Deixem-se de histerias – é uma enorme oportunidade
A Europa está parada há 30 anos – e não sabe! Não me refiro apenas à União Europeia, embora esta seja, sem dúvida, a estrutura mais visível e de maior relevância no espaço do continente europeu.
Subcontratando a energia à Rússia, a defesa aos EUA e a produção à China, os europeus habituaram-se à segurança, ao bem-estar e à qualidade de vida enquanto as suas economias iam perdendo competitividade à escala global. Sim, porque a crise da maior economia europeia, a alemã, não é conjuntural. As raízes são profundas e não será de um dia para o outro que voltará a ser o motor que já foi.
O Brexit foi o primeiro grande “soluço” neste estado de coisas: sem deixar de se reconhecer a mãozinha russa na manipulação da opinião pública britânica, a verdade é que a saída do Reino Unido da UE tornou mais evidente as fragilidades do modelo.
Já a guerra na Ucrânia foi muito mais do que um soluço, pois colocou em causa uma parte da estratégia europeia: a Rússia deixou de ser parceira fornecedora de energia e o modelo de crescimento, que já era lento, perdeu um dos seus principais pilares.
Recentemente tivemos a eleição de Donald Trump e aí Europa percebeu que afinal os Estados Unidos também deixaram de ser subcontratados confiáveis em termos de defesa. E lá se foi o segundo pilar do modelo. Não admira que tanta gente passasse a olhar para a China com bons olhos pois tornou-se no único grande parceiro (será que podemos utilizar esta palavra?) com que os europeus podem contar (até quando?).
Pelo meio, e mais concretamente em setembro de 2024, é publicado um importante relatório sobre o futuro da competitividade europeia que ficou conhecido pelo nome do seu autor: Mario Draghi. O documento chama a atenção para muitas das fragilidades anteriormente apontadas e, em particular, para a perda de capacidade de inovação da economia europeia. O que, a prazo, compromete seriamente a produtividade, a competitividade e, em última instância, a criação de riqueza.
O relatório foi uma pedrada no charco, tornando evidente aquilo que muita gente já tinha percebido: afinal o rei ia nu. Ou melhor, a Europa ia nua, mas fazia de conta que não sabia… ou que não se importava.
Nessa altura, já com dois anos e meio de guerra na Ucrânia, ainda nos tentávamos equilibrar nos dois pilares que sobravam: o da defesa subcontratada aos americanos e o da produção subcontratada aos chineses. O equilíbrio era instável, mas, para além de discursos vácuos cheios de boas intenções, nada foi feito de substancial.
Até que, já em janeiro deste ano, a Casa Branca passa a ser ocupada por um presidente que dispara primeiro e pensa depois – se é que chega a pensar. Isolacionismo,
protecionismo, perda de credibilidade do tesouro americano e, em particular, do dólar, falta de respeito por acordos internacionais e namoro com a Rússia só não passaram a marcar a agenda global porque com Trump não há agenda. Isto para não falar na perseguição ao sistema científico e tecnológico americano bem como às instituições, a começar pela imprensa.
A incerteza deu origem à angústia e esta transformou-se rapidamente numa histeria coletiva. Comércio mundial em colapso, economias em recessão, inflação, gastos exorbitantes em defesa e fim do estado social passaram a estar no centro das atenções de políticos e opinion makers.
Mas a verdade é que aquilo que muitos consideram uma catástrofe, uma fonte de instabilidade e de recessão profunda, tem uma outra face: pode ser uma enorme oportunidade para a União Europeia. Desde logo por obrigar a corrigir a estratégia assassina vinha adotando de tudo subcontratar e de pouco criar.
Mas há mais do que isso. A política da atual administração americana está a destruir muito do bom que a América tinha: o ensino universitário, a investigação, a inovação, a concorrência e, a nível externo, a presença em múltiplas geografias. De tudo isso os Estados Unidos estão a abdicar e ao fazê-lo estão a criar um enorme vazio.
Alguém vai preencher esse vazio, transformando uma ameaça (que não deixa de o ser) numa enorme oportunidade criada pelos não menos enormes disparates da administração norte-americana.
A Europa tem aqui uma ocasião de ouro para mostrar que sabe jogar o “xadrez geopolítico”. Se o fizer, pode ter muito a ganhar. Caso contrário, a rampa descendente em que se encontrava ficará ainda mais inclinada e a decadência europeia será inexorável.
Para que a União Europeia tire partido do atual contexto, não basta dizermos que são precisos “bons líderes”, esperando que Ursula von der Leyen, António Costa e Kaja Kallas façam tudo. É preciso que todos nós europeus estejamos à altura do desafio. Se não o fizermos, outros o farão e nós ficaremos cada vez mais pobres, lamentando que agora já não há líderes como Winston Churchill, Konrad Adenauer ou Jean Monnet.
{Carlos Brito é Presidente da Ordem dos Economistas – Norte