
O peixe é rei, em Matosinhos, mas, por estes dias, a economia do mar ganha nova atenção com o Out of Blue, evento que pretende discutir o futuro da alimentação a partir do mar, mas também do turismo e da economia azul como um todo. É sabido que, a nível nacional, esta é uma fileira que representa 5% do produto interno bruto (PIB) nacional. A quantificação em Matosinhos é mais difícil, mas é sabido que 8% da população ativa do concelho se dedica ao mar, de alguma forma, e que o porto de Matosinhos é um dos três maiores do país, tendo contribuído, em 2023, com 30 milhões dos 250 milhões de euros gerados pela venda de pescado nas lotas nacionais. Já o porto de Leixões é responsável por 25% do comércio internacional português.
Sob o mote “a resposta está no Oceano”, o Out of the Blue “procura destacar a importância dos recursos marítimos para as próximas décadas, enquanto fonte de alimento, mas também de lazer”, explica Carlos Martins, responsável da Opium, a entidade que organiza o evento, com o apoio do Turismo de Portugal e em parceria com a Câmara Municipal de Matosinhos. O objetivo é que este seja um espaço de partilha e experimentação para residentes e locais, tendo o oceano como ponto de ligação.
Esta é a primeira edição de um evento que pretende repetir-se a cada ano, com uma programação diversificada, que tem o Mercado de Matosinhos como ponto de partida e onde decorrem atividades educativas para escolas e famílias, com degustações com produtos locais, showcookings, e workshops variados, tudo com entrada livre. É também no mercado que decorrem conversas que trazem especialistas à discussão de temas como a alimentação com base em peixe ou em plantas marítimas, o passado e futuro da gastronomia do mar, o papel das mulheres nos sistemas alimentares locais e ainda os desafios atuais das cidades.
Rafael Tonon, jornalista especialista em gastronomia, teve a seu cargo a curadoria do evento e desenhou-o tendo em conta as questões da sustentabilidade. “Li em tempo o livro Eloquência da Sardinha, do oceanógrafo francês Bill François, que diz que sabemos mais da superfície de Marte do que sobre o fundo do mar. E essa afirmação ficou-me na cabeça. Quando me falaram do Out of Blue recuperei esta ideia e é desta premissa que partimos. A alimentação, como a conhecemos, com os métodos pouco sustentáveis de agricultura e pecuária que hoje usamos, não pode continuar e há muitos pesquisadores que acreditam que a solução está no mar”, explica este responsável.
E os recursos marítimos suportam-no? “O ser humano come uma dúzia de espécies de peixes e mariscos em todo o mundo, mas há uma infinidade de outras para que podemos olhar. E não só. Os especialistas acreditam que há alimentos que o mar nos pode dar e que ainda nem se conhecem. Veja-se o caso de um chef espanhol [Ángel León] que trabalhou com a Universidade de Cádiz na avaliação de um grão marinho a que já se chama ‘arroz do mar’”, acrescenta.
E, por isso, do programa constam momentos como o “Menu de matriz vegetariana com enfoque em algas”criado pelo chef Nuno Castro, ou o showcooking de Joana Duarte dedicado às algas. Mas há também visitas guiadas por espaços da cidade ligados ao mar, como a lota de Matosinhos, o Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR), ou à conserveira Pinhais, uma das quatro que existem no município. A indústria conserveira é um dos pilares do desenvolvimento da cidade na sua ligação ao mar e, embora tenha passado por tempos difíceis, é um setor que está hoje na moda. E que atraiu, em 2023, cerca de 20 mil visitantes ao concelho, mais 20% do que no ano anterior.
A Docapesca é um dos parceiros do evento, ou não fosse o porto de Matosinhos um dos três mais importantes a nível nacional, numa “disputa saudável” com os portos de Peniche e Sesimbra. Das 110 mil toneladas de pescado transacionadas nas lotas portuguesas em 2023, e que geraram um valor global de 250 milhões de euros, Matosinhos contribuiu com 30 milhões de euros.
Sérgio Faias, presidente do conselho de administração da Docapesca, não tem dúvidas que a indústria conserveira instalada no concelho tem ajudado ao desenvolvimento da pesca na região e a escoar muito do pescado que é capturado e descarregado no porto matosinhense.
Enquanto entidade responsável pela gestão dos portos de pesca, entre outras atividades, a Docapesca assegura o registo de todo o pescado fresco e selvagem que é descarregado nos portos nacionais. Promove ainda a ‘primeira venda de pescado’ em leilão, nas diversas lotas, ajudando à valorização do produto.
Os dados que recolhe mostram-se vitais para a definição das políticas de gestão dos recursos. A sardinha, por exemplo, o peixe mais procurado pela indústria conserveira, passou anos difíceis.”A espécie não estava nas melhores condições e foi preciso um grande esforço dos nossos armadores para não a capturarem durante algum tempo e permitirem que a espécie recuperasse”, admite. O que foi conseguido e, por isso, este ano, foram já descarregadas mais de nove mil toneladas de sardinha no porto de Matosinhos, o que compara com as 5.800 toneladas de todo o ano de 2023.
E não tem dúvidas do potencial de desenvolvimento futuro da fileira. "Há um grande potencial de crescimento porque, felizmente, temos espécies como o carapau em que as nossas capturas estão muito abaixo daquilo que seriam os limites da sustentabilidade, portanto, temos ainda grande margem para pescar mais. E estamos a falar de espécies com um grande valor nutritivo que temos e trazer para a mesa dosportuguesasde diferentes formas, seja fresco, transformado, congelado ou em conservas", diz, lembrando que este é um trabalho que tem vindo a ser feito pela indústria em colaboração com entidades de investigação, procurando identificar novos produtos, novas formas de os confecionar e conservar, de modo a que o pescado não perca propriedades e chegue à mesa do consumidor com o melhor de si.
Já a vereadora Marta Pontes destaca a presença de diversos centros de investigação no município. "Temos vindo a trabalhar de forma próxima com o CIIMAR (Centro Interdisciplinar de Investigação Marianha e Ambiental), que tem tido um crescimento ímpar no número de investigadores que dedicam ao estudo dos oceanos e das ciências do mar e que, estando instalado no Terminal de Cruzeiros, se vai agora expandir para outras áreas da cidade. Temos também o CEIIA, que se dedica também ao estudo das questões da engenharia do mar, e temos a Universidadedo Porto, com as incubadoras do mar, que se situam também aqui em Matosinhos. E temos já projetos que serão implementados até 2026,como o Hub Azul de Leixões, una iniciativa liderada pelo Inesc-Tec e pelo Fórum do Mar e que pretende construir um grande pólo de conhecimento e inovação na área portuária do concelho", diz.
Marta Pontes lembra ainda que está sob decisão da tutela a intenção do muncípio de instalar nos terrenos da antiga refinaria da Petrogal, em Leça da Palmeira, o centro Internacional de Biotecnologia Azul. Já o plano estratégico criado em 2018 no âmbito do Conselho Consultivo da Economia Azul está em atualização, com novos projetos em pipeline.