E se todos nos ajudássemos a ajudar?

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Quando ontem de manhã comecei a pensar no tema deste editorial, achei que tinha de refletir sobre a conversa que tive com a presidente da Fundação Santander, Inês Oom de Sousa - e que pode ler já nas próximas páginas. Uma das coisas que a responsável desta instituição diz é que há em Portugal muita vontade de ajudar, desde os particulares às empresas, uma certeza que foi firmando ao longo dos anos, graças ao trabalho que têm empreendido junto de escolas, outras fundações, autarquias, sociedade civil e, naturalmente, empresas privadas.

Em Portugal, o mecenato proativo não é algo que seja muito normal. Creio que não está na nossa cultura, algo que se prenderá também com o facto de termos um regime de Estado Social que acaba por suprir grande parte das necessidades da comunidade. No entanto, se olharmos para o outro lado do Atlântico, para os EUA, encontramos o mecenato como algo profundamente enraizado na cultura. A curiosidade aqui é que, quando vi assomar à janela o novo Sumo Pontífice, achei graça à coincidência de a minha reflexão inicial me ter remetido para o país de origem de Leão XIV. E de o próprio momento nos remeter para esta cultura da dádiva gratuita - afinal, que outra instituição mundial move tanto dinheiro quanto a Igreja Católica?

As questões que rodeiam a fortuna do Vaticano são antigas e complexas. Mas não são, ao contrário do que muitos querem fazer crer, passíveis de se simplificar - “o Vaticano devia dar tudo aos pobres”.

Olhemos para Portugal, para ser mais fácil perceber onde chega o dinheiro da Igreja Católica - que, estamos todos de acordo, devia chegar a muitos mais. A Concordata permite à Igreja uma série de benefícios, mas não é apenas porque isso é útil à Igreja. Na verdade, o Estado português não se importa de ceder alguns benefícios fiscais à Igreja, porque é ela quem lhe resolve vários problemas, também. Nomeadamente ao nível dos apoios aos mais vulneráveis: cantinas sociais, creches ligadas a Centros Sociais e Paroquiais que servem populações mais carenciadas, lares de idosos ou centros de dia que pertencem a paróquias, habitação social, grupos vários que apoiam de forma constante doentes, idosos que vivem em situação de abandono ou famílias... enfim.

Não são poucos os trabalhos da Igreja -e o que ela faz de bem não apaga tudo o que faz de menos bem. Ninguém esquece, nem pode esquecer, que dentro da igreja há quem tenha cometido crimes de várias naturezas, e nenhum deles deve passar impune.

Mas o que importa lembrar, sobretudo no dia seguinte à eleição do novo chefe da Igreja Católica, é que esta é feita de humanos. Pessoas. Que, como todas as pessoas, simples leigas, crentes ou não crentes, estão fadadas ao falhanço. Porque a nossa humanidade tem esse problema dramático: faz-nos falhar muito mais vezes do que acertar.

Não é por acaso que a escolha de um novo papa é acompanhada no mundo inteiro por praticamente todas as pessoas: também ele é um chefe de Estado e, neste momento concreto, pode ser figura decisiva em muitos momentos de tensão que se adivinham. É claro que os mercados não reagiram à eleição, mas as pessoas que integram os governos, as empresas e as famílias do mundo, sim. E isso vai ter um impacto na economia, porque é assim que funciona: há quem tenha ficado feliz, há quem tenha olhado para o momento como um sinal de esperança, há quem olhe com expectativa para ver como o papa americano vai enfrentar o presidente norte-americano com cujas ideias não concorda; há quem olhe com indiferença e há quem não olhe de todo. E cada um, enquanto cidadão e consumidor, vai agir em conformidade com esse sentimento.

Não tenho a certeza se a vinda de um novo papa tem algum impacto na nossa vontade de ajudar o outro - Inês Oom de Sousa acredita num efeito dominó, na sociedade, quando começamos a ajudar-nos mutuamente. Seja por pressão, seja porque queremos seguir o exemplo, seja porque entendemos a importância do mecenato.

Também não tenho a certeza sobre que impacto vai ter este papa na economia, a curto ou a médio prazos.

Mas a certeza que tenho, e que gostava de partilhar convosco hoje, é de que as mudanças nas lideranças, sobretudo com esta dimensão mundial, têm impacto - como aliás, tem sido claro pelos últimos meses.

Por isso, em tempos de incerteza, gosto de me agarrar ao que é certo: a eleição de um novo papa une, num raro momento, o mundo todo, que fica de olho na janela de uma capital europeia à espera de um sinal de esperança. Se pensarmos à nossa escala, parece-me então óbvio que, se quisermos muito, também em Portugal nos conseguiremos unir em torno do objetivo comum de tornar o país em que vivemos num lugar muito mais igual para todos. Afinal, também nós temos uma varanda para onde olhar em breve, com esperança.

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