O interesse em explorar a computação gráfica na criação de sons colocou Nuno Fonseca no radar de Hollywood há cerca de dez anos. O projeto pessoal ganhou forma e há sete anos nasceu a Sound Particles. Há um ano, a startup de Leiria angariou o suficiente para abrir escritório nos Estados Unidos, crescer no mercado asiático e explorar experiências de áudio mais imersivas. Neste momento, a empresa está ultimar a criação de uns revolucionários headphones (auscultadores) de som 3D, que chegarão ao mercado em 2024.."Neste momento, estamos a finalizar a nossa tecnologia que já tem uma performance superior à Apple ou Dolby. Estamos a dar os últimos retoques e pretendemos lançá-la em 2024", afirma o fundador e presidente executivo da Sound Particles em entrevista ao Dinheiro Vivo (DV) na Web Summit, onde participará, na quinta-feira, no painel "Como a inovação em áudio está a ter impacto nos filmes em Hollywood e não só"..Para compreender o que a Sound Particles pretende alcançar, Nuno Fonseca - engenheiro formado no Técnico de Lisboa, mestre em engenharia da computação, pela Universidade de Coimbra, e doutorado em filosofia da computação, pela Universidade do Porto - faz um breve resumo ao DV. Tudo começou em 2012 "como um projeto pessoal". "Achava que seria interessante utilizar computação gráfica na criação de milhares de sons", diz. Começou, então, a trabalhar num software de raiz. Em 2014, quando ia participar numa conferência nos EUA arriscou "mandar uns e-mails para meia dúzia de pessoas" da área. Resultado? Acabou por fazer uma apresentação à Skywalker Sound, a unidade de som da Lucasfilm, produtora responsável pelos filmes da saga Star Wars (Guerra das Estrelas). "Em seis meses estava a falar com a Warner Bros., a Paramount, a Universal, a Sony, a Fox, e mais tarde surgem a Disney, a Pixar, a Apple e a Google", revela..Isto foi "o princípio". Naquele momento, Nuno Fonseca estava a arriscar por conta própria - ainda não existia a Sound Particles, "apenas um software de um produto que foi evoluindo". Agora, a Sound Particles emprega 25 pessoas altamente qualificadas (incluindo cinco doutorados na área da engenharia de som).."Qual é a probabilidade de alguém em Leiria fazer um software para ser utilizado pelos grandes estúdios de cinema para grandes produções? Há alturas na vida em que temos de ser ou ingénuos ou convencidos, depende do ponto de vista, e acreditarmos. E assim foi", argumenta..O protótipo convenceu e a empresa foi criada em 2016. Os projetos surgiram e os investidores chegaram em 2019 e em 2022. O software original tem sido sucessivamente aprimorado e a equipa de Nuno Fonseca já lançou outros produtos para o alto desempenho de áudio (para videojogos e artistas de música, além do cinema), incluindo o primeiro sintetizador do mundo capaz de criar sons em multicanal e binaural de raiz (lançado este ano). "Na realidade é um instrumento musical, mas com o software toca-se uma nota e há, instantaneamente, som 3D", diz..Depreende-se pelo nome da empresa e pelas palavras do CEO que na Beira Litoral se trabalham todas as partículas do som. O objetivo é o som 3D..O que é o som 3D? "Essencialmente, criámos um software 3D mas para som, ou seja, que agarra naqueles conceitos de computação gráfica e trá-los para o som", explica o CEO da Sound Particles.."A ideia é permitir que as audiências tenham a perceção do som vindo de todas as direções", detalha. Ou seja, o som nem é estéreo (vindo da frente) nem é surround (vindo de lado). "A ideia é que as pessoas sintam o som vindo de todos os lados. Dessa forma, a experiência é muito mais imersiva e para o nosso cérebro é muito mais fácil criar um mundo diferente, quer seja num videojogo, um filme ou um programa de televisão, inclusivamente na área da música", acrescenta..A Sound Particles já fornece som 3D para o cinema, videojogos e também para a produção musical. Segundo Nuno Fonseca, a empresa não é uma produtora de áudio. O que faz é criar condições para que produtores de música, compositores, engenheiros de som, sonoplastas e os interessados na área consigam criar ou extrair quaisquer tipos de efeitos sonoros.."O [compositor francês] Jean-Michel Jarre considera [este software] um game changer e que há muitos anos procurava algo deste género", revela o fundador da startup de Leiria..O desafio neste momento é aplicar o som 3D em headphones. "Estamos a finalizar a nossa tecnologia com headphones", reitera, asseverando que, hoje, "toda a área do entretenimento está a adotar este tipo de som". Até conteúdos de culinária da Netflix estão a apostar no som 3D, segundo o especialista..Nuno Fonseca