Digitalizar a Saúde: Transformar dados em informação e informação em conhecimento

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Em 2021, o sistema de saúde português cobria 10,2 milhões de pessoas, das quais, 47% tinham uma cobertura complementar ao SNS através de Seguros de Saúde, ADSE e outros subsistemas de saúde. Apenas 53% da população dispunha da cobertura única do Serviço Nacional de Saúde (SNS) para lhe garantir o acesso à rede pública de cuidados.

Dois relatórios insuspeitos, publicados nos últimos meses (Tribunal de Contas e Conselho das Finanças Públicas), ilustraram a crescente dificuldade de acesso aos cuidados de saúde por parte dos cidadãos. Muitos portugueses foram forçados a encontrar novas soluções, particularmente através da subscrição de seguros de saúde, alcançando por essa via o acesso a consultas médicas, exames de diagnóstico e procedimentos cirúrgicos para os quais não encontram resposta, em tempo útil e conveniência, na rede pública de prestação de cuidados.

A realidade demográfica de Portugal não escapa à tendência mundial, mostrando uma redução do volume e da percentagem de jovens no total da população (envelhecimento na base) e o gradual aumento do número e do peso da população mais idosa (envelhecimento no topo). Esta realidade tem consequências sociais, económicas e políticas relevantes, seja no emprego, na educação, e também, no sistema de proteção social, designadamente na saúde.

Alguns números, são assustadores para o planeamento de cuidados de saúde. Em 2001, havia 101 idosos por 100 jovens; em 2011, 125 e, em 2017, 153 idosos por 100 jovens. Em pouco mais de três décadas, mais do que triplicámos o número de idosos por cada jovem.

A boa notícia é que, no mesmo intervalo de tempo, a nossa esperança média de vida à nascença evoluiu de 71,7 anos (H68,2 M75,2) para 80,8 (H77,7 M83,4). Ou seja, acrescentámos, respetivamente, mais 9,5 anos de vida aos homens e 8,2 anos às mulheres. Em 1974, a esperança média de vida era de apenas 68,2 anos.

Esta realidade impõe uma enorme prioridade de reforço do investimento na promoção da saúde, através de políticas públicas inovadoras e consistentes, consignando-lhes um orçamento específico focado no bem-estar. Contudo, a adoção de estratégias e de políticas de promoção da saúde, mesmo que bem-sucedidas, só colhem resultados a médio e longo prazo, tempo que a demografia não concede.

Em consequência, é também necessário, desde já, tirar o melhor partido da oportunidade que a saúde digital nos pode proporcionar, desenvolvendo novos modelos de prestação de cuidados, em formato híbrido, ou seja, aumentar consideravelmente a oferta de prestação de cuidados à distância e reduzindo, sempre que possível, o número de atos presenciais não essenciais.

Esta opção estratégica, acompanhada da otimização de todos os processos que suportam a prestação de cuidados (marcação e agendamento de atos, partilha de resultados, interação por vídeo consulta, automatização dos meios de pagamento) libertará recursos humanos e financeiros que poderão ter uma afetação mais útil para garantir um acesso a tempo e horas, por parte dos cidadãos, aos cuidados de saúde.

A transformação digital do sistema de saúde vem permitir a integração de soluções tecnológicas e de partilha de informação entre prestadores e clientes, contribuindo para uma significativa melhoria da qualidade do serviço e da redução dos tempos de acesso.

Uma das áreas de eleição para a introdução de novas soluções de saúde digital, que cruza bem com a realidade da demografia portuguesa, é a área dos cuidados domiciliários. O interesse por este segmento da prestação de cuidados, designado internacionalmente por Home Care, está a despertar uma onde de investimento em vários sistemas de saúde dos países ocidentais, designadamente nos Estados Unidos da América, uma vez que permite a monitorização à distância dos pacientes que sofrem de condições crónicas de saúde, e que têm a vantagem em se manter no conforto das suas casas, permitindo um contacto contínuo e de elevada disponibilidade com a sua equipa de cuidados.

A informação recolhida através da ligação de devices que asseguram a leitura de parâmetros clínicos do paciente e a sua integração no Registo de Saúde Eletrónico, permite a monitorização remota e a vigilância contínua do respetivo estado de saúde, bem como a estruturação de uma resposta atempada face a qualquer evento de agudização de cuidados.

Interoperabilidade, centralidade no cliente e facilidade de utilização, são os fatores determinantes para que o sistema de saúde funcione sem entropia, transformando dados em informação e informação em conhecimento.

A capacidade de monitorizar parâmetros clínicos que o IoT e a tecnologia 5G estão a exponenciar, assim como a aplicação de algoritmos (Inteligência Artificial) a partir da análise de grandes conjuntos de dados (Big Data), vão ajudar a uma medicina de precisão e ao desenvolvimento de ferramentas preditivas que permitirão melhorar, consideravelmente, muitas patologias existentes. E isto é tão importante para a qualidade de vida das pessoas como para a sustentabilidade dos sistemas de saúde que terão de gerir uma população mais envelhecida e mais exigente.

José Mendes Ribeiro, economista, coordenador Saúde Digital da Universidade Europeia

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