Desigualdade fiscal: Outro obstáculo ao futebol português

Para oferecer o mesmo salário líquido a um jogador, clubes portugueses precisam de pagar mais 106% que turcos ou mais 30% que alemães e espanhóis
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Agora que o mundo do futebol se aproxima de mais um defeso durante o qual milhares de jogadores serão notícia por estarem "no radar" de este clube ou do outro - seja por ser verdade, seja porque o agente procura uma comissão, seja para fazer pressão para melhorar um contrato -, tempo de olhar para uma das razões que mais dificulta a competitividade dos clubes portugueses no jogo das transferências: os impostos.

É que se por um lado é verdade que os clubes portugueses têm menores capacidades financeiras que os gigantes europeus, por outro também deve ser sublinhado que muita desta capacidade é limitada não tanto pelo nível de geração de recursos dos clubes mas pelo enquadramento fiscal que vigora em Portugal. Tal como em tantos outros campos da economia, também no futebol a competitividade portuguesa é amputada pela desigualdade fiscal existente na Europa. E é por isto que os ditos "clubes grandes" estão não só em desvantagem face aos "tubarões europeus" mas também em relação a campeonatos menos atrativos e competitivos, como o turco ou o holandês, por exemplo.

Segundo dados compilados pela KPMG no "European Champions Report 2017", estudo publicado no início deste ano, e entre IRS, segurança social e taxa social única, não há nenhum país entre as principais ligas europeias que apresente custos laborais semelhantes entre si. E feitas as contas aos oito campeonatos considerados, Portugal surge na lista como o sétimo que mais cobra aos clubes por cada salário.

A consultora recolheu dados sobre os campeonatos de Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Portugal, Espanha, Holanda e Turquia. E as conclusões não podiam ser mais claras.

Salário líquido custa o dobro aos clubes portugueses

Partindo de dois cenários, um salário líquido de um milhão e outro de cinco milhões anuais, a KPMG fez as contas a todas as parcelas dos custos fiscais que os clubes enfrentam para calcular o preço global pago por cada campeonato para oferecer um mesmo salário líquido.

Segundo as conclusões da consultora, os impostos laborais para o futebol na Turquia fazem com que um salário líquido de um milhão de euros exija aos clubes o pagamento de um salário bruto de apenas 1,19 milhões de euros. Já no caso de um clube português, esse mesmo salário líquido obriga a um custo bruto de 2,46 milhões de euros. Um esforço de mais 106% e que explica o porquê dos turcos conseguirem muitas vezes desviar jogadores do campeonato português.

A Turquia é, de facto, o caso extremo nesta comparação da KPMG. Mas em relação aos outros campeonatos a diferença é também significativa: ao custo bruto de 2,46 milhões de um clube português com um salário líquido de um milhão de euros, compara o custo bruto de 1,9 milhões para um clube alemão ou espanhol, um desconto de aproximadamente 23%.

O campeonato português fica também em desvantagem em comparação com Itália, Holanda e Inglaterra, cujo custo global de um salário líquido de um milhão de euros fica 19%, 15,4% e 14% abaixo das verbas exigidas a um Benfica, Porto ou Sporting.

Só mesmo em comparação com França é que o campeonato português consegue ficar mais barato: são 2,74 milhões de euros para um salário líquido de um milhão, mais 11% que em Portugal.

E um salário de 5 milhões?

Aumentando a exigência, a KPMG faz as contas a um segundo cenário: o custo enfrentado pelos clubes para oferecer um salário líquido de cinco milhões de euros aos seus jogadores. A conclusão mantém-se, alterando-se apenas o facto de as diferenças serem um pouco mais elevadas.

Um clube turco, por exemplo, gastará 5,9 milhões para que o seu jogador ganhe 5 milhões líquidos. Já um clube português para conseguir rivalizar com este ordenado líquido terá que gastar 12,5 milhões de euros. Mais 111% que os turcos.

Nas restantes ligas europeias consideradas, as diferenças também crescem ligeiramente: Os clubes de Alemanha e Espanha gastarão menos 23% que os clubes portugueses para oferecer 5 milhões a um jogador, seguindo-se Itália (-20%), Holanda (-15%) e Inglaterra (-14%).

E a China?

Além das ligas europeias, a KPMG olhou também para o caso chinês, o "novo-rico" do futebol mundial que tem vindo a inflacionar valores de transferências e salários num esforço de tornar-se numa potência de força considerável neste desporto.

Segundo a consultora, os clubes chineses apenas ficam atrás dos clubes turcos no que toca aos custos salariais, apresentando um esforço total menor que as restantes ligas europeias. Para oferecer um salário líquido de um milhão de euros, os clubes chineses precisam de 1,78 milhões (-30% que Portugal) e para chegar aos cinco milhões líquidos precisam de investir 9,06 milhões (-27%).

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