E se o futuro da alimentação estiver no mar? Matosinhos acredita que sim

Sustentabilidade. Cidade é palco do Out of Blue que pretende debater a importância dos recursos marinhos na gastronomia e turismo. Como exemplo, as conserveiras atraíram 20 mil visitantes e receberam grande parte dos 30 milhões de euros de pescado vendido na lota local.
Só este ano já foram descarregadas mais de nove mil toneladas de sardinha no porto de Matosinhos
Só este ano já foram descarregadas mais de nove mil toneladas de sardinha no porto de MatosinhosPedro Granadeiro / Global Imagens
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O peixe é rei, em Matosinhos, mas, por estes dias, a economia do mar ganha nova atenção com o Out of Blue, evento que pretende discutir o futuro da alimentação a partir do mar, mas também do turismo e da economia azul como um todo. É sabido que, a nível nacional, esta é uma fileira que representa 5% do produto interno bruto (PIB)  nacional. A quantificação em Matosinhos é mais difícil, mas é sabido que 8% da população ativa do concelho se dedica ao mar, de alguma forma, e que o porto de Matosinhos é um dos três maiores do país, tendo contribuído, em 2023, com 30 milhões dos 250 milhões de euros gerados pela venda de pescado nas lotas nacionais. Já o porto de Leixões é responsável por 25% do comércio internacional português.

Sob o mote “a resposta está no Oceano”, o Out of the Blue “procura destacar a importância dos recursos marítimos para as próximas décadas, enquanto fonte de alimento, mas também de lazer”, explica Carlos Martins, responsável da Opium, a entidade que organiza o evento, com o apoio do Turismo de Portugal e em parceria com a Câmara Municipal de Matosinhos. O objetivo é que este seja um espaço de partilha e experimentação para residentes e locais, tendo o oceano como ponto de ligação.

Esta é a primeira edição de um evento que pretende repetir-se a cada ano, com uma programação diversificada, que tem o Mercado de Matosinhos como ponto de partida e onde decorrem atividades educativas para escolas e famílias, com degustações com produtos locais, showcookings, e workshops variados, tudo com entrada livre. É também no mercado que decorrem conversas que trazem especialistas à discussão de temas como a alimentação com base em peixe ou em plantas marítimas, o passado e futuro da gastronomia do mar, o papel das mulheres nos sistemas alimentares locais e ainda os desafios atuais das cidades. 

Rafael Tonon, jornalista especialista em gastronomia, teve a seu cargo a curadoria do evento e desenhou-o tendo em conta as questões da sustentabilidade. “Li em tempo o livro Eloquência da Sardinha, do oceanógrafo francês Bill François, que diz que sabemos mais da superfície de Marte do que sobre o fundo do mar. E essa afirmação ficou-me na cabeça. Quando me falaram do Out of Blue recuperei esta ideia e é desta premissa que partimos. A alimentação, como a conhecemos, com os métodos pouco sustentáveis de agricultura e pecuária que hoje usamos, não pode continuar e há muitos pesquisadores que acreditam que a solução está no mar”, explica este responsável. 

E os recursos marítimos suportam-no? “O ser humano come uma dúzia de espécies de peixes e mariscos em todo o mundo, mas há uma infinidade de outras para que podemos olhar. E não só. Os especialistas acreditam que há alimentos que o mar nos pode dar e que ainda nem se conhecem. Veja-se o caso de um chef espanhol [Ángel León] que trabalhou com a Universidade de Cádiz na avaliação de um grão marinho a que já se chama ‘arroz do mar’”, acrescenta. 

E, por isso, do programa constam momentos como o “Menu de matriz vegetariana com enfoque em algas”criado pelo chef Nuno Castro, ou o showcooking de Joana Duarte dedicado às algas. Mas há também visitas guiadas por espaços da cidade ligados ao mar, como a lota de Matosinhos, o Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR), ou à conserveira Pinhais, uma das quatro que existem no município. A indústria conserveira é um dos pilares do desenvolvimento da cidade na sua ligação ao mar e, embora tenha passado por tempos difíceis, é um setor que está hoje na moda. E que atraiu, em 2023, cerca de 20 mil visitantes ao concelho, mais 20% do que no ano anterior.

A Docapesca é um dos parceiros do evento, ou não fosse o porto de Matosinhos um dos três mais importantes a nível nacional, numa “disputa saudável” com os portos de Peniche e Sesimbra. Das 110 mil toneladas de pescado transacionadas nas lotas portuguesas em 2023, e que geraram um valor global de 250 milhões de euros, Matosinhos contribuiu com 30 milhões de euros.

Sérgio Faias, presidente do conselho de administração da Docapesca, não tem dúvidas que a indústria conserveira instalada no concelho tem ajudado ao desenvolvimento da pesca na região e a escoar muito do pescado que é capturado e descarregado no porto matosinhense. 

Enquanto entidade responsável pela gestão dos portos de pesca, entre outras atividades, a Docapesca assegura o registo de todo o pescado fresco e selvagem que é descarregado nos portos nacionais. Promove ainda a ‘primeira venda de pescado’ em leilão, nas diversas lotas, ajudando à valorização do produto.

Os dados que recolhe mostram-se vitais para a definição das políticas de gestão dos recursos. A sardinha, por exemplo, o peixe mais procurado pela indústria conserveira, passou anos difíceis.”A espécie não estava nas melhores condições e foi preciso um grande esforço dos nossos armadores para não a capturarem durante algum tempo e permitirem que a espécie recuperasse”, admite. O que foi conseguido e, por isso, este ano, foram já descarregadas mais de nove mil toneladas de sardinha no porto de Matosinhos, o que compara com as 5.800 toneladas de todo o ano de 2023.

E não tem dúvidas do potencial de desenvolvimento futuro da fileira. "Há um grande potencial de crescimento porque, felizmente, temos espécies como o carapau em que as nossas capturas estão muito abaixo daquilo que seriam os limites da sustentabilidade, portanto, temos ainda grande margem para pescar mais. E estamos a falar de espécies com um grande valor nutritivo que temos e trazer para a mesa dosportuguesasde diferentes formas, seja fresco, transformado, congelado ou em conservas", diz, lembrando que este é um trabalho que tem vindo a ser feito pela indústria em colaboração com entidades de investigação, procurando identificar novos produtos, novas formas de os confecionar e conservar, de modo a que o pescado não perca propriedades e chegue à mesa do consumidor com o melhor de si.

Já a vereadora Marta Pontes destaca a presença de diversos centros de investigação no município. "Temos vindo a trabalhar de forma próxima com o CIIMAR (Centro Interdisciplinar de Investigação Marianha e Ambiental), que tem tido um crescimento ímpar no número de investigadores que dedicam ao estudo dos oceanos e das ciências do mar e que, estando instalado no Terminal de Cruzeiros, se vai agora expandir para outras áreas da cidade. Temos também o CEIIA, que se dedica também ao estudo das questões da engenharia do mar, e temos a Universidadedo Porto, com as incubadoras do mar, que se situam também aqui em Matosinhos. E temos já projetos que serão implementados até 2026,como o Hub Azul de Leixões, una iniciativa liderada pelo Inesc-Tec e pelo Fórum do Mar e que pretende construir um grande pólo de conhecimento e inovação na área portuária do concelho", diz. 

Marta Pontes lembra ainda que está sob decisão da tutela a intenção do muncípio de instalar nos terrenos da antiga refinaria da Petrogal, em Leça da Palmeira, o centro Internacional de Biotecnologia Azul. Já o plano estratégico criado em 2018 no âmbito do Conselho Consultivo da Economia Azul está em atualização, com novos projetos em pipeline.

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