Depois de Francisco, a sua economia

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Francisco partiu e deixou, como há muito não se via, um legado de gratidão e de respeito entre crentes e não crentes. Reposicionou a Igreja Católica como participante na geopolítica mundial - menos do que queria, mas mais do que nos últimos anos, congregou pessoas, espalhou a concórdia, criticou poderosos, acolheu os excluídos, lavou o rosto a uma Igreja que, desde João Paulo II e até à chegada de Francisco, se foi fechando sobre si própria, tentando revestir-se de um poder que já não tem, que nunca devia ter tido, e que não lhe fica bem.

E deixou, ainda, um novo caminho para a Economia, que juntou especialistas de todo o mundo em torno de uma reflexão que ganhou o nome de Economia de Francisco, mas que podia ser apenas a Economia do bom-senso. Quem ainda não ouviu falar da iniciativa, só pode ter andado muito distraído, até porque em Portugal não falta quem tenha falado dela e quem a trabalhe desde as escolas até à Academia, tentando alterar aquele que tem sido o paradigma dos tempos que correm: em resumo, a Economia de Francisco pede que se construa um novo modelo, que coloque o Homem no centro. Como dizia o Sumo Pontífice, uma economia mais humana, uma que não exclua e que não mate. Uma economia que sirva as pessoas e o planeta enão uma que se sirva das pessoas e do planeta. Assenta em cinco pilares base: a ecologia integral, que considera que tudo o que existe no Universo está ligado entre si e deve ser respeitado como tal; a fraternidade e solidariedade, colocando as soluções para a pobreza, a desigualdade e a exclusão social como prioridade; o cuidado e a inclusão, tentando garantir que os mais frágeis são protegidos; o diálogo e a cooperação, que estabelece linhas de comunicação entre todos os atores económicos em prol de um novo sistema e a sustentabilidade, que promove o desenvolvimento económico de forma sustentada, respeitando os limites ambientais e humanos e garantindo um futuro para todos.

Nada do que Francisco pediu que esteja no centro da Economia é novo. Nem sequer é particularmente disruptivo. Na verdade, parece ser, apenas, o caminho inevitável para que a nossa vida continue a acontecer de forma saudável e sensata.

Numa altura em que a volatilidade dos mercados tem estado a preencher a agenda mediática, com os ricos a ficar mais ricos, os pobres a ficar mais pobres e a classe média - sobretudo em Portugal - a viver com cada vez mais dificuldade, a Economia de Francisco devia, mesmo, ser o horizonte a procurar por todos aqueles que, nas próximas semanas, vão estar a lutar pelo nosso voto.

Desde que foi criado, o ‘slogan’ do Dinheiro Vivo é a já conhecida frase “Há economia em tudo o que há”. Nada mais verdadeiro e, apesar do que muitos tendem a pensar, não tem nada de mal. A Economia é necessária à sobrevivência das sociedades, à melhoria da qualidade de vida, enfim...à existência. E, como tal, a Economia sempre existiu e sempre continuará a existir - passando o pleonasmo. Portanto, mais vale fazermos dela uma aliada, e não uma inimiga, como algumas lideranças nos pedem.

Não é difícil perceber que esquecer os princípios da Economia de Francisco é contribuir para um mundo mais desigual - e desengane-se quem acredita que a desigualdade alguma vez desaparecerá na sua plenitude. Mas também não precisamos de a agravar. Ainda que haja sempre quem tenha mais e quem tenha menos, é possível e desejável que esse fosso não seja do tamanho estratosférico que tem atualmente.

E este talvez deva ser, mesmo, o maior legado de Francisco - um que nada tem que ver com religião e que se cruza inevitavelmente com todos os valores de Abril que, coincidentemente, hoje celebramos em Portugal.

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