"Desconfie de todas as mensagens que receber na web usando o nome de bancos"

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A actividade criminosa na internet é tão lucrativa e segura no Brasil que os piratas não têm medo de mostrar a cara. Os gangues brasileiros negoceiam através de canais no IRC, usam o Twitter para comunicar ou controlar trojans e agora estão a internacionalizar-se.

A má notícia é que Portugal é um dos alvos. A boa notícia é que os consumidores podem proteger-se se tiverem antivírus e software actualizados e não caírem em esquemas de engenharia social. Durante o primeiro encontro de analistas da Ibero-America em Cancun, México, o analista de malware da Kspersky Fabio Assolini contou ao Dinheiro Vivo o que se está a passar no Brasil.

Os hackers não têm noção de que isto lesa cidadãos comuns?

Há um sentimento de Robin Hood, roubar de quem tem dinheiro porque ele não tem. A segunda coisa é o sentimento de impunidade. Porque é que é tão público assim? O sentimento de impunidade do cibercriminoso brasileiro é gigante. E faz com que ele coloque tudo isso publicamente. Há um vídeo no YouTube que é o rap do cartão de crédito clonado. Inclusive eles colocam fotos porque não têm medo de ser presos.

Quando um deles ataca um banco português, a policia não pode fazer nada?

Será necessário haver cooperação entre as policias dos dois países. Mas seria uma operação mais complicada. Mesmo que a requisiçao venha de uma policia de fora, não há lei, como é que o Brasil vai prender?

Tem conhecimento dos danos financeiros causados nos bancos portugueses pelos ataques brasileiros?

Não chegámos a conversar com os bancos portugueses. Mas os ataques estão crescentes. Isso é um sinal de que são lucrativos. Envolve o uso de phishing e de executáveis que vão roubar os dados.

Como funcionam esses ataques?

O criminoso prepara uma mensagem falsa usando o nome do banco. O utilizador recebe a mensagem e clica no link para reactivar a conta, ou porque há um novo procedimento de segurança e é preciso reinstalar o plug-in. O arquivo que será oferecido é o cavalo de Tróia. É um ataque de engenharia social, phishing e um trojan, que depois de instalado no PC vai roubar as credenciais assim que este acede à página do banco.

O que se está a passar com os ataques em Portugal?

Estão a crescer, e isso é um indicador de que os criminosos estão a obter lucros. Porque se não tivessem lucros iriam parar com os ataques, ou então iriam diminuir.

Os ataques são indiscriminados?

Não. Quando o ataque é dirigido a utilizadores em Portugal, os criminosos disparam as mensagens falsas para emails que terminam em .pt ou .es para Espanha. Porque assim eles têm a certeza que o alvo vive no país e vai entender a mensagem.

O que podem os utilizadores fazer?

Desconfie de todas as mensagens que receber usando o nome de bancos. Os bancos não enviam emails e jamais pedirão para instalar seja o que for.

Viram ataques a um banco específico em Portugal?

Não, não foram ataques a um único banco, foram mais. Eu vi ataques a bancos em Cabo Verde. Tudo isto mostra que eles estão a internacionalizar os ataques.



Quando começaram a notar estes ataques a Portugal?


Esses ataques de trojans brasileiros contra bancos na Europa recomeçaram recentemente, de Junho para cá.

Os brasileiros já são os maiores produtores destes ataques?

Em 2010, 36% de todos os trojans bancários a circular no mundo foram criados no Brasil. A característica dos brasileiros é atacar no Brasil, mas isso está a mudar. Eles agora querem atacar os vizinhos e os irmãos em Portugal.

Como é que vão buscar o dinheiro que roubam em Portugal?

Para fazerem a transferência do dinheiro de contas na Europa para o Brasil, eles precisam de mulas de dinheiro, que no Brasil chamamos laranjas.

Há alguma explicação para isso? Portugal está falido.

A minha teoria é que isto é um ensaio para que eles direccionem os ataques a outras regiões na Europa. Usam Portugal porque fala a mesma língua.

A língua é igual mas a escrita é diferente, os criminosos adaptam ao português de Portugal?

