Dois dos 26 comissários vêm do setor privado: Maria Luís Albuquerque e Costas Kadis, do Chipre

Parlamento Europeu. Albuquerque integra o lote de 26 comissários à espera da "confirmação" do PE; vem do Morgan Stanley para tutelar a área dos mercados de capitais e da banca.
Foto: Gerardo Santos
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Apenas dois dos 26 comissários europeus indigitados pela presidente da Comissão Europeia (CE), Ursula von der Leyen, transitam diretamente do sector privado para a poderosa cúpula que formará o novo executivo da União Europeia (UE), de acordo com um levantamento feito pelo DN aos currículos profissionais publicados pelos próprios candidatos no site do Parlamento Europeu (PE).

Os dois nomes, que esta semana estão sob escrutínio (audição) para obter a "confirmação" do Parlamento da UE, são a portuguesa Maria Luís Albuquerque (ouvida esta quarta-feira), e o cipriota Costas Kadis.

A primeira transita diretamente do enorme grupo financeiro global Morgan Stanley e da gestora de ativos Horizon Equity Partners. Em Portugal é mais conhecida dos anos do programa de ajustamento, de 2011 a 2015, quando foi secretário de Estado do Tesouro e depois ministra das Finanças.

O segundo, Costas Kadis, procede da Universidade Frederick, uma instituição académica privada sediada em Limassol, a capital do Chipre.

Todos os outros 24 indigitados são atualmente políticos profissionais. A esmagadora maioria é, naturalmente, de direita, a força política que domina o PE e à qual pertence Von der Leyen.

No grupo de indigitados há dez ministros (Maguns Bruner, da Áustria, Hadja Lahbib, da Bélgica, Jozef Síkela, da Chéquia, Dan Jørgensen, da Dinamarca, Kaja Kallas, ex-primeira-ministra da Estónia, Michael McGrath, da Irlanda, só para dar alguns exemplos), quatro eurodeputados. Da antiga CE continuam a própria Von der Leyen, da Alemanha, e o vice-presidente para a Economia, o letão Valdis Dombrovskis.

Costas Kadis, um professor de Biodiversidade e Conservação da Natureza, dificilmente será barrado no caminho até ao lugar de comissário de Pescas e Oceano.

Albuquerque, que tem o trunfo de ser mulher (Von der Leyen apostou tudo na paridade de género neste desenho da CE) também parece ser uma aposta ganhadora. No entanto, vai ficar com a poderosa tutela dos Serviços Financeiros e da União da Poupança e dos Investimentos.

O currículo de Maria Luís Albuquerque, dizem vários observadores ouvidos pelo DN, é bom e encaixa bem no perfil. Mas nas últimas semanas têm aparecido vozes a levantar dúvidas, não sobre o valor da economista portuguesa, mas sobre o programa que ela quer implementar: completar a sempre inacabada união bancária e a outra, ainda mais delicada ou complexa, a união dos mercados de capitais.

Albuquerque tem trabalho na área. Entre 2007 e 2011, foi administradora do IGCP, a agência que gere a dívida pública portuguesa e negoceia diariamente com os agentes do mercado (bancos, fundos de investimento e pensões, bancos centrais, fundos especuladores ou hedge funds, agências de ratings, etc.).

Como governante lidou diretamente com operações de larga escala, como a privatização da REN, EDP, ANA (aeroportos) e TAP.

Antes disso (2020) teve assento, por sete meses, no grupo de peritos da Comissão que estuda a desejada união dos mercados de capitais.

Cépticos com plano de Albuquerque e da CE

No formulário de perguntas dos eurodeputados, Albuquerque foi questionada sobre como pretende desenvolver a União da Poupança e dos Investimentos, medidas concretas.

A eventual nova comissária respondeu que é preciso mais poder de fogo financeiro de todos os países e bancos, fundos para a Europa financiar atividades "sustentáveis, produtivas e estratégicas".

"É crucial integrar os bancos na União da Poupança e dos Investimentos", "os bancos deverão continuar a deter uma parte importante das poupanças dos cidadãos e a disponibilizar um financiamento indispensável à maior parte das empresas europeias".

Em segundo lugar, "são necessários bancos europeus fortes que operem além-fronteiras prestando serviços essenciais do mercado de capitais". Em terceiro lugar, "a integração dos mercados bancários deve contribuir igualmente para repartir melhor o financiamento por toda a economia da UE", explicou Albuquerque no seu depoimento de 14 páginas entregue ao PE.

A tensão que o plano descrito levanta acontece porque "a união do mercado de capitais é, sem dúvida, a questão mais imediata na agenda da comissária", considera Nicolas Véron, professor de Finanças do instituto Bruegel, sediado em Bruxelas.

"Os projetos legislativos até agora têm sido de impacto limitado ou excessivamente ambiciosos, como tentativas de harmonizar políticas a nível europeu, incluindo fiscalidade, leis das insolvências, financiamento de pensões e de habitação, para não falar de passos no sentido da união orçamental", acrescenta.

Albuquerque também fica em mãos com o "desenvolvimento de mecanismos de governação e financiamento alinhados com a nova Autoridade contra o Branqueamento de Capitais, atualmente em fase de construção". Mais um fator de stress para muitos países e mercados da UE.

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