Durante dez dias, fui mãe de um filho único. Fui eu, ele e a covid, apenas e só. Forçada a sair de casa por causa do bicho, levei o mais pequeno na mala e retirei-me por dez dias. Dez longos dias a viver com uma criança de 7 anos que tem como interesse quase exclusivo os dinossauros. Sonho agora com dinossauros monstruosos, como o T-Rex, o Estegossauro ou o Pterodáctilo, e no meu cérebro ecoam a toda a hora as vozes esganiçadas dos desenhos animados. Ao fim do terceiro dia de confinamento já parecíamos marido e mulher casados há 40 anos a embirrar um com o outro.
A casa tornou-se pequena para os dois e não foram poucas as vezes em que cortámos relações ou discutimos como se tivéssemos a mesma idade. Ele tem mau perder, o que não ajuda. Jogámos ao 4 em Linha com alguma tensão (não escondo), fizemos 5 puzzles sem olhar para o desenho da caixa, lemos mais de uma dezena de livros infantis, vimos um filme da Disney por dia, ganhei todos os jogos do Mikado e ele quase todas as partidas do Jogo do Ganso (com batota). Tentei ensinar-lhe a jogar damas mas parei para prevenir problemas cardíacos. Ao fim de cinco dias ele já me respondia "o que é?!", com um nível de má-criação que parecia vindo de um comício do Chega!. E eu, com febre e o corpo todo moído, cheguei a ter pensamentos suicidas.
As conversas às refeições eram invariavelmente sobre temas estranhos como lutas de dinossauros, a viagem que ele quer fazer a um planeta que inventou, a questão da imortalidade dos seres vivos (todos) e a origem do ranho. O meu cérebro está a mirrar. Não consegui ler um livro, ver um filme para maiores de 12 ou ver notícias. Vivo presa no mundo de uma criança de 7 anos e acho que já tenho medo de fantasmas à noite.
Tenho amigas que nasceram para isto. Elas sabem brincar com os filhos e gostam, inventam jogos e programas que não acabam com a criança de castigo e aos gritos. E tudo isto sem televisão. Tenho amigas que parecem ter saído dos livros do Walt Disney, calmas e serenas, a fazerem bolinhos e pulseiras e construções com os meninos. Com música clássica de fundo. Não sei como o fazem e admiro-lhes religiosamente a paciência. Nestes dez dias, até as horas das refeições deram discussão. A minha relação com o meu filho único está por um fio e a minha relação com o mundo está interrompida. A meio do período de confinamento optei por entregar os pontos. Rendi-me: passou a ser a ele a liderar. E assim já vamos no terceiro McDonald"s e na segunda pizza. A criança não toma banho há três dias e só lava os dentes porque a pasta sabe a pastilha elástica. E eu quero lá saber: não tenho cheiro ou paladar.
Um filho único dá seis vezes mais trabalho do que seis filhos. Sem dúvida. Se estivesse em casa como devia ser, teria cinco para brincar com este, teria mais cinco filhos para lhe limparem o rabo, darem de comer, discutir com ele e para andarem pela casa de gatas a fazer lutas de dinossauros. Enquanto eu descansava ou fazia coisas de pessoas crescidas. Filhos, servem também para aturar os outros filhos. Já os filhos únicos são uma espécie de arma branca.
Jurista