virem, mas também uma boa razão para os habitantes desses países não quererem deixá-los entrar. Portanto, a existência de um Estado-providência bloqueia a livre circulação de pessoas, mantém as pessoas pobres nos países pobres, em vez de deixá-los tornarem-se, pelos seus padrões, ricos nos países ricos.

O que recomenda aos decisores políticos envolvidos nas guerras na Ucrânia e em Gaza?
A minha recomendação a Putin é que ele abandone a guerra, retire-se de todas as partes da Ucrânia onde a população não quer ser russa. Há alguns dias, publiquei um post sobre a política americana, argumentando que, no longo prazo, deveríamos deixar a defesa da Europa para os europeus, mas que, no curto prazo, deveríamos ajudar a Ucrânia até que as potências europeias da NATO fossem capazes de fazê-lo sem nós.
Não tenho uma boa solução para a situação atual de Gaza.

É ano eleitoral nos EUA. Tenciona continuar a viver nos EUA independentemente do resultado das eleições?
Sim. Já sei que o resultado das eleições presidenciais será mau, mas não quão mau será.

Quais os Estados no mundo que mais se aproximam das ideias que defende: sem entidades reguladoras e sem coordenação de políticas relacionados com os serviços essenciais (água, luz, segurança, saúde, proteção social...)?
Não sei o suficiente sobre o mundo para dar uma boa resposta. Atualmente, a Suíça está mais perto daquilo que desejo, do que a maioria dos países, mas ainda não muito perto. Os meus exemplos mais próximos são todos relativos a sociedades do passado, algumas discutidas no meu livro mais recente - Legal Systems Very Different from Ours.

Ser filho de um Nobel facilitou-lhe a vida?
Ser filho do meu pai tornou a minha vida mais fácil em muitos aspectos - ele pode ter sido o melhor ser humano que conheci. Mas isso teve pouco a ver com a conquista do prémio Nobel.

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