DomusVi investe 60 milhões para duplicar unidades até 2026

Multinacional francesa de cuidados especializados para idosos e doentes em convalescença tem oito residências no país. Demora nos licenciamentos e escassês de recursos humanos dificultam a expansão no mercado português.
João Pedro Guimarães, administrador da DomusVi em Portugal. Foto: D.R.
João Pedro Guimarães, administrador da DomusVi em Portugal. Foto: D.R.João Pedro Guimarães, administrador da DomusVi em Portugal. Foto: D.R.
Publicado a

Não se enquadram nos tradicionais lares de idosos e também não são clínicas médicas. As unidades da DomusVi tanto podem ser a casa de quem precisa de acompanhamento na velhice, como o lugar de convalescença e reabilitação para quem sofre de problemas de saúde. Isto, num ambiente de conforto e privacidade, com a mais-valia de um “serviço hoteleiro” - assim o descreve a empresa. 

A multinacional francesa tem cerca de 600 residências espalhadas por França, Espanha, Alemanha, Chile e Dubai, e entrou em Portugal em 2018. Com oito unidades em funcionamento no país, nas quais já investiu 50 mlhões de euros, o objetivo é duplicar as residências até 2026, investindo mais 60 milhões. 

"O que vimos em Portugal? Um mercado por explorar, com um crescimento muito significativo, com muitos desafios, mas também com boas oportunidades", diz ao Dinheiro Vivo João Pedro Guimarães, administrador da DomusVi.  "Em Portugal estamos só concentrados na vertente que faz a ponte entre as respostas sociais, os tradicionais lares de idosos, até às unidades de saúde. Hoje diria que temos várias unidades que são praticamente hospitais de retaguarda, dada a procura que existe, a necessidade premente deste tipo de respostas", sublinha o gestor.

Aposta na construção de raiz
As oito unidades DomusVi já em operação representam 800 camas, um número que crescerá para as 1600 dentro de dois anos. O grupo começou por adquirir e transformar unidades já existentes no mercado, mas agora aposta na construção própria. "Das oito unidades que temos hoje, duas já foram feitas de raiz, e as outras seis foram compradas, com operação, edifícios, com tudo. Estas novas de que estamos a falar são todas para desenvolver de raiz. É difícil encontrar no mercado unidades que se adequem à forma como nós fazemos a operação", explica João Pedro Guimarães. 

Muitas das camas da DomusVi são de cuidados continuados, operadas através de protocolos com o Serviço Nacional de Saúde. "Temos bastantes camas contratadas ao abrigo da rede nacional de cuidados continuados. Temos protocolos diretos com hospitais públicos para dar respostas locais às necessidades que hoje são prementes, são enormes."

Nestes casos, não há custos para o utente, mas a restante oferta da DomusVi é privada e sai do bolso das famílias. "Espero não estar a cometer um erro, mas saiu há pouco tempo um estudo que calculou o custo das camas privadas à volta de 1600 euros, em média, por mês". E os portugueses têm capacidade para pagar estes valores? "Conseguem, porque as camas estão todas cheias. A taxa de ocupação deve andar à volta dos 92-95%, em média, em Portugal, é excecionalmente boa. Isso demonstra claramente que a procura está lá, e a oferta tem de dar resposta", diz o administrador da DomusVi. Contudo, ressalva, "80% das camas são das IPSS [instituições particulares de solidariedade social], são subsidiadas, numa pequena parte, pelo Estado".

O gestor estima que no final de 2023 existiam cerca de 105 mil camas para cuidados sociais e de saúde em Portugal. "Dessas 105 mil camas diria que 80% são IPSS  - quando falo em IPSS incluo as misericórdias e todas as sociedades, associações de mutuantes que têm um fim social exclusivamente e não o objetivo do lucro. O mercado privado puro, operadores como o nosso, representam entre  25 e 27 mil . Tudo o resto pertence às associações sociais".

Este mercado da economia social, explica João Pedro Guimarães, é caracterizado pela existência de muitas unidades, mas de pequena dimensão. "A dimensão média por unidade no mercado das IPSS é de cerda de 40 camas e no mercado privado é de cerca de 30. Portanto, o mercado está extremamente fragmentado, a sua consolidação é muito difícil, sobretudo com os produtos existentes, daí a enorme dificuldade em entrarem no mercado operadores profissionais, estruturas que sejam capazes de trazer, de garantir esta oferta de que precisamos".

