
O endividamento da economia nacional agravou-se no primeiro semestre com a dívida das famílias, empresas e Estado - o setor não financeiro -, a crescer 15,6 mil milhões de euros, para 811,3 mil milhões de euros, de acordo com a nota estatística do Banco de Portugal (BdP), divulgada na sexta-feira, relativa a junho.
Comparativamente com os primeiros seis meses de 2023, o endividamento do setor não financeiro subiu 1,410 mil milhões de euros. Dos 811,3 mil milhões de euros de dívida, 444,4 mil milhões são responsabilidade das empresas e das famílias, enquanto 366,9 mil milhões de euros correspondem a dívidas das administrações públicas e empresas do Estado.
Segundo o Banco de Portugal, o setor público foi o principal motor de crescimento do endividamento da Economia portuguesa, uma vez que a dívida das administrações públicas e das empresas do Estado cresceu 13,7 mil milhões de euros.
“Este acréscimo verificou-se, sobretudo, junto do resto do mundo (14,1 mil milhões de euros), essencialmente pelo investimento do resto do mundo em títulos de dívida emitidos pelas administrações públicas (13,5 mil milhões de euros, dos quais nove mil milhões de euros em títulos de longo prazo)”, lê-se na nota divulgada pelo supervisor da banca.
Em junho de 2024, a taxa de variação anual do endividamento das empresas situou-se em 2,8%, a mesma taxa registada em maio, enquanto o endividamento das famílias cresceu 1,2%, valor superior ao verificado em maio (0,9%). Em ambos os setores, “a taxa de variação anual do endividamento tem observado uma tendência de crescimento desde o final de 2023.”
O endividamento do setor privado aumentou 1,9 mil milhões de euros. “O endividamento dos particulares [famílias] cresceu 1,9 mil milhões de euros, essencialmente junto do setor financeiro (1,4 mil milhões de euros)”, adianta o BdP, explicando que o “endividamento das empresas privadas praticamente não se alterou, pois o aumento registado junto do setor financeiro (2,1 mil milhões de euros) foi compensado por reduções nos restantes setores, em particular, junto das empresas não financeiras.”
Endividamento da economia recua em percentagem do PIB
No primeiro semestre de 2024, e apesar do aumento nominal, o endividamento do setor não financeiro em percentagem do Produto Interno Bruto (PIB) decresceu de 299,7% para 296,1% do PIB.
O BdP sublinhou que se deveu “ao maior dinamismo do indicador”, considerando que a “descida decompôs-se na redução do endividamento do setor privado, de 166,7% para 162,2%, parcialmente compensada pelo aumento de 0,9 pontos percentuais do PIB no endividamento do setor público.”
No primeiro semestre de 2023, o endividamento do setor não financeiro em percentagem do PIB situava-se próximo dos 318,4%. Tal como indicou o BdP, observa-se, desde o final de 2023, uma tendência de crescimento do endividamento das famílias.
Segundo a Deco Proteste explica num guia de boas práticas disponibilizado online, decorre da lei e das regras macroprudenciais que os bancos e outras instituições financeiras "apenas devem conceder o crédito se resultar da avaliação da solvabilidade que é provável que o consumidor cumpra as obrigações decorrentes do contrato de crédito". Ou seja, importa "evitar o sobre-endividamento e as práticas irresponsáveis de concessão de crédito aos consumidores".
Um mau exemplo
A família Marques é um dos casos de endividamento identificados pela Deco - Associação de Defesa do Consumidor. Trata-se de um casal com um filho de 6 anos, a viver em casa de familiares. Tem despesas com alimentação e combustível para duas viaturas. No final de 2023, tinha um rendimento de 1496,00 euros. O casal recorreu a crédito para reparação das viaturas, mas acabou por manter o empréstimo para fazer face a despesas do dia-a-dia. Estas foram aumentando e, quase sem se aperceberem, viram-se numa situação de sobre-endividamento e sem capacidade para cumprir com todas as obrigações, lê-se no site da Deco. A família admitiu que a consolidação dos seus créditos seria a melhor solução. O montante em dívida, quando solicitou o crédito consolidado, era de 38 329 euros, mas houve um banco que, no início deste ano, autorizou um crédito de 51 706 euros, e ainda outro crédito pessoal no valor de 2366,38 euros para liquidação do respetivo seguro de proteção ao crédito. No momento em que a avaliação bancária foi efetuada, a família tinha uma taxa de esforço de 65,5%. Em abril, a taxa de esforço subiu para 87,0%. Na situação em apreço, a Deco questiona a “(ir)responsabilidade” do banco na avaliação do risco.
Vazio legal
Em casos semelhantes, a Deco aconselha as famílias a atuarem logo que se apercebam de dificuldades em cumprir as prestações do crédito, alertando que a maioria dos bancos portugueses continua a optar pela redução do stock em incumprimento, através da venda de carteiras de malparado a fundos de investimento. No entanto, a associação alerta para que este recurso carece de enquadramento legal, por falta de transposição de uma diretiva europeia. “Esta situação é ainda mais grave no crédito habitação, uma vez que está em causa a habitação das famílias e o aumento do risco da sua perda.”