Despesa pública cancelada pelo Tribunal de Contas triplica em 2023

Apesar de ter passado menos despesa pelos circuitos do Tribunal de Contas (TdC), no ano passado, os indicadores de atividade mostram que o auditor foi mais duro a travar os gastos e que mandou abaixo um maior valor em obras e projetos, face a 2022, por estarem mal desenhados ou serem ilegais.
José Tavares, presidente do Tribunal de Contas. Fotografia: Lusa
José Tavares, presidente do Tribunal de Contas. Fotografia: LusaLusa
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A despesa pública cancelada por intervenção do Tribunal de Contas (TdC) triplicou no ano passado, para quase 400 milhões de euros, e o valor chumbado através da recusa de vistos aumentou 60%, para mais de 80 milhões de euros, revela o relatório de atividades e contas de 2023 do auditor presidido por José Tavares.

Apesar de, em 2023, ter passado menos despesa pelos circuitos do TdC (foram controlados cerca de 6,2 mil milhões de euros em contratos públicos, menos 650 milhões de euros ou menos 9,5%) do que em 2022, os indicadores da atividade mostram que o Tribunal foi mais duro a travar os gastos planeados, enviando para trás ou tendo chumbado um valor superior em projetos que iriam "gerar despesa ou responsabilidades financeiras".

Segundo o relatório, "no âmbito da fiscalização prévia, o Tribunal aprecia a legalidade financeira dos atos, contratos e outros instrumentos geradores de despesa ou representativos de responsabilidades financeiras, antes de as mesmas serem realizadas".

Por esta via, o TdC conclui que logrou controlar 6.183 milhões de euros, tendo entrado 3.024 processos, dos quais 2.031 submetidos ao seu controlo (destes, 2.004 processos foram visados e 27 foram alvo de recusas de visto).

Houve ainda "1.323 desistências, processos devolvidos por não estarem sujeitos a fiscalização prévia e processos transitados para o ano seguinte", revela a instituição.

"Relativamente aos 3.354 processos passíveis de análise no ano (nos quais se incluem 330 transitados), nem todos foram objeto de fiscalização, nomeadamente por terem sido cancelados (66) ou devolvidos pelo Tribunal por não estarem sujeitos a visto (821)", diz o coletivo.

"A intervenção do Tribunal conduziu a que, na sequência dos cancelamentos solicitados pelas entidades adjudicantes e da redução de encargos dos contratos submetidos a fiscalização prévia, não fosse realizada despesa de 389 milhões de euros associada a esses processos", o triplo (mais 196%) face ao valor registado um ano antes (131,6 milhões de euros).

O TdC diz que antes de tomar uma decisão final devolveu à procedência 3197 processos que gerariam despesa. "Estes pedidos permitiram, num número significativo de casos, suprir as ilegalidades e irregularidades detetadas, conduzindo até, em algumas situações, à redução dos encargos assumidos pelas respetivas entidades".

Que problemas encontrou o Tribunal?

"Muitas deficiências foram sanadas e várias ilegalidades foram corrigidas", mas as mais recorrentes foram coisas como "inadequação de cabimentos, compromissos, autorizações para assunção de encargos plurianuais e programações financeiras", "falta de autorização e dos correspondentes documentos de despesa pelos delegantes em situações de contratação pública pelas Comunidades Intermunicipais no âmbito de competências delegadas de Municípios".

No capítulo do endividamento, alguns dos problemas mais graves detetados foram "insuficiência de especificação das finalidades [do endividamento]; inconsistências nos montantes e aplicações previstos; falta ou deficiente correspondência dos investimentos a financiar com os investimentos aprovados no Plano Plurianual de Investimentos (PPI); investimentos com prazo de vida útil inferior ao prazo do empréstimo; deficiente cálculo dos limites de endividamento".

Mas as deficiências e os erros cometidos pelas entidades públicas continuam. O Tribunal aponta o dedo a "falta de competência para as decisões; insuficiência de habilitações; ausência de estudos custo/benefício; ausência da fundamentação legalmente exigida, designadamente para: a decisão de escolha do procedimento pré-contratual adotado, a definição do preço base, a opção de não divisão por lotes, a adoção do concreto critério de adjudicação e modelo de avaliação adotados".

O auditor detetou ainda falta de "declarações de inexistência de conflitos de interesses" e deparou-se com empreitadas onde não havia "termo de responsabilidade e seguro de responsabilidade civil do diretor de obra".

Além dos contratos que mandou para trás ou em que a sua intervenção acabou por conduzir ao cancelamento do projeto ou da obra, o Tribunal chumbou 27 projetos públicos por estarem feridos de ilegalidades mais graves.

"O Tribunal pode recusar o visto com fundamento na desconformidade com a lei aplicável que implique nulidade, encargos sem cabimento orçamental, violação direta de normas financeiras ou ilegalidade que altere ou possa alterar o resultado financeiro", diz o novo documento.

Assim, foi recusado o visto a "27 processos, com um volume financeiro de 80,2 milhões de euros, representando 1,3 % do montante controlado".

Em 2022, o valor em processos recusados por não atribuição de visto foi muito inferior, rondou 50 milhões de euros. Dá o tal aumento anual de quase 60% em despesa chumbada e ilegal em 2023.

O rol de ilegalidades é extenso. Apenas alguns exemplos referidos pelo TdC: "celebração de contrato sem existência de compromisso válido e sequencial", "ausência de autorização necessária para a assunção dos encargos plurianuais decorrentes da outorga do contrato, incluindo de contrato adicional", "indefinição e desatualização dos encargos financeiros advenientes da cessão da posição contratual em contrato de empréstimo", "deficiente autorização da assunção da despesa plurianual", "preterição [rejeição] de um procedimento pré-contratual válido e eficaz [optando, assim, por um procedimento de pior qualidade, duvidoso ou ineficaz]", "falta de registo e contabilização da despesa no correspondente orçamento municipal", etc..

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