
O défice orçamental do Serviço Nacional de Saúde (SNS) registou uma descida muito significativa em 2023, de quase 60% face a 2022, a maior redução de que há registo desde 2016, mas o sistema público está sob enorme stress devido à crescente procura por cuidados de saúde (num quadro populacional cada vez mais envelhecido), à entrega muito insuficiente de consultas, cuidados e tratamentos, ao aumento das listas de espera, a uma dívida muito elevada e a atrasos ainda muito significativos no pagamento a fornecedores, com o valor da dívida em atraso a aumentar pela primeira vez em cinco anos, mostra um novo estudo do Conselho das Finanças Públicas (CFP) sobre o desempenho do SNS em 2023, publicado esta quarta-feira.
O SNS, o serviço público de saúde nacional, de cariz universal, apresenta défices anuais consecutivos, tendo registado o maior desequilíbrio dos últimos anos em 2021 (défice de quase 1,3 mil milhões de euros) pois foi o grande ator no combate à pandemia de covid-19.
Mas desde então que o défice tem vindo a recuar: 17% em 2022 e 59,2% em 2023, a maior redução desde os 69% de 2016, apesar de o SNS ter vindo a aumentar de forma substancial a sua despesa.
Muita despesa, pouco investimento
"A despesa do SNS ascendeu a 14.061 milhões de euros, traduzindo-se num aumento de 6,8% face ao ano anterior (+892,3 milhões de euros)", diz o avaliador das finanças públicas, explicando que este aumento "deve-se, essencialmente, ao crescimento da despesa corrente em 761,8 milhões de euros face a 2022".
Os gastos correntes têm "um peso predominante na despesa do SNS, representando 97,4% do total e concentrando-se, essencialmente, em três rubricas: despesas com pessoal, fornecimentos e serviços externos (FSE) e compras de inventários".
A folha salarial do SNS aumentou acima do ritmo da despesa, em quase 9%, para 5,8 mil milhões de euros no ano passado.
No entanto, apesar deste esforço, existem indicadores claros de que faltam meios.
O CFP nota que a despesa de capital (bens de investimento) "continuou a representar uma percentagem diminuta da despesa total em 2023 (2,6%), refletindo a baixa prioridade dada ao investimento no SNS nos últimos anos".
O mesmo estudo assinala mesmo que no ano passado "as despesas de capital ficaram 460,2 milhões de euros abaixo do previsto no Orçamento do Estado (OE 2023)".
E que esta "reduzida despesa de capital em 2023 deve-se, em parte, ao facto de se não terem efetivado os pagamentos associados ao plano de investimento com financiamento do PRR, relativos, por exemplo, à transição digital na saúde, aos cuidados de saúde primários e a equipamentos hospitalares".
É a face visível da muito referida falta de meios adequados do SNS, outros dos obstáculos à maior eficiência do sistema.
Capacidade e respostas insuficientes
O CFP nota que em 2023, a atividade hospitalar do SNS até aumentou, "mas de forma insuficiente para satisfazer a procura". Assim, há uma “saturação do acesso à resposta pública de saúde”, afirmam o grupo de peritos.
"Nos cuidados primários, reduziu-se o número de consultas médicas. No âmbito da Rede Nacional Cuidados Continuados Integrados, o maior número de utentes assistidos em 2023 não foi suficiente para responder ao aumento do número de utentes referenciados", por exemplo.
Assim, "o nível de atividade do SNS foi insuficiente para fazer face às necessidades (crescentes) da população".
O CFP recorda que Portugal já é o país da Europa com "o maior grau de população com necessidades de cuidados de saúde que reportou necessidades de saúde não satisfeitas”.
O maior problema “eram as listas de espera”, com o Conselho das Finanças a constatar que "o número de utentes em lista de espera para a primeira consulta” aumentou 46% face ao ano anterior, e que a lista de inscritos para cirurgia engrossou 13% em 2023.
O número de utentes inscritos no SNS aumentou para 10,6 milhões de pessoas, mas destes "1,7 milhões (16%) não tinham médico de família atribuído", ou seja, há mais 230 mil utentes nesta situação do que em 2022.
Stress financeiro estrutural
A dívida a fornecedores externos, que ascende a 1,2 mil milhões de euros, continua a ser considerada muito elevada e um problema "estrutural", apesar de ter registado a maior descida dos últimos anos (desde 2015, pelo menos), tendo caído 24%, mostram cálculos do Dinheiro vivo com base nos dados do estudo do Conselho presidido por Nazaré Costa Cabral.
Ainda no capítulo da dívida, um dos sinais mais preocupantes é que o valor dos pagamentos em atraso interrompeu a tendência de descida que já vinha desde 2018, tendo disparado de 19 milhões de euros em 2022 para 141 milhões de euros no ano passado.
Os pagamentos em atraso são uma parcela da chamada "dívida vencida (cujo prazo acordado de pagamento já terminou)".
Esta última ascendia a 522 milhões de euros, o que faz com que a dívida total (incluindo a que já está em incumprimento) ascenda a mais de 1,7 mil milhões de euros.
O CFP repara que "em 2023, o SNS registou uma diminuição de 387 milhões de euros na dívida a fornecedores externos, atingindo um valor de 1,2 mil milhões de euros, a primeira redução após três anos de consecutivo aumento".
"Este decréscimo refletiu-se tanto na redução da dívida vincenda quanto da dívida vencida das entidades públicas empresariais (EPE) e das Administração Regional de Saúde (ARS)".
No entanto, alerta o CFP, "os pagamentos em atraso aumentaram para 141 milhões de euros, um incremento de 122 milhões de euros face a 2022 [aumento anual superior a 640%], o que reflete a deterioração financeira das EPE e a necessidade de melhor gestão e processos de pagamentos mais ágeis".
"Apesar de uma injeção de capital de 1,1 mil milhões de euros em 2023, maioritariamente destinada à cobertura de prejuízos, a dívida estrutural do SNS não foi significativamente reduzida. O prazo médio de pagamento diminuiu para 96 dias, mas apenas 26% das entidades do SNS conseguiram cumprir a obrigação legal de pagar até 60 dias", observa o mesmo estudo do Conselho.