O maior operador privado nacional, segundo o gestor, são as residências Montepio, com entre 800 e 900 camas. "Veja o que isso significa no mercado de 105 mil camas ou no mercado privado das 24 ou 25 mil camas... Não há grandes operadores".

O objetivo da DomusVi é ter unidades maiores do que é habitual: "A nossa zona de conforto é entre as 80 e as 120 camas".

"Morosidade kafkiana"
O aumento da oferta de camas de cuidados a idosos e doentes é uma inevitabilidade, com o envelhecimento do país, e traz desafios na prestação de cuidados. "O aumento sustentado da procura vai acontecer até 2050, só aí é que estabilizará, o que significa que todos os anos está a aumentar a necessidade de oferta de camas, e o país não é capaz de oferecer essas camas. O crescimento de camas em Portugal não está a acompanhar o crescimento da procura. Isto quer dizer que até 2050 a situação vai piorar", vaticina. 

O administrador da DomusVi aponta para obstáculos que, além de afastarem os grandes operadores internacionais deste segmento, dificultam a expansão dos que já estão a operar. "Os desafios começam com a enorme dificuldade que temos em ter um edifício pronto a ser utilizado. Ou seja, o ciclo do betão é terrível. Aliás, todos os projetos que esperamos iniciar em 2024 demoraram praticamente três a quatro anos a serem licenciados. A morosidade do processo de licenciamento é kafkiana em Portugal".

João Pedro Guimarães garante que "já tentaram entrar em Portugal inúmeros operadores estrangeiros, credíveis, e que desistem, porque o ciclo de desenvolvimento das unidades é muito longo."

O gestor também não vê "grandes vantagens" no simplex do licenciamento urbanístico, que entrou em vigor este ano, apesar de admitir que ainda é cedo para tirar conclusões. "Eu poder fazer uma comunicação prévia de um edifício, não me vai ilibar de  ter de assumir a responsabilidade, ou os técnicos, por tudo aquilo que vai ser feito. Porque a seguir as autarquias vão fiscalizar e vão verificar. Ou seja, o risco para o operador aumentou", defende.  "Os operadores vão ter de se salvaguardar e dizer, 'não vou correr o risco de começar a construir um edifício, e depois algo correr mal e eu ficar com isto parado'."

Mais de 50% de trabalhadores estrangeiros
Outro dos grandes constrangimentos atuais é a dificuldade em arranjar pessoas para trabalhar nas unidades residenciais. O grupo DomusVi emprega diretamente quase 700 pessoas, entre auxiliares de geriatria, enfermeiros, médicos, podologistas, nutricionistas, assistentes sociais, assistentes de lazer, fisioterapeutas, terapeutas da fala e terapeutas ocupacionais. 

"É um desafio. Neste momento temos uma percentagem muito elevada de imigrantes a trabalhar connosco. Sobretudo de origem brasileira, mas não só. Normalmente a língua é a grande barreira, mas acabamos por contratar de todas as nacionalidades. Esta é uma tendência que é irreversível, pelo menos nos próximos anos. Posso dizer que temos unidades em que mais de 50% dos nossos cuidadores diretos são estrangeiros".

O gestor começa a notar uma alteração na forma como os trabalhadores imigrantes chegam ao país. "Começou a aparecer agora uma nova vaga, a partir de meados do ano passado, em que já estão a tentar ser contratados diretamente nos seus países de origem. Ou seja, contactam-nos pessoalmente, questionando-nos se estamos interessados em contratá-los para eles virem trabalhar connosco: Portanto, já não vêm primeiro para Portugal, estabelecem-se e depois procuram o seu trabalho." 

A falta de habitação a preços acessíveis vem agravar ainda mais o cenário. "A habitação é um problema. Neste momento, por exemplo, no Algarve, estamos já a oferecer a estadia também. Ou seja, apartamentos para os nossos profissionais. E suportamos nós esse custo, é uma oferta adicional que fazemos para que as pessoas se possam deslocalizar e trabalhar connosco. O Algarve, eu diria, é talvez o local mais difícil, sobretudo para técnicos especializados." 

A empresa tem uma unidade em Portimão dedicada aos cuidados continuados, que vai agora expandir-se para o mercado privado, passando de 70 para as 120 camas. 

Apesar das dificuldades, o adminstrador do grupo espera continuar a crescer em Portugal. "Em 2024 vamos faturar cerca 25 milhões de euros e em 2026 quase 60 milhões de euros. Nascemos do zero, comprámos uma unidade em 2018, fizemos este percurso em cinco anos e tal, e vamos continuar nesse rumo".

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt