E depois de Flordelis?

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O Caso Flordelis começou local em junho de 2019 – “marido de deputada morto num assalto em Nitéroi, Rio de Janeiro” – tornou-se nacional dias depois – “deputada federal suspeita de participar na morte do marido” - e ganhou contornos internacionais nas últimas semanas – “deputada brasileira acusada de matar marido com ajuda de sete dos 53 filhos”.

A história dava um filme, que no caso seria sequela, porque Flordelis já fora a personagem de de uma fita de 2009 com direito a participações de estrelas como Reynaldo Gianecchini, Debora Secco, Letícia Sabatella, Cauã Reymond, Bruna Marquezine, Letícia Spiller e Marcello Antony, no papel do marido Anderson do Carmo.

Em “Flordelis, Basta Uma Palavra Para Mudar”, o nome da obra, que estava mais para hagiografia do que para filme, era relatada a adopção de cerca de meia centena de crianças carentes pela pastora evangélica e cantora gospel. A eventual sequela, talvez um soft porn de terror, poderia chamar-se “Flordelis, Bastam 30 Tiros Para Matar”.

A polícia descobriu uma organização criminosa familiar, liderada pela mãe, que tentou envenenar com arsénico pelo menos cinco vezes Anderson do Carmo, também pastor e espécie de CEO da Comunidade Evangélica Ministério Flordelis, no bairro do Rocha, zona norte do Rio de Janeiro.

A sua atuação como CEO não estava a agradar Flordelis, contam os investigadores. Carmo concentrava o poder político da família, aumentado com a eleição dela como deputada mais votada do Rio para a Câmara dos Deputados, e também o poder financeiro, alimentado por milhares de crédulos fiéis.

O descontentamento com o papel do marido poderia levar Flordelis a divorciar-se, pensarão os leitores mais sensatos. Mas não. Conforme mensagem da pastora a um dos filhos envolvidos no homicídio, “separar não posso, ia escandalizar o nome de Deus”. Seguindo a lógica tragicómica fundamentalista, Flordelis matou-o. E ficou em paz com a sua consciência cristã.

Falhados os envenenamentos, a deputada pôs toda a gente para trabalhar na solução final: uma filha buscou na internet “matadores de aluguel”, outro filho, ligado ao tráfico de drogas, conseguiu obter a arma e um terceiro disparou uma, duas, dez, trinta vezes, para se certificar da morte do padrasto.

Antes de ser padrasto, Anderson do Carmo fora irmão dos seus assassinos: ele pertencia ao grupo de meia centena de filhos adotivos de Flordelis e namorara até uma delas antes de a trocar pela mãe. Segundo a polícia, Flordelis e Anderson, entretanto, mantinham relações sexuais com parte da prole.

Diz a investigação que horas antes do crime, o casal estivera num clube de swing no centro do Rio, onde eram habitués. Uma testemunha revelou ainda que num encontro com pastores evangélicos internacionais, Flordelis ofereceu uma das filhas como presente sexual a um reverendo.

O PSD, partido fundado em 2011, já suspendeu a sua deputada. A Bancada da Bíblia, como é conhecido o grupo suprapartidário de parlamentares maioritariamente evangélico, também. A Câmara dos Deputados, por sua vez, espera ainda reunião da comissão que avalia esses casos para a expulsar. Até lá, ela, ao contrário dos filhos envolvidos e de outros cúmplices, ainda está em liberdade por gozar de imunidade parlamentar.

Caso seja expulsa, entra no seu lugar o primeiro suplente do PSD, o radialista Pedro Augusto. O “Romeiro de Aparecida”, assim chamado por ser um fervoroso devoto de Nossa Senhora da Aparecida, a padroeira do Brasil, terá sido um dos beneficiários do esquema de desvio de salários de assessores que também atingiu Flávio Bolsonaro, primogénito do presidente.

Na última segunda-feira, aproveitou o espaço radiofónico para contar um episódio de zoofilia. “Fui seduzido quando era moleque por uma galinha. A galinha olhou para mim, eu olhei para ela. A galinha deu uma piscadinha para mim e fez cocoricó”, contou. “Por sorte”, prosseguiu, o pai chegou. “Me deu uma coça e salvou a galinha”. Já o Brasil ninguém salva.

Jornalista, em São Paulo

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