O crescimento fulgurante dos primeiros trimestres deste ano não chega para que Portugal se destaque a nível europeu na recuperação face aos efeitos da pandemia.
De acordo com cálculos do Dinheiro Vivo (DV) com base nos indicadores do produto interno bruto (PIB) real (a preços constantes), ontem divulgados pelo Eurostat, o país regista, no segundo trimestre deste ano, o quinto pior desempenho da Europa face ao final de 2019, isto quando já estão apuradas taxas de crescimento de 21 dos 27 países da União Europeia (UE).
Espanha, Eslováquia, República Checa e Alemanha estão no vermelho porque ainda não conseguiram recuperar dos efeitos devastadores da pandemia (por comparação ao nível do PIB existente no último trimestre de 2019), um processo que foi complicado pela guerra da Rússia contra a Ucrânia.
Portugal está 0,9% acima desse nível pré-pandémico (em termos reais, já descontando o efeito da inflação, que é cada vez mais intenso e insufla o tamanho da economia), mas, dos que crescem, é o mais fraco e o incremento (variação no segundo trimestre de 2022 face ao último de 2019) está bastante abaixo das médias europeias e da maioria dos parceiros.
Por exemplo, a UE e a Zona Euro já estão 4% acima da linha que se verificava antes da pandemia. Apesar da guerra, Roménia e Eslovénia lideram nesta retoma, estando, respetivamente, 12% e 10% acima do nível que vigorava antes do aparecimento do Coronavírus.
Depois de um primeiro trimestre vibrante, muito suportado pelo turismo e pela base de comparação pobre que foi o início de 2021 (na fase mais grave da pandemia), a economia portuguesa acabaria por perder gás no período seguinte (abril a junho), mostram os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), ontem republicados pelo Eurostat.
Em cadeia (variação entre primeiro e segundo trimestre), Portugal quebrou 0,2% acompanhado por mais três países apenas (Letónia, Lituânia e Polónia).
Desde que rebentou a guerra contra a Ucrânia que se somam dúvidas e riscos relativamente ao curso e à força da recuperação portuguesa. A inflação disparou, corroendo o poder de compra e a confiança de alguns empresários.
Com a subida histórica dos preços, o Banco Central Europeu (BCE) deu por terminada a era dos juros mínimos (zero), o que, para uma economia endividada como Portugal, levanta problemas.
A dívida, apesar das maturidades serem relativamente longas, é - e vai ser - claramente um travão nos próximos tempos.
A agência de rating Moody's, um dos principais avaliadores da qualidade do crédito nacional, já veio, aliás, fazer reparos a esse nível.
As principais instituições que fazem projeções, como BCE, Comissão Europeia, FMI e OCDE, têm vindo a baixar expectativas quanto ao crescimento da Europa e da Zona Euro.
Portugal, uma economia altamente interligada e dependente da saúde dos seus parceiros comerciais e económicos, não está, portanto, a salvo, nem resguardada. Se a maré do crescimento descer (como parece estar a acontecer), Portugal acompanhará.
No final de julho, o INE revelou que "o Produto Interno Bruto (PIB), em termos reais, registou uma variação homóloga de 6,9% no 2º trimestre de 2022 (11,8% no trimestre anterior)".
O Eurostat mostrou agora que foi a segunda melhor marca em 21 países, a seguir aos 8,3% da Eslovénia.
Mas o instituto também notou que essa "evolução em termos homólogos reflete, em parte, um efeito de base, dado que no 1º trimestre de 2021 estiveram em vigor várias medidas de combate à pandemia que condicionaram a atividade económica".
"O contributo da procura interna para a variação homóloga do PIB diminuiu no 2º trimestre, verificando-se um crescimento menos acentuado do consumo privado e do investimento", ao passo que setores como o turismo continuaram em alta.
Assim, "o contributo positivo da procura externa líquida para a variação homóloga do PIB aumentou, em resultado da aceleração mais acentuada das exportações que das importações".
A aceleração nas exportações teve, segundo o INE, o contributo decisivo das "componentes de serviços", onde caem as atividades turísticas.
Futuro incerto
No entanto, como referido, o futuro é menos certo e auspicioso. Como noticiou o Dinheiro Vivo há apenas duas semanas, a agência Moody"s veio pôr água na fervura.
Os avaliadores externos referem que "o risco de estagflação - crise económica caracterizada por inflação alta permanente, desemprego a subir e recessão ou estagnação da atividade económica durante "vários anos" - é cada vez mais saliente em países como Portugal, Malta, Chipre, Eslovénia e Croácia comparativamente a outros na Europa.
Se esse perigo se materializar, isso será "negativo" para o rating soberano, refere a agência que, recorde-se, foi a primeira a atirar a nota da dívida pública portuguesa para um nível especulativo (ou "lixo"), ajudando a precipitar a bancarrota e o resgate da troika em 2011.
Antes disso, em julho, Mário Centeno, também hasteou a bandeira amarela. O governador do Banco de Portugal disse que a subida das taxas de juro, como está a ser implementada pelo BCE, é "desejável" para arrefecer a inflação, mas há riscos evidentes neste processo, sobretudo para as empresas mais vulneráveis e para o equilíbrio financeiro da banca.
"Um ciclo de aumentos das taxas de juro é desejável, mas acarreta riscos que devem ser mitigados", sublinhou. "Os maiores encargos para os endividados levam a um aumento do risco de crédito, especialmente para as empresas mais vulneráveis."
A contrariar as novas pressões negativas que podem advir desta conjuntura, o governador tem destacado repetidas vezes o papel decisivo que os fundos europeus, designadamente o Plano de Recuperação e Resiliência, devem ter no relançamento da economia portuguesa. Têm é de ser muito bem usados, insistiu o ex-ministro das Finanças.