Uma das viagens que os miúdos insistem fazer é à EuroDisney, em Paris. Quando eu era miúda, os meus pais levaram-nos, aos meus três irmãos e a mim, quatro vezes à EuroDisney. . Somos muitos e a viagem, com direito a hotel no parque de Marne-la-Vallée e avião para seis, tornaria o passeio impossível. Não tivemos direito a tomar o pequeno-almoço com a Minnie e o Mickey, como se via nos panfletos das agências de viagem, mas pudemos parar em Andorra para experimentar fazer esqui e andar de trenó cor-de-rosa à beira da estrada. Fomos de autocaravana. . Lembro-me que os banhos eram contados ao minuto - o depósito da água acaba sempre mais cedo do que se espera e muitas vezes parávamos em estações de serviço para tomar duche -, as compras nos supermercados franceses permitiam comprar baguetes fresquinhas e estaladiças e temos o vídeo a registar o momento da chegada à portagem do parque da Disney. Durante os dois dias de viagem de carro aproveitávamos para jogar cartas, escrever e ler. . Líamos muito durante as duas semanas de férias, quando a paragem escolar na Páscoa ainda tinha 15 dias. Paulo e Conceição Fernandes compraram a primeira autocaravana há três anos. Tinham planeado uma viagem para experimentarem, mas à última hora um problema com o trabalho impediu o passeio. Há quatro anos estiveram na EuroDisney, em Paris, com a filha Ana, hoje com 14. Desde que compraram a autocaravana qualquer fim de semana é pretexto para sair com a casa atrás. . "Um domingo de praia começa no sábado à noite. Pego na caravana, durmo na praia, acordo em frente ao mar. Não há aquele stress de manhã de ter de fazer sandes, procurar a toalha, pôr tudo no carro. Está aqui tudo", conta Paulo, 43 anos. Com a filha, o motorista de transportes públicos do Porto e a mulher, dona de uma lavandaria, aproveitam qualquer par de dias livre para viajar. O planeamento é rápido. . Na autocaravana de Paulo e Conceição há sacos de viagem cheios de roupa no colchão da cama que fica em cima do condutor e alguns sapatos espalhados pelo chão. A noite foi passada em Sines, depois de um dia de viagem: saíram de Matosinhos às 11h, pararam para almoçar em Aveiro e chegaram à Costa Alentejana quando era quase de noite. Quando as viagens são mais curtas e pouco planeadas, a família nem chega a arrumar a roupa nos armários: os sacos de viagem passam da cama para o chão durante a noite e volta para os colchões durante o dia. . A paragem em Sines serve para visitarem o Badoca Park e regressar ao Porto, parando onde apetecer. As férias vão durar uma semana. "A minha mulher e eu temos horários muito irregulares. As férias, ou são pouco tempo, ou então não temos. A autocaravana permite fugirmos um fim de semana, três ou quatro dias", explica Paulo. . Em cima da mesa, Ana ajuda a mãe a pagar contas pela internet. Patrícia Carvalho, nove anos e filha de um casal amigo de Paulo e Conceição, vê televisão - já TDT - quando a autocaravana está parada. O sinal é mau quando estão em movimento. "Do pouquinho que temos não nos falta nada. De resto esta autocaravana está velhinha mas toda quitada", diz Conceição, 43 anos. Viajar de autocaravana trouxe vantagens à família Fernandes: além de não exigir muito planeamento, permite poupar. "Imagine o que é fazer o mesmo passeio mas de carro. No global, gastaria 1000 euros a fazer esta viagem sem autocaravana. Assim, nunca mais de 400 euros. Poupa-se muito mais de metade. Aqui faço a minha vida normal, durmo, como, tenho tudo.", diz Paulo. A West Coast, uma empresa de aluguer de autocaravanas low cost, tem carros com preços que variam entre os 65 e os 110 euros/dia. . Nos dias que antecedem a partida, Conceição tem mais trabalho. Cozeu carne em casa para facilitar o esparguete à bolonhesa que comeram no jantar do primeiro dia. A loiça só se lava uma vez por dia, para gastar a menor quantidade de água possível, e os produtos frescos são comprados dia a dia, já que o frigorífico é pequeno para um stock semanal. "A mulher fica com a parte mais cansativa que tem a caravana. Se formos fazer férias num hotel, comemos e dormimos e não fazemos nenhum. As férias numa autocaravana tornam-se mais desgastantes, porque custa-nos ir comer fora quando podemos comer dentro e gastar menos dinheiro. Logo à noite vamos precisar de encher o depósito de água, de um bom banho. E isso é melhor fazermos num parque de campismo.", diz Conceição. . Convívio "autocaravanista" . O lavatório da cozinha da autocaravana de Augusta e Guilherme não tem espaço para mais nada. Está cheio com um alguidar de sardinhas temperadas. O casal parou a caravana de seis pessoas ao lado da de Vítor Pinho, recém-chegado da Feira com a mulher e as duas filhas pequenas, e da de Fino Pedroso e da mulher Ana, que aproveitam a reforma para viajar, sempre acompanhados de Roger Pacheco, um pastor alemão. Augusta e Guilherme viajam com Baby, o caniche branco que os acompanha pelas estradas nacionais sempre que saem de Alcochete para viajar. Na parede da entrada - o hall da autocaravana - Augusta mostra as fotografias dos filhos e das duas netas, que poucas vezes viajam com os avós, enquanto acaba de preparar o peixe para o almoço. Antes de sair de casa, Augusta encheu o frigorífico de iogurtes, fruta e vegetais. . O casal Boavida parou em Porto Covo para rever os amigos que já não via há um ano. Augusta e Guilherme conheceram as famílias Pinho e Fino nas férias do verão de 2011. De passagem pelo Alentejo, telefonaram-se e descobriram que estavam todos outra vez na estrada. Comemoram o reencontro com uma sardinhada. "Já andámos por França, Itália e Suíça, no encontro europeu de autocaravanistas. Mas o combustível está muito caro e este ano ficámos em Portugal", conta Ana Fino, ansiosa pela inauguração do parque para autocaravanas que será aberto este verão em Porto Covo. . Em 2011, o Clube contava mais de 1000 associados de todas as idades, segundo informação do CPA. Ana e o marido vivem em Vila Nova de Santo André e pertencem ao Clube. "Vamos a casa, voltamos, ficamos assim o verão todo", conta, queixando-se dos despertares mais problemáticos com a polícia a bater nos vidros das autocaravanas. Na Costa Vicentina, pernoitar na autocaravana dá direito a multa de 250 euros. "Antes, os restaurantes e o comércio ainda se queixavam, mas agora até agradecem estas viagens. As pessoas têm de comer e beber", explica Ana. . Este ano, para evitarem o desperdício da "despensinha" que preparavam nos anos anteriores, Conceição e Paulo decidiram planear as refeições dia a dia. "Antes de ir a qualquer lado, à praia ou passear, tenho de organizar o que fazer à hora de almoço. Não é uma questão de ser crise. Se não se pode fazer muito acaba-se por fazer pouco." Para o ano, a viagem já está decidida. Benidorm é o destino da família Fernandes.