
“Há largas dezenas de investidores, nacionais e internacionais, que querem investir no built-to-rent (BTR)” em Portugal, afirma convictamente Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII). No entanto, o atual quadro fiscal e a instabilidade legislativa estão a travar o desenvolvimento destes projetos. Na Europa, nomeadamente em Espanha, este modelo é hoje “uma das maiores dinâmicas de investimento” residencial.
Só na Comunidade de Madrid estão em construção 30 mil fogos de iniciativa privada e mais oito mil em parcerias público-privadas. A espanhola Kronos Homes, com atividade em Portugal, constituiu uma joint venture com a Nuveen Real Estate para a construção de cinco mil fogos no país vizinho, num investimento de mil milhões de euros, adianta o CEO da promotora. Sob a marca Stay by Kronos, tem em desenvolvimento cinco projetos, distribuídos por Madrid, Valência, Barcelona e Pamplona, e quatro em operação (Córdoba, Tarragona, Madrid e Valência).
Segundo o gestor, esta aposta surgiu após uma análise ao mercado. “Verificámos que havia uma procura crescente de arrendamentos contra uma oferta muito reduzida”, explica. E o modelo “tem sido muito bem recebido pelos espanhóis”. Como adianta, “o primeiro edifício em Tarragona abriu as portas com 100% de ocupação e o mesmo aconteceu em Valência. Neste momento registamos taxas de ocupação em Tarragona, Torrejona e Valência de 100% e em Córdoba de 90%”.
Apesar da experiência adquirida e do sucesso que o Stay by Kronos está a ter em Espanha, a promotora não equaciona exportar o modelo para Portugal, mesmo admitindo que projetos BTR seriam “atrativos para o país”. Como sublinha o gestor, “para construir é preciso mais terrenos disponíveis, mais mão de obra no setor da construção, e outras questões, nomeadamente políticas, legislativas e fiscais, para viabilizar investimentos neste sentido”.
E diz mesmo que “construir para arrendamento sem redução do IVA é impossível”. Esta “é a medida absolutamente essencial” para dinamizar projetos BTR e, desta forma, responder ao problema da falta de habitação no país. Mas a promessa da descida do IVA na construção para 6%, que constava do caderno eleitoral da AD, do programa do governo e do pacote para a habitação Construir Portugal, lembra, tarda em ser cumprida e até já parece que não vai sair do papel. “Foi com grande surpresa que vimos a declaração do ministro das Finanças”, afirma. Na passada quarta-feira, Miranda Sarmento declarou ser “uma medida difícil de modelar” e pôs em causa a sua efetiva repercussão nos preços da habitação.
O presidente da APPII aponta também o dedo ao quadro legislativo do arrendamento, que é “desaconselhador” ao investimento em BTR e “instável e desequilibrado” para dar garantias a projetos pensados a 30 ou 40 anos. “O plano de negócios torna-se imprevisível. Se assumirmos que o arrendamento é uma forma eficaz de responder ao problema da falta de habitação, por que não criar uma legislação específica para o BTR como se fez para a reabilitação urbana, com um enquadramento fiscal que potencie o desenvolvimento destes projetos. Ainda não sentimos da parte do poder político um verdadeiro desejo de resolver o problema. É preciso coragem política do governo e um consenso com os principais partidos.”
Ricardo Sousa, CEO da Century 21, é de opinião que “a promoção de projetos BTR em Portugal é uma estratégia crucial para enfrentar o desafio do acesso à habitação, criar mais opções ajustadas às necessidades da população e ajudar na criação de um mercado de arrendamento mais formal, estável e acessível”. A consultora tem recebido promotores, principalmente internacionais, interessados em desenvolver estes projetos em concelhos das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto. “Os investidores têm confiança no modelo, tendo em conta o sucesso que tem tido em países como Espanha, Suíça, Alemanha ou Áustria”, mas “a legislação atual, o enquadramento fiscal e o histórico de instabilidade nesses regulamentos afastam os principais investidores da opção BTR”, diz.
No final de junho, o governo publicou em Diário da República a lei que vai dar descontos no IRS ou no IRC a quem invista em fundos imobiliários de apoio ao arrendamento acessível. Ricardo Sousa considera ser um “ponto de partida”, mas “será necessário mais tempo e estabilidade legislativa e fiscal para que Portugal consiga atrair este tipo de investimento com a escala necessária”. Como sublinha, “é uma questão de confiança”. E explica: “Os investidores, sejam nacionais ou internacionais, analisam diversos fatores quando consideram investir num país. Entre eles, está a estabilidade. Precisamos de um ambiente estável e previsível, como políticas sólidas e sustentáveis, para gerar esta confiança e atrair cada vez mais investidores para o desenvolvimento deste tipo de projetos”.
A Sonae Sierra já anunciou a sua intenção de desenvolver projetos BTR no país, modelo que acredita irá “contribuir positivamente para o mercado da habitação”. Neste momento, a empresa está a trabalhar na “concretização de um conjunto de parcerias para o desenvolvimento destes edifícios”, diz Alexandre Fernandes, diretor executivo de desenvolvimento da Sierra, sem adiantar mais pormenores. Contudo, o responsável não deixa de admitir que são projetos complexos. Como afirma, “acreditamos que apesar dos desafios que este mercado BTR enfrenta, nomeadamente ao nível burocrático, administrativo e fiscal, esta poderá ser uma oportunidade para atrair investimento, desenvolver um produto imobiliário sustentável e adequado ao perfil da procura, contribuindo para mitigar a falta de oferta de arrendamento residencial”.