Diferenças de salários podem ser públicas, diz proteção de dados

Ministério do Trabalho continua sem publicar informação que a lei exige desde 2020. Mulheres Juristas criticam.
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A Comissão Nacional de Proteção de Dados diz que nada impede o Ministério do Trabalho de publicar a diferença de salários entre homens e mulheres em cada uma das grandes empresas, tal como a lei prevê que seja feito desde meados do ano passado. "A publicação de informação estatística não contém dados pessoais, não se aplicando assim o regime de proteção de dados", assegura o organismo em resposta ao Dinheiro Vivo, contrariando a posição do governo, que diz que está em causa "informação nominal das empresas e dos trabalhadores".

A Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) esclarece que "a identificação das empresas não está protegida pelo regime de proteção de dados (a menos que contivesse dado pessoal)". Por outro lado, há forma de tornar anónimos os dados dos trabalhadores. "Uma vez que o ponto de partida são dados pessoais para retirar a informação estatística, agregada, é necessário garantir que os dados publicados não possam ser identificáveis, aplicando técnicas de anonimização que não permitam reidentificar os titulares dos dados. Essa obrigação incumbe ao responsável pelo tratamento."

Segundo a lei para a igualdade remuneratória, cabe ao Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério do Trabalho publicar um "balanço das diferenças remuneratórias entre mulheres e homens por empresa, profissão e níveis de qualificação", construído a partir dos dados do Relatório Único entregue anualmente pelas empresas. Esta obrigação aplica-se às grandes empresas nos primeiros dois anos de vigência da lei, desde 2020, e passa a abranger empresas médias a partir do terceiro ano de implementação, que será 2022.

Contudo, não é esse o entendimento do Ministério do Trabalho. "O balanço por empresa, a nível individual, não será publicado, mas submetido a cada empresa e à Autoridade para as Condições do Trabalho, uma vez que inclui informação nominal das empresas e dos trabalhadores", justificou em junho de 2020, período em que também deu conta do adiamento do envio dos dados a empresas e entidade inspetiva, devido à pandemia e à necessidade de prazos mais longos na entrega do Relatório Único.

Questionado novamente no último mês quanto à publicação dos dados, o governo não respondeu. Não deu conta de que efeitos práticos está a ter a lei ou se os trabalhadores já estão a ser informados das diferenças de salários entre homens e mulheres para que possam pedir pareceres à Comissão para Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) sobre eventuais práticas discriminatórias. Não se sabe sequer se a CITE já recebeu algum pedido de parecer ao abrigo da lei. O ministério não responde.

Em fevereiro de 2019, quando a lei entrou efetivamente em vigor, o governo assinalava "mais e melhor informação, quer para a opinião pública quer para trabalhadores/as quer para as próprias empresas". Em concreto, "informação estatística sobre as diferenças remuneratórias entre mulheres e homens a nível setorial (...) e por empresa (balanços empresariais das diferenças remuneratórias)".

A Associação Portuguesa de Mulheres Juristas (APMJ), uma das organizações consultadas pelos deputados aquando da discussão da lei, "entende que as diferenças salariais entre homens e mulheres em cada uma das grandes empresas nacionais deviam ser tornadas públicas" e lembra que a lei " impôs essa obrigação", como afirma Joana Costa, especialista em igualdade de género e membro da organização.

"É preciso cautelas? É. É preciso que a informação estatística seja cuidada? É", responde. Mas assegura que nunca se levantou a questão de os dados não poderem ser publicados. Sem a publicação, o governo "não frustra totalmente [a lei], desde que o resto do normativo seja cumprido, mas põe em causa a transparência".

De resto, lembra, ainda no verão de 2020, o Comité de Direitos Sociais do Conselho da Europa apontou o dedo a Portugal. "Considera que temos legislação adequada para pôr fim à disparidade salarial entre homens e mulheres, mas que pouco ou nada se tem feito para pôr em prática essas mesmas leis."

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