
“Nem River Plate, nem Boca Juniors. Sem argentinos no Mundial de Clubes. O Brasil foi com quatro, os quatro passaram”, desabafou Javier Milei, presidente da Argentina, nas redes sociais, antes de pedir a transformação dos gigantescos (mas obsoletos?) clubes argentinos em Sociedades Anónimas Desportivas (SAD), como sucede em Portugal, na generalidade da Europa e começa a ser moda no país vizinho dos argentinos. River e Boca caíram sem glória na prova disputada nos EUA com apenas uma vitória acumulada.
“Até quando teremos que apontar o fracasso do modelo Chiqui Tapia?”, continuou Milei, numa rara publicação sobre desporto, referindo-se ao presidente da federação local. “Um campeonato frágil, com 30 clubes, sem competitividade, sem SAD, sem incentivos, não está à altura do tremendo público argentino que lota estádios ao redor do mundo. Insisto, Chiqui Tapia e seu minúsculo círculo fazem mal ao futebol argentino”.
Em julho de 2024, o governo Milei permitiu a entrada de capital privado no futebol argentino a partir de novembro deste ano para incentivar a transformação dos clubes em SAD mas o citado Chiqui Tapia, rival do presidente do processo, vem bloqueando o processo em tribunal. Três meses antes, mal assumira a presidência, Milei revelou que o Grupo City (liderado pelo Manchester City) tinha interesse em comprar grandes clubes argentinos: "É um investimento monumental. Ou preferem continuar nessa miséria, onde cada vez mais temos um futebol de pior qualidade?"
Tapia goza de prestígio desde que em 2022 a seleção argentina ganhou o Mundial de seleções. Mas no futebol de clubes, o país estagnou: os brasileiros Palmeiras e Flamengo, embora não sejam SAD, têm hoje gestões profissionais de sucesso e ganharam ambos duas vezes a Taça dos Libertadores da América nos últimos seis anos. E a última final da prova foi disputada entre duas SAD, o Atlético Mineiro e o Botafogo, do norte-americano John Textor. River e Boca chegaram a duas finais no período mas acabaram derrotados.
Entre os 10 plantéis mais ricos da América do Sul, segundo dados de 2024 do site especializado Transfermarkt, oito são brasileiros: o Palmeiras, com 209 milhões, liderava, seguido do Flamengo, com 172, de Corinthians (114) e de Fluminense (106), por acaso, nenhum deles ainda SAD. O River (com 97,6) era quinto. O Boca (com 76,8), nono.
"O Brasil é sabidamente o país mais rico da América do Sul e o futebol brasileiro é o resultado dessa liderança que uma Liga de Clubes acentuaria”, diz Cristiano Caús, sócio fundador responsável pela área de Direito Desportivo na CCLA Advogados, ao DV. Para Fernando Lamounier, diretor da Multimarcas Consórcios, “a discrepância de receitas do Boca para os brasileiros pode ser explicada pela diferença no modelo de gestão, estrutura de governança e tamanho do mercado desportivo em cada país”. Já o rival River reagiu e entrou em outubro na Bolsa de Valores da Argentina com a criação do Club River Plate Financial Trust.
Para Thiago Freitas, COO da Roc Nation Sports no Brasil, empresa norte-americana que gerencia a atletas, a derrocada dos clubes argentinos também é fruto de um longo processo de depreciação económica do país. “ Até na Venezuela o ambiente de negócios e gestão dos clubes é hoje mais propenso ao desenvolvimento…”