Quando comecei a Hamlet, numa época em que pouca gente falava do marketing e da comunicação B2B em Portugal, publiquei no site da empresa uma reflexão que na altura achei genial.
Escrevi que a comunicação business-no-business, que era a nossa especialidade, na verdade não existe. Uma empresa não pode comunicar com outra empresa, simplesmente porque as empresas não comunicam. Aliás, as empresas não fazem nada. Quem faz alguma coisa - incluindo comunicar - são as pessoas dentro das empresas.
Já então não era uma reflexão nova, embora fosse nova para mim. Hoje, tornou-se quase um cliché: não há quem fale do business-to-business sem repetir que o que está em causa nas vendas, no marketing ou na comunicação entre empresas é sempre uma relação entre pessoas. Comunicação B2B é, antes de tudo, comunicação H2H: de humanos para humanos.
Não simpatizo muito com clichés, mas às vezes tenho de reconhecer que, se existem, é por alguma razão. Neste caso, provavelmente, é porque a mensagem ainda não passou. Demasiadas empresas continuam a comunicar como se não houvesse pessoas lá dentro, nem na outra ponta da linha.
Por outro lado, insistir no cliché não basta. Quando digo que muita da comunicação B2B não parece feita por e para humanos, o que quero dizer exatamente?
Para tornar a resposta mais clara, fiz uma experiência. Aproveitando o hype em torno da inteligência artificial, fui ao chat GPT e pedi-lhe para escrever o texto da página Quem Somos de um site de empresa. Não expliquei que empresa era, nem de que setor, e a máquina também não quis saber: em segundos, debitou o que eu lhe pedira.
Em seguida fui à internet, procurei a página "Quem Somos" de uma empresa qualquer e copiei o texto - presumivelmente escrito por uma pessoa. E agora tenho um desafio para si. Dos dois textos abaixo, qual deles é o da máquina, e qual o do humano?
Texto 1: "A XX tem como objetivo apresentar produtos inovadores e que se diferenciem pela qualidade. Somos uma empresa que propõe um serviço completo, com total compromisso de qualidade.
Acreditamos que a única forma das empresas se diferenciarem dos seus concorrentes passa por apostar na qualidade, produtividade e satisfação dos clientes, tornando-se mais eficientes no caminho da liderança.
A nossa experiência profissional permite-nos prestar os serviços com o rigor desejado pelos nossos clientes, indo ao encontro dos seus objetivos".
Texto 2: "Somos uma empresa que se dedica a ajudar os nossos clientes a tirar o máximo proveito das oportunidades disponíveis para melhorar os seus negócios. Com mais de XX anos de experiência, a nossa equipa de especialistas trabalha com empresas de todos os tamanhos e setores, oferecendo soluções personalizadas e inovadoras.
O nosso objetivo é ser um parceiro confiável e proativo. Por isso, trabalhamos de perto com os nossos clientes, conhecendo as suas necessidades e desafios, para propor soluções à medida que atendam aos seus objetivos".
E a resposta é... não interessa. Porque, como deve ter constatado, os dois são equivalentes - e igualmente maus.
Ambos podiam ter sido escritos por máquinas. E, num certo sentido, ambos foram. Uma das máquinas percorreu em segundos a internet, reuniu os clichés que encontrou e escreveu um texto igual ao de milhares de concorrentes. Já a outra - um ser humano a agir como um robô, só que bem mais devagar - fez a mesma coisa.
Desta experiência tirei duas conclusões. A primeira: as máquinas podem ser incríveis a imitar um humano. A outra é que alguns humanos - especialmente na comunicação entre empresas - têm andado a imitar as máquinas. A comunicar de forma automática. Mecânica. Chata.
O problema desse tipo de comunicação é que do outro lado da linha não há máquinas. Há seres humanos - que, como as máquinas, no entanto, também vêm equipados com alguns automatismos. Um deles é o que nos faz desligar quando vemos comunicação que é mais do mesmo: repetitiva e cheia de clichés. Inversamente, o que "liga" os humanos é a surpresa. A emoção. A diferença. Ingredientes que faltam, tantas vezes, na comunicação B2B.
Tornar essa comunicação, efetivamente, "Human to Human", implica dotá-la de algumas capacidades que as máquinas, mesmo as mais espertas, ainda não têm.
Máquinas, como sabemos, são ótimas a executar depressa ações mecânicas que nós, humanos, só conseguimos fazer devagar. Compilar dados, por exemplo. É o que faz a inteligência artificial ser capaz de prever, com base num histórico, como uma audiência reagirá a algum tipo de comunicação.
É algo muito útil, mas tem um problema: em muitas situações estes dados não estarão disponíveis. Nessas alturas, nós, humanos, continuamos a ter uma vantagem sobre a máquina. Nascemos equipados com um sensor, por ora só nosso, que permite antecipar instantaneamente as reações dos nossos semelhantes com base nas nossas próprias reações. Chama-se empatia. E é essencial para a comunicação, seja com consumidores, seja com "empresas".
Outro privilégio da nossa espécie é a capacidade de avaliar a relevância e o sentido das coisas. Posso pedir ao Chat GPT para redigir um "Quem Somos". Mas definir de facto quem somos nós, os seres humanos dessa empresa, e quem queremos ser, nisso a tecnologia não pode ajudar. É por isso que os dois textos que citei são tão iguais, e tão vazios: em nenhum deles houve um humano a usar a sua empatia para pensar, antes, o que deveriam dizer.
Por fim, se só nós podemos perceber o sentido das coisas, também só nós o podemos mudar. Pegar num produto, num serviço, na oferta de uma empresa, e dar-lhe um novo sentido, que altere a perceção e, com ela, a resposta de quem está do outro lado.
Se a tecnologia é fantástica para tudo o que pode ser automatizado, o principal papel da comunicação de marketing é precisamente o contrário: desautomatizar. Descondicionar formas de ver, de pensar, sentir e agir. Seja B2B ou B2C, se a comunicação se quer de humanos para humanos, esta tem de ser a sua ambição.
Jayme Kopke é diretor-geral e criativo da Hamlet