Depende do criminoso. Tem aquele que cria um ataque muito bem feito, sem erros gramaticais. E depois temos o script kid, o novato, que produz a mensagem cheia de erros de português. Já vi mensagens de banco que são perfeitas.

Esses trojans vão por email, Twitter ou Facebook?

O cibercriminoso brasileiro é muito criativo na hora de disseminar um ataque. Ele vai por email, ele utiliza redes sociais e começa a usar o Facebook, no Brasil estão a migrar do Orkut.

Como é que as mulas são recrutadas?

O brasileiro desconfia, não recruta qualquer um. Ele recruta geralmente pessoas da família, esposa, primos, amigos e por aí vai. Ele não confia num desconhecido. Os ataques são recentes e não temos muitos dados, mas creio que estão a usar as mulas enviando dinheiro pela Western Union.

Não é possível seguir o rasto?

Depende do profissionalismo. Quem ataca fora tem conhecimento e transfere para várias contas antes de chegar na dele e usa mais que uma mula. Ao invés de fazer transferência directa, faz compras em lojas online, que manda entregar numa caixa postal. As primeiras compras são de valores pequenos e não necessariamente bens físicos, como créditos no Skype.

Qual é o perfil destes criminosos?

Bastante heterogéneo, mas geralmente homens, jovens, alguns universitários. A idade varia de 20 a 35 anos, alguns deles formados. Estão espalhados por todo o Brasil, mas há um Estado com uma concentração maior, o Pará, provavelmente pela ausência de uma presença directa do Governo lá. A maioria é autodidacta.

Mas também já não é preciso ser um génio da informática.

Não, há os programadores e há os que não sabem nada disso, compram um codigo fonte e pronto. Nos canais IRC eles negoceiam tudo.

Quantos Rauls existem?

Um canal IRC tem uma média de frequência de 150 pessoas diariamente.

A actividade tem algum pico?

Sim, há épocas do ano em que eles trabalham mais. A actividade é maior durante as férias escolares no meio do ano, Julho e Agosto. Nesse período a actividade maliciosa é maior, porque muitos cibercriminosos sao adolescentes e jovens que ainda estudam. Então quando estão de férias regressam ao cibercrime. Também se nota um pico na época de Natal e Janeiro. Em Fevereiro há uma queda brusca - Carnaval. Logo após há uma retomada da actividade maliciosa, porque eles gastaram dinheiro no Carnaval e precisam recuperar.



Também há negócios entre criminosos, que vendem e compram cartões roubados e outros itens?


Sim, e vendem de tudo. Desde pacotes com endereços de email a bases de dados e recentemente começaram a negociar milhas aéreas. Eles usam ataques de phishing, por exemplo a dizer que ganharam mil pontos. A pessoa segue o link, regista-se e já está. O que eles fazem é usar os pontos para emitir passagens aéreas, em nome de laranjas ou usando identidades falsas. Os criminosos então vendem as passagens aéreas. Esse roubo de milhas está relacionado com o mercado de documentos falsos, é muito fácil adquirir um. Usam nomes comuns, como João de Deus.

Como é que descobriram este esquema?

Tem sido muito divulgado nos canais IRC, e é coisa recente. Há uns meses demos com membros do gangue do trojan Zeus a atacar contas de milhas na Alemanha. Logo depois os cibercriminoso brasileiros começaram a usar a mesma técnica. Não é comum as pessoas do consultarem o saldo de milhas. E o ataque é tão bem feito que o criminoso muda o email de registo para que o email de confirmação da emissão dos bilhetes não vá parar à caixa da vitima.

Qual é o tipo de phishing em que as pessoas caem mais?

Não há estudos sobre isso, mas tenho a percepção de que alguns tipos de phishing são muito recorrentes. Eles continuam por um longo período. Isso é um sinal claro de que aquele tipo de phishing tem resultado. No Brasil o que dá muito resultado é o esquema da intimação judicial. Outro tipo de ataque comum é o spear phishing, personalizado, que traz o nome completo e o número de identificação. A taxa de sucesso é alta.

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