Devagar que tenho pressa!

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Keynes ficou famoso, entre outras coisas, por ter afirmado uma coisa óbvia: no longo prazo estamos todos mortos. Ao contrário de outras citações famosas, esta é verdadeira. Como muitas outras, porém, foi tirada do contexto: Keynes não estava a apelar a nenhum carpe diem, nem a uma lógica de política económica centrada no imediatismo. Um texto como este não é o lugar apropriado, para discutir o dito enquadramento. O ponto aqui é que, aparentemente, muitas das decisões políticas parecem ter tomado aquela expressão à letra. Vai daí, decide-se na base do que se vê, ou parece ver, sem qualquer consideração sobre o que o passado nos ensina (e Keynes apelava a isso) e não tentando ver mais além da linha do horizonte, como se a terra fosse plana e acabasse onde o sol se põe.

Essas são as decisões mais fáceis, mais passíveis de receber aplauso. Faz parte da natureza humana darmos prioridade ao que é mais imediato, em detrimento do que é mais afastado. Um político, digno desse nome, sabe isto, mas faz o que deve. Um governo de maioria absoluta não tem desculpa por não fazer o que deve. Se, mesmo que tardiamente, o governo terá tomado a decisão certa quanto ao aeroporto de Lisboa (ao procurar um apoio alargado e, para isso, fundamentar bem a decisão), em muitas outras questões o imediatismo, o remedeio sem um enquadramento de longo prazo, ou plena ponderação de todas as consequências, mesmo próximas, parece campear. Não por acaso, a área da saúde volta a ser o (mau) exemplo. Leia-se o que Fernando Araújo escreveu no JN sobre o aumento da remuneração das urgências. Arrasador. Tanto mais quanto é alguém que sabe do que fala: administrador do Hospital de S. João, uma das unidades consensualmente consideradas entre as mais bem geridas do país. É como se um gestor decidisse sobre o chão de fábrica sem ouvir o responsável pelas operações. Ou terá ouvido quem lhe diz sempre que sim?

Churchill foi fundamental para a vitória dos aliados na 2ª Guerra Mundial. A seguir, perdeu as eleições. Sabe para quem? E quem ficou na história?

Alberto Castro, economista e professor universitário

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