Economia abranda e resiste, mas Orçamento terá de vir com “travão”

Estado da Nação económica. País vai mais ou menos bem, embora precise de ser acompanhado, pois prevê-se um caminho acidentado no que falta de 2024 e em 2025. No Orçamento, o lema do governo e das Finanças é usar o travão previsto na Constituição e depois cumprir à risca o novo Pacto de Estabilidade no ano que vem.
Da esquerda para a direita: Joaquim Miranda Sarmento, Luís Montenegro, António Leitão Amaro. Fotografia: PAULO SPRANGER / Global Imagens
Da esquerda para a direita: Joaquim Miranda Sarmento, Luís Montenegro, António Leitão Amaro. Fotografia: PAULO SPRANGER / Global ImagensPAULO SPRANGER/Global Imagens
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Como está a economia portuguesa, após mais de 100 dias de governação PSD-CDS e alguns contributos 'indesejados' do PS e da oposição para o Orçamento de Estado?

A economia vai mais ou menos bem, embora precise de ser acompanhada num percurso que se prevê acidentado no que falta de 2024 e em 2025, consideram vários analistas.

Melhor porque o mercado de trabalho se tem aguentado, amparado pelo turismo e o despertar das obras públicas.

Pior porque o País continua muito vulnerável a prazo por causa da dívida privada e pública, porque depende demasiado do turismo, porque ainda é pouco produtivo e moderno.

Quanto ao Orçamento, o lema agora é usar o “travão” como exige a Constituição e cumprir à risca o novo Pacto de Estabilidade europeu em 2025 (para continuar a ser o "bom aluno" das "contas certas"), e de preferência só com medidas da iniciativa do governo de maioria relativa do PSD-CDS ou, no limite, algumas medidas da oposição que caibam na caixa orçamental idealizada pela direita que hoje governa.

Será esse o repto do primeiro-ministro, Luís Montenegro, e do ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, no debate de hoje do Estado da Nação, que vão voltar a culpar o PS de "irresponsabilidades", como o diploma que alivia o IRS.

A economia

De acordo com analistas e os indicadores mais recentes, a economia está a seguir o compasso dos principais parceiros (da Zona Euro, sobretudo), que estão a sentir o peso da crise ao ponto de alguns já terem entrado em recessão (como a Gigante Alemanha, em 2023) e de a Zona Euro continuar quase estagnada (cresceu 0,4% no primeiro trimestre).

Portugal tem vindo a abrandar, é um facto, mas menos do que muitos desses parceiros importantes da Zona Euro. Tem surpreendido pela positiva. Cresceu 1,5% em termos reais e homólogos no arranque deste ano, embora o indicador coincidente de atividade do Banco de Portugal aponte para uma descida até maio.

Assim é porque há dificuldades, claro, como as que se têm sentido no setor industrial, no investimento empresarial e nas exportações de mercadorias, por exemplo.

O consumo privado também está bem mais moderado por causa do aumento do custo de vida e dos juros.

A construção, que costuma ditar o passo da economia como um todo e é um indicador avançado do que se pode esperar daqui a uns meses, até tem resistido, há muitas obras públicas a serem lançadas, agora que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e o pacote clássico de fundos europeus parecem ter descolado, finalmente.

Seja como for, os economistas pedem cautela: há sinais de abrandamento, na mesma, o que ajuda a encarecer ainda mais mercados como a crucial habitação, direito fundamental. Fala-se numa "escassez de oferta de habitações" estrutural, quadro onde as exceções (expansão) são apenas "muito modestas".

Já o turismo, sobretudo o estrangeiro, parece imparável. Este tem mantido as exportações totais a andar, garantido ao mesmo tempo empregos e níveis salariais relativamente contidos (baixos) e "competitivos", puxando por outros serviços de apoio empresariais, o mercado imobiliário tem acompanhado bastante, apesar de alguns solavancos, já com sinais de saturação e de preços elevadíssimos no centro das maiores cidades.

