É proibido ser feliz?

“Amor é um fogo que arde sem se ver”, diz o miúdo a olhar para o espelho, sem perceber bem o que significa a frase, mas sabendo que ela é bonita.
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Vemos o miúdo a passar os dias a decorar esse improvável poema de Camões (improvável no sentido de estarmos a falar de um spot publicitário brasileiro da perfumaria O Boticário, a festejar o Natal, há uns bons anos).

O miúdo ensaia o texto para depois declamar para uma rapariga pela qual está apaixonado. Ao fazer isto, descobre que ela não percebe nada de poesia. Não importa, o amor é assim mesmo. Ele dá o seu perfume de presente e a história tem o seu final feliz.

https://www.youtube.com/watch?v=ON7Lqn9TL-E

Feliz. Esta é a palavra. Feliz. Este é o tema. Felizes são os anúncios de Natal. E por que não deveriam ser? É proibido ser feliz? Nem que seja só até ao dia 26?

Vale para os anúncios natalícios o que o poeta disse sobre certas missivas: “Todas as cartas de amor são ridículas”. Se não fossem ridículas, não seriam cartas de amor. Se não fossem felizes, não seriam anúncios de natal.

Portugal não tem grande tradição nesta área. Ou melhor, pelo que percebo, tinha e se perdeu. Amigos da minha idade falam com os olhos mareados de saudade do anúncio do chocolate Fantasias de Natal (percebo também um certo fascínio sobre a miúda que estrelava o anúncio, a loirinha que falava de um palhaço ia para o circo; parece que naquela época era normal uma criança ser sex symbol).

https://www.youtube.com/watch?v=EC7BdDptvxE

Em muitos países, a quadra serve como desculpa para a veiculação de anúncios grandes em todos os sentidos. São anúncios que apelam ao nosso coração, que tentam limpar a imagem das marcas, explicando que, além de vender, elas também são lideradas por pessoas que gostam de pessoas.

Depois do Natal, o ano que começa cheio de promessas logo cai na rotina e aí já não somos todos bons, já não abraçamos e beijamos semidesconhecidos, nem desejamos o melhor para todos.

É uma pena que seja assim, que os anúncios felizes só tenham lugar nesta época. Recordo um texto de Drummond que falava sobre a beleza que seria um mundo futuro, uma distopia onde seria decretado que o Natal fosse o ano inteiro: “Todo mundo se rirá do dinheiro e das arcas que o guardavam, e que passarão a depósito de doces para visitas.

Haverá dois jardins para cada habitante, um exterior, outro interior, comunicando-se por um atalho invisível.

A morte não será procurada nem esquivada, e o homem compreenderá a existência da noite, como já compreendera a da manhã.

O mundo será administrado exclusivamente pelas crianças, e elas farão o que bem entenderem das restantes instituições caducas, a Universidade inclusive.

E será Natal para sempre”.

Ou como diria o meu Tio Olavo: “Quem vive de passado é museu, quem vive de futuro é vidente e quem vive de presente é o Pai Natal”.

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