Diretiva europeia permite ao governo baixar IVA do gás e da luz de 23% para a taxa mínima de 6%

A componente fixa dos consumos mais baixos beneficia desse alívio fiscal. Maioria das famílias paga 13% nos primeiros 100 ou 150 kWh/mês de eletricidade. Estado já arrecadou mais dois mil milhões em impostos que o previsto.
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Portugal, assim como qualquer outro Estado-membro da União Europeia (UE), pode baixar o IVA do gás e da luz para a taxa mínima sem ter de pedir autorização a Bruxelas. A diretiva comunitária relativa a esse imposto foi alterada em abril, dispensando os países de solicitar o aval ao Comité do IVA. Contudo, limita a aplicação da taxa reduzida a uma lista de 24 das 29 categorias elegíveis, em que se encontram os fornecimentos de eletricidade, gás e arrefecimento urbano.

A redução do IVA de 23% para a taxa mínima de 6% é uma das medidas que o governo pode adotar, na próxima segunda-feira, para mitigar os impactos sobre as famílias da escalada da inflação, nomeadamente, da subida dos preços da energia, uma vez que não existe impedimento legal. Contudo, o primeiro-ministro, António Costa, não quer antecipar o tipo de apoios que o executivo vai aprovar em Conselho de Ministros extraordinário e reserva o anúncio do pacote de ajudas para segunda-feira: "É necessário assegurar que as famílias têm condições para enfrentar esta situação e é nisso que estamos a trabalhar. E segunda-feira é já quase depois de amanhã".

Já as empresas vão ter de esperar mais uns dias por medidas de apoio. Questionado se Portugal pondera reduzir o IVA sobre o gás, tal como anunciou Espanha, Costa disse apenas que "só faz sentido anunciar novas medidas depois do Conselho de Ministros europeus da Energia a 9 de setembro". Nessa cimeira, o primeiro-ministro espera que "a UE aprove um conjunto de medidas, nomeadamente, a reforma do mercado da eletricidade".

O governante defendeu que é preciso uma "reforma estrutural" e mostrou-se otimista com o desfecho da reunião dos ministros europeus da energia, uma vez que a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, já reconheceu "a necessidade de fazer uma reforma estrutural do mercado". No mesmo sentido, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, prefere uma ação conjunta de todo o bloco comunitário: "Acho que, neste momento, em todos os países, tem que se ponderar um conjunto de medidas. O ideal era que fosse concertado a nível europeu, senão aumentam as desigualdades na Europa".

Para o especialista em direito fiscal, João Espanha, "o governo deveria baixar o IVA da luz e do gás para a taxa mínima, de forma a aliviar os bolsos de todos os portugueses". "É incompreensível que um governo venha arrecadando excedentes orçamentais e níveis elevados de receita fiscal e não avance com este tipo de medidas", sublinhou o perito ao Dinheiro Vivo. De facto, e segundo a execução orçamental de julho, o Estado alcançou um superavit de 432 milhões de euros, ainda que tenha sido inferior ao excedente, de 1 113 milhões, obtido no mês anterior.

Quanto à arrecadação de impostos, seja diretos, como o IRS ou IRC, seja indiretos, como o IVA ou o Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP), os cofres públicos já amealharam mais dois mil milhões de euros do que o previsto para o ano inteiro. O governo esperava receber mais três mil milhões em 2022 face a 2021, mas, até julho, a receita fiscal já superou os cinco mil milhões. Por isso, no entender de João Espanha, há margem para avançar com a redução do IVA da energia. "O governo de António Costa não virou a página da austeridade, deu antes a volta à austeridade", atira o fiscalista, uma vez que "não foi capaz de voltar a baixar o IVA da energia". Recorde-se que foi por imposição da troika que Portugal teve de subir o imposto da taxa mínima (6%) para a máxima (23%).

Em 2019 e 2020, os anteriores governos de António Costa, na altura suportados pela geringonça (PCP, BE e PEV), fizeram alterações cirúrgicas ao IVA da luz e do gás, com pouco impacto na carteira das famílias. Nessa época, ainda era necessário o aval de Bruxelas para mexer na taxa do imposto.
Em maio de 2019, o primeiro governo de Costa avançou com a redução do IVA de 23% para 6% na componente fixa, de acesso às redes, para clientes com uma potência contratada até 3,45 kVA. No caso do gás natural, a redução do imposto aplica-se a consumidores com um consumo anual que não exceda os 10 mil metros cúbicos.

Em dezembro de 2020, primeiro ano da pandemia de covid-19, o segundo executivo de Costa baixou o IVA de toda a fatura de eletricidade de 23% para 13%, mas apenas para os primeiros consumos de 100 kWh mensais ou de 150 kWh mensais, no caso das famílias numerosas, desde que a potência contratada não supere os 6,9 kVA. Na altura o governo afirmou que "esta descida beneficiará cerca de 5,2 milhões de contratos, o que corresponde a cerca de 86% dos clientes de baixa tensão".

Espanha reduz para 5%
Depois de ter baixado o IVA da eletricidade para 5%, em julho, o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, anunciou ontem que vai baixar o IVA do gás de 21% para 5% a partir de outubro. Em princípio, será uma medida temporária, até ao final do ano, mas o governo espanhol está disponível para estendê-la para 2023, "enquanto durar a situação tão difícil" de "aumento disparado e disparatado" dos preços da energia, justificou Pedro Sánchez.

Alemanha alivia para 7%
A meio de agosto, o governo alemão também já tinha anunciado a decisão de baixar temporariamente o IVA do gás, de 19% para 7%. A taxa reduzida estará em vigor a partir de 1 de outubro e deverá manter-se, pelo menos, até finais de março de 2024. Na ocasião do anúncio, o chanceler alemão, Olaf Scholz, acrescentou esperar "que as empresas reproduzam esta descida a 100% nos clientes".

Pelo "potencial impacto" que o novo pacote de medidas de apoio possa ter no próximo ano, o Ministério das Finanças decidiu ontem adiar para a próxima semana o envio, ao Parlamento, do Quadro de Políticas Invariantes, que estima para 2023 o peso das medidas já legisladas, segundo uma nota do ministério de Fernando Medina a que o Dinheiro Vivo teve acesso. O documento deveria ter sido entregue até 31 de agosto, ou seja, ontem. No ano passado, o quadro referente a 2022 apontava para a necessidade de o Orçamento do Estado acomodar custos adicionais de cerca de dois mil milhões de euros.

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