O emprego continua a resistir e em máximos históricos, a taxa de desemprego até pode aumentar, mas muito ligeiramente, até ao final deste ano.

Mas, uma vez mais, há o lado meio vazio da questão, claro. O ambiente externo é altamente e cada vez mais incerto, as guerras (Gaza, Ucrânia, etc.) continuam cada vez mais sangrentas e sem fim à vista, a energia está outra vez mais cara, os bancos centrais (veja-se o caso do BCE - Banco Central Europeu) estão novamente hesitantes na continuidade da descida das taxas de juro que empresas (sobretudo as mais pequenas) e famílias mais endividadas há tanto reclamam.

Em Portugal, o elevado custo dos empréstimos vai corroendo a despesa possível. Segundo cálculos do DN/Dinheiro Vivo a partir de dados do banco central, a prestação média bancária (habitação) subiu de 282 euros por mês no início de 2022 (antes de o BCE começar a subir taxas) para 424 euros em maio. É um agravamento superior a 50%.

Como referido, as famílias estão mais contidas a consumir (agregado da procura interna que vale cerca de dois terços da economia) uma vez que a maioria delas precisa de manter a guarda e conseguir responder ao agravamento das prestações de crédito, ao ambiente de taxas de juro que até podem aliviar mais, mas num processo que se prevê bem mais lento do que inicialmente se pensou.

Para ter dinheiro para pagar ao banco no final de cada mês, mas não só.

A inflação total mostra sinais de algum arrefecimento, mas no segmento da energia não desarma e os preços voltaram a disparar no arranque deste ano. Ao passo que a inflação geral está a descer passo a passo, cotando nos 2,8% em junho, o cabaz da energia acelerou para uma inflação que supera novamente os 9% também em junho.

No entanto, dizem os peritos, o estado da economia portuguesa não inspira cuidados de maior. Por enquanto.

"As principais notícias relativas a Portugal têm sido favoráveis. Diríamos mesmo que a tendência futura, se tudo o resto não sofrer grandes alterações (importante premissa, dado o contexto político mundial muito complexo que vivemos), será para melhorar, como se pode aferir pelo sentido das revisões de cenários de várias instituições, pela apreciação de agências de ratings, pela retirada de Portugal do Procedimento por Desequilíbrios Macroeconómicos [por parte da Comissão Europeia] e também pela análise de vários indicadores, dos quais destacamos o endividamento do setor empresarial e das famílias, e indicadores de inovação", observa Paula Carvalho, economista-chefe do gabinete de estudos do grupo BPI, no novo boletim económico mensal, publicado esta terça-feira.

Está a referir-se ao desatar do nó do endividamento muito elevado do setor privado. Este tem vindo a baixar gradualmente e, com a perspetiva do BCE continuar a descer juros (mesmo que devagar), o cenário é hoje menos aflitivo do que no passado.

A analista do BPI recorda que o facto de o País estar a corrigir desequilíbrios macro no setor privado é uma peça importante (juntamente com a disciplina orçamental no setor público) para enfrentar crises futuras, que virão.

“Se não forem corrigidos, podem afetar negativamente outras economias e causar ajustamentos fortes em variáveis reais, na atividade e no emprego, com custos sociais importantes", alerta Paula Carvalho.

Para o gabinete de estudos da Universidade Católica Portuguesa (UCP), o crescimento previsto para este ano foi revisto em mais 0,3 pontos percentuais, para 1,8% em 2024, "na sequência do crescimento robusto no primeiro trimestre e previsto para o segundo trimestre do ano".

Segundo o professor da UCP e coordenador do gabinete de previsões NECEP, João Borges de Assunção, "os fatores determinantes continuam a ser as elevadas taxas de juro e a fragilidade da atividade na Zona Euro, em particular na Alemanha e França".