justifica o interesse em levar todas as dimensões do áudio para os auscultadores como se de um passo natural se tratasse: "A experiência é muito mais interessante do ponto de vista do entretenimento". Ora, "ninguém tem dez colunas de som em casa [para diversificar a origem da emissão do áudio]" e, além disso, "cada vez mais pessoas recorrem aos headphones para consumir som". O áudio quer-se cada vez mais com altos padrões de desempenho..No entanto, há desafios no desenvolvimento do som 3D para auscultadores. Por isso é que a novidade que promete ser revolucionária para o consumo de conteúdos áudio está a levar o seu tempo até ficar disponível.."O grande problema é que cada pessoa uma orelha diferente, com uma assinatura acústica diferente. E cada um de nós passa anos e anos a treinar o nosso cérebro para que sons de determinadas direções tenham um tipo próprio de assinatura"..A complexidade da inovação, segundo este especialista, está em "enganar o cérebro" sobre a direção do som. "É um problema tecnicamente mesmo muito complexo", realça. "Seria mais fácil arranjar a cura para o cancro do que resolver o binaural", ironiza Nuno Fonseca..Ainda que com um período de atividade relativamente curto, a Sound Particles tem hoje um percurso assinalável, contando com mais de 2500 clientes, um pouco por todo o mundo..O software desta startup já foi usado nos produção dos filmes Oppenheimer, Indiana Jones, Guerra dos Tronos, Guerra das Estrelas , Frozen ou Dune (a versão de Denis Villeneuve, cuja banda sonora é da autoria do histórico compositor alemão Hans Zimmer, ganhou o Óscar de melhor som em 2022). Ao DV, Nuno Fonseca mostra-se satisfeito com o sucesso do software, mas comenta que nem sempre a empresa sabe para que produções está a contribuir: "Por exemplo, em março deste ano, estávamos numa feira em Los Angeles [EUA], e apareceu o compositor do Avatar 2 [Simon Franglen] a dizer que tinha utilizado o nosso software"..Por outro lado, há quem faça pedidos extra à Sound Particles. Foi o caso dos sonoplastas do filme Ready Player One, de Steven Spielberg, segundo conta Nuno Fonseca. "Queriam saber como criar o som de 200 lasers a atravessar o ecrã. Do nosso lado demorou cinco minutos a resolver", recorda..Na área dos videojogos, as ferramentas da Sound Particles são utilizadas, por exemplo, no famoso jogo Fortnite, da Epic Games. A produtora videojogos Blizzard Entertainment também usa a tecnologia portuguesa..Trabalhar a pensar nas produções cinematográficas ou no desenvolvimento de videojogos não tem grandes diferenças. Nuno Fonseca diz que "90% do processo é rigorosamente igual" e que, "muitas vezes, são os mesmos profissionais do cinema a desenvolver o som dos videojogos"..Por trás deste currículo há um trabalho de angariação de investimento importante. Em maio de 2022, a startup garantiu 2,5 milhões de euros numa ronda de investimento Seed, coliderada pela Indico Capital Partners e pela Iberis e teve a participação do Fundo 200M..A verba garantida serviu para abrir um escritório em Los Angeles, onde a startup tem alguém a tempo inteiro a fazer ligação com as necessidades do principal mercado recetor do trabalho da Sound Particles. Além disso, o capital angariado também serviu para reforçar as vendas da empresa no mercado asiático. "Permitiu também investir melhor e de forma mais interessante no som 3D para headphones", acrescenta..Questionado sobre mercado asiático apenas diz que "as coisas estão a correr bem, existindo o objetivo de "aumentar as vendas no Japão e na China"..A propósito da Web Summit, Nuno Fonseca revela que "cerca de 1,5 milhões de euros [dos 2,5 milhões]" foram conseguidos com alguém que o CEO conheceu durante a edição de 2021. Sobre isso, o especialista em som diz que "não há dúvidas" que o evento "tem um papel importante" para o ecossistema nacional de startups, mas "também não é o toque de Midas". Nuno Fonseca considera "importante" realizar-se no país a Web Summit, mas que isso não significa atenção ou investimento para todos a cada ano..A verba garantida serviu para abrir um escritório em Los Angeles, onde a startup tem alguém a tempo inteiro a fazer ligação com as necessidades do principal mercado recetor do trabalho da Sound Particles. Além disso, o capital angariado também serviu para reforçar as vendas da empresa no mercado asiático..Ainda que questionado, Nuno Fonseca não revela o volume de vendas da startup de Leiria. Todavia assegura: "Continuamos a crescer ano após ano"..Já em 2021, a Sound Particles tinha angariado 400 mil euros e, em 2019, tinha captado 1,25 milhões de euros num programa da União Europeia.