Tal como à saída do segundo grande confinamento ditado pela pandemia, em 2021, o consumo das famílias reagiu no arranque deste ano com pujança ao maior alívio de restrições. O resultado foi um máximo histórico de despesa, cerca de 36,4 mil milhões de euros, durante o primeiro trimestre, num crescimento que, face a um ano antes, supera praticamente em três vezes a melhoria de rendimentos. O aumento dos gastos é também significativo face ao período pré-pandemia.
Os dados detalhados das contas nacionais do primeiro trimestre relativos às famílias, divulgados ontem pelo Instituto Nacional de Estatística, mostram que as despesas de consumo privado reagiram com uma subida de 18% face a um ano antes. O crescimento compara com aquele que foi um período anterior de forte retração nos gastos devido a confinamento, o primeiro trimestre de 2021, mas é ainda elevado quando as comparações são feitas com o pré-pandemia. A subida é de 9,2% face ao arranque de 2020, e de 8,2% face ao primeiro trimestre de 2019.
Já a evolução dos rendimentos foi bem menos acentuada. Desde logo, porque estes não conheceram grandes reduções nas fases mais agudas da pandemia, devido a mecanismos de apoio à manutenção de emprego como o lay-off simplificado. Nos primeiros três meses deste ano, o rendimento disponível bruto das famílias atingia os 35,8 mil milhões de euros, 6,4% acima de um ano antes. A subida é de 6,6% face ao início de 2020 (apenas mais duas décimas, em resultado dos efeitos do desemprego e de um período ainda com cortes salariais de lay-off no volume de remunerações nesse ano) e de 8,1% face ao arranque de 2019.
Assim, o ritmo de subida no consumo do início deste ano (18%) foi 2,8 vezes superior àquele que se verificou nos rendimentos (6,4%), com os volumes finais a traduzirem-se numa poupança negativa em termos trimestrais. As famílias gastaram, efetivamente, mais 555 milhões de euros do que os valores que encaixaram, considerando apenas rendimentos brutos não ajustados de outros valores (por exemplo, com comparticipações de medicamentos garantidas pelo Estado).
Já nos volumes acumulados ao longo de um ano até ao final do primeiro trimestre de 2022, o efeito de quebra na poupança surge ainda mitigado. Nos 12 meses até março, incluído, as famílias preservaram ainda 8,3% dos seus rendimentos brutos, correspondendo a uma poupança bruta a rondar os 12,8 mil milhões de euros. O nível fica bem abaixo do máximo acumulado no arranque de 2021, mais de 20 mil milhões de euros, com a taxa de poupança mais elevada de duas décadas, nos 14,1%.
O esvaziamento de poupanças foi o grande motor de crescimento económico no primeiro trimestre, período em que Portugal andou à frente dos restantes países da zona euro, com um crescimento em cadeia do PIB de 2,6% em termos reais, e de 11,9% face a um ano antes. O consumo privado, notava o INE no final de maio, foi sobretudo orientado para a compra de bens duradouros, como automóveis, e serviços não disponíveis durante as fases agudas da pandemia.
Mas, se os gastos das famílias sustentam a subida do produto interno, este por seu turno não sustenta para já uma subida mais vigorosa dos salários. As contas nacionais apontam para uma diminuição nos custos do trabalho medidos relativamente ao produto. Com a produtividade a crescer 5,4% no ano até março, a remuneração média subia meros 3,5%, segundo notou o destaque estatístico de ontem. O resultado foi uma descida de 1,8% nos custos do trabalho por unidade produzida na economia (subiam 1% no trimestre anterior).
O INE salvaguarda também que parte dos custos considerados não se reflete como encargos das empresas, devido ao financiamento parcial de salários pelo Estado no ano passado no âmbito dos mecanismos de lay-off.
Os dados também permitem medir a evolução do peso da massa salarial no PIB, indicador com o qual o governo tem acenado para obter, em Concertação Social, um acordo de rendimentos e competitividade que permita fazer subir as médias salariais no país. Os volumes de remunerações e produto ao longo de um ano até ao final do primeiro trimestre apontam para uma descida para os 48,4% depois de um máximo de 49,7% atingido um ano antes.
As percentagem recorde que os salários representavam no PIB em 2021, e que se mantém ainda assim elevada neste ano, registou-se depois de uma forte contração da economia sem que tenha havido quebra no volume de remunerações, que teve um crescimento contido. Ou seja, os salários não ganharam força, foi o PIB que enfraqueceu.
Com a recuperação esperada no PIB (subida de 4,9% na expectativa do governo), um ritmo de crescimento menos acelerado nos salários resultará, novamente, num recuo do rácio da massa salarial no produto. Este rondava os 45% em 2019, altura em que o governo fixou o objetivo de atingir os 48% e igualar a média da zona euro.
8%
-Poupança
Depois de um primeiro trimestre a gastar mais do que ganham, as famílias portuguesas registam uma taxa de poupança de 8,3%.
48%
-Peso dos salários
O peso de remunerações na economia já desce, para 48,4%, depois do máximo de 49,6% há um ano.