Além disso, recorda que "o investimento recuou no primeiro trimestre e as exportações perderam o fulgor do ano passado, pelo que é difícil que a economia continue a surpreender pela positiva como tem acontecido nos últimos trimestres".

Em cima disto, a sombra da "incerteza política, nomeadamente em França" e "o resultado das eleições americanas de novembro, que poderão ter impacto relevante na gestão da economia mundial. Os riscos geopolíticos mantêm-se elevados, sem fim à vista para os principais conflitos armados".

O Orçamento

Em termos macroeconómicos, é seguro afirmar que, para já, a economia abranda, mas resiste antes de ir de férias.

Nas contas públicas, o ministro Miranda Sarmento diz que é preciso respeitar o travão orçamental que obriga a Constituição e que, supostamente, ajudará o país a respeitar o novo Pacto de Estabilidade, que parece ser mais exigente, sobretudo para Portugal, que embora tenha um histórico recente de “contas certas”, carrega uma dívida pública superior a 90% do PIB, muito acima dos 60% permitidos pelas regras europeias.

Hoje, o governante irá defender isso mesmo, ao mesmo tempo que vai voltar a culpar o PS por rombos na estabilidade da governação financeira da coligação de direita aprovados à la carte, no Parlamento. É a maioria relativa a funcionar.

A norma-travão que Sarmento considera estar a ser violada (espera apenas que o Presidente da República decida o que fazer ao diploma do PS, se envia para fiscalização no Tribunal Constitucional ou não) "consiste num limite à iniciativa legislativa dos deputados, grupos parlamentares e assembleias legislativas das regiões autónomas, proibindo-lhes a apresentação de projetos-lei, propostas de lei ou propostas de alteração a leis que envolvam um desequilíbrio negativo do Orçamento de Estado, através de um aumento das despesas ou diminuição das receitas orçamentadas", diz o governo sobre o estipulado na Constituição da República.

Pelo sim, pelo não, até para circunavegar mais chatices com o PS, o ministro já extraiu do OE 2025 dossiês difíceis e que podem complicar a vida do próximo orçamento.

É o caso da descida valiosa da taxa de IRC (de 21% para 15% no final da legislatura, em 2027, que pode custar, no fim das contas, mais de 1,5 mil milhões de euros aos contribuintes) e do novo regime do IVA de caixa para as empresas, por exemplo.

Seja como for, o governo não se tem feito rogado a avançar com planos (fazem parte das suas promessas eleitorais) que reduzem fortemente a receita (impostos, sobretudo) e vai anunciando medidas de valor orçamental substancial, como reposições salariais em alguns setores grandes da Administração Pública.

Tem feito, pé ante pé, acordos com alguns sindicatos de professores, de forças de segurança. Com os profissionais da Saúde a coisa está mais complicada.

Tudo somado, e apesar dos riscos de derrapagem e da incerteza da própria economia, Miranda Sarmento promete entregar um excedente neste ano e nos próximos, na casa dos 0,2% a 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB).

"Este governo minoritário pode enfrentar obstáculos significativos para legislar ao longo do tempo e necessitar de apoio numa base casuística. A aprovação do OE 2025 constituirá, provavelmente, o primeiro grande teste para o governo da AD”, espera Javier Rouillet, o analista principal que acompanha Portugal na agência de ratings DBRS. "A governabilidade é a principal incerteza" do país, sublinha.

Em todo o caso, antecipa que “o governo deve continuar a seguir uma política orçamental sólida e a reduzir o rácio da dívida pública durante a próxima legislatura, utilizando o espaço orçamental disponível para reduzir impostos”.

Mas vê riscos, muitos deles demasiado concentrados no PRR. "A curto prazo, é um possível atraso na implementação das reformas e investimentos do PRR". "Se o governo não for capaz de aprovar a legislação necessária, isso pode alimentar o cenário de novas eleições no final deste ano, início do próximo", teme o avaliador externo do rating português.

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