A corrida pela supremacia da computação quântica está mais acesa do que nunca, com uma série de inovações tecnológicas a remodelar o panorama global. A luta pela liderança não opõe apenas gigantes como a Google e a Microsoft, que anunciaram os seus chips Willow e Majorana 1 nos últimos meses, mas também potências como a China e a União Europeia, que respondem com os seus próprios supercomputadores e planos de regulação. A ameaça iminente à cibersegurança e o potencial de revolução em setores como a medicina e a logística tornam esta competição uma prioridade estratégica, e os últimos desenvolvimentos provam-no.Mas para entender a urgência desta corrida, é preciso voltar aos fundamentos: os computadores clássicos operam com bits binários — zeros (0) e uns (1) —, processando informação sequencialmente. Já os computadores quânticos utilizam qubits que, graças a fenómenos como a superposição e o emaranhamento (entanglement, no termo inglês), podem existir em múltiplos estados ao mesmo tempo. Este comportamento permite-lhes executar cálculos complexos com uma velocidade exponencial.O Ocidente em sprint para a metaA corrida, no entanto, está longe de ser um evento a solo. A resposta ocidental tem sido diversificada e os últimos meses trouxeram uma série de inovações significativas. Ainda neste mês de julho, por exemplo, a Microsoft, em colaboração com a Atom Computing, anunciou a sua primeira implementação operacional de um sistema quântico tolerante a falhas de Nível 2 — ou seja, máquinas capazes de utilizar, através da correção de erros, “qubits lógicos”, capazes de resolver problemas avançados, que são um passo crucial em direção a máquinas quânticas verdadeiramente úteis e comerciais.Noutras frentes, a inovação não se limita aos grandes nomes. A Universidade de Columbia desenvolveu um sistema chamado HyperQ, também em julho, que permite a múltiplos utilizadores partilharem um único processador quântico, tornando-o mais acessível, segundo noticiou o site especializado ITC. Na mesma linha, investigadores de Harvard criaram, no mesmo mês, um chip ultrafino, uma inovação que pode simplificar radicalmente o hardware e permitir a construção de computadores quânticos mais compactos, segundo a publicação online ScienceDaily.Este verdadeiro frenesim é construído sobre avanços anteriores que estabeleceram as bases para a atual aceleração. A IBM, por exemplo, anunciou o seu roteiro Starling ainda em junho deste ano, com o objetivo de construir o que apelida de “primeiro computador quântico tolerante a falhas em larga escala”. Segundo a empresa, a meta é ter um sistema de 200 qubits lógicos em funcionamento até 2029 — já daqui a quatro anos, portanto.Para a Microsoft, a base destes progressos remonta a um anúncio marcante, feito em 21 de fevereiro, com a criação do chip Majorana 1, tal como o DV noticiou. O chip pretende ser o “transístor para a computação quântica”, prometendo abrir “caminho para a implementação de um milhão de qubits” de processamento..Microsoft lança chip que é o “transístor para a computação quântica”.O investigador Chetan Nayak, um dos criadores do Majorana 1, explica que a equipa deu “um passo atrás e disse: ‘OK, vamos inventar o transístor para a era quântica. Que propriedades precisa de ter?’”. O resultado foi um chip que “cabe na palma da mão” e que, apesar de ter a capacidade de processamento de apenas 8 qubits num único elemento, é teoricamente acoplável a outros, para se expandir até um milhão de qubits.Já do lado da Google, a empresa californiana foi protagonista de um ponto de viragem, que muitos comparam ao “momento GPT-1” da Inteligência Artificial: a apresentação do chip Willow, em dezembro de 2024. A empresa demonstrou que o chip, com os seus 105 qubits, conseguiu completar, em menos de cinco minutos, uma tarefa que um supercomputador de ponta levaria 10 septiliões de anos — mais de quatro vezes a idade do Universo — a replicar. Este avanço, publicado na revista Nature, foi mais do que um simples feito de velocidade: foi um passo crucial na correção de erros quânticos, um dos maiores desafios da área.A ascensão estratégica da ChinaNesta disputa, a China emerge não só como um competidor, mas como um líder em certas frentes. O governo chinês tem investido massivamente em pesquisa e desenvolvimento, com o objetivo claro de alcançar a liderança tecnológica global.A equipa chinesa liderada pelos físicos quânticos Pan Jianwei, Zhu Xiaobo e Peng Chengzhi, da Universidade de Ciência e Tecnologia da China, revelou o protótipo do computador quântico supercondutor Zuchongzhi 3.0 no passado mês de março. Com 105 qubits, este sistema demonstrou uma vantagem computacional significativa, com uma velocidade que, segundo os investigadores, é um milhão de vezes superior aos melhores resultados anteriores da Google, tal como detalhado em publicações científicas como a Physical Review Letters. Este avanço cimentou o estatuto da China como um dos principais players em hardware quântico.Este país asiático tem demonstrado uma forte liderança na comunicação quântica, uma área fundamental para a cibersegurança futura. Em 2016, a China lançou o satélite Micius, o primeiro do mundo dedicado à comunicação quântica, que já demonstrou capacidade para distribuir chaves criptográficas de forma segura entre o espaço e a Terra. Estes desenvolvimentos em redes de telecomunicações, como noticiado pelo site Asia Times e pelo The Quantum Insider, são uma fonte de preocupação estratégica para os seus adversários.A União Europeia e a sua agenda regulatóriaFace a esta corrida global, a União Europeia avança com a sua própria agenda mas, como é habitual na UE, com uma perspetiva de regulação e muito centralizadora. Em julho, a Comissão Europeia apresentou a sua estratégia Quantum Europe in a Changing World que, em vez de fomentar a inovação de forma orgânica, pretende transformar a Europa num centro industrial competitivo até 2030 através de um controlo centralizado.Esta iniciativa, que se baseia no já existente Quantum Technologies Flagship, de mil milhões de euros, foca-se em áreas-chave como a Investigação e a criação de Infraestruturas, mas o seu grande objetivo é a criação de um Ecossistema Quântico Europeu gerido de cima para baixo.A mentalidade regulatória é evidente na proposta de Quantum Act, prevista para 2026, um ato legislativo que irá definir de forma estrita a governação e o financiamento. Além disso, a UE tem vindo a reforçar a sua cibersegurança através de diretivas, tendo publicado, em abril de 2024, uma recomendação para a transição para a criptografia pós-quântica, algo que, embora necessário, reflete uma abordagem de controlo partindo do poder burocrático de Bruxelas.A ameaça da cibersegurança e o futuro da corridaÉ, no entanto, certo que este avanço vertiginoso levanta um problema crítico: a ameaça à segurança digital. Como um documento da empresa de cibersegurança Fortinet, divulgado na terça-feira, aponta, os computadores quânticos de larga escala serão capazes de quebrar os atuais padrões de encriptação, tornando vulnerável a maior parte dos nossos dados.O perigo é tão real que os cibercriminosos já estão a utilizar, há alguns anos, a técnica de “harvest now, decrypt later” (HNDL), roubando dados encriptados hoje para os decifrar mais tarde, quando a computação quântica for uma realidade.É aqui que entram soluções como as que a Fortinet e outras empresas do ramo têm vindo a desenvolver. Trata-se de sistemas de Criptografia Pós-Quântica (PQC), bem como de Distribuição de Chaves Quânticas (QKD) e da combinação de algoritmos, para aumentar a resiliência da segurança. A mensagem é clara: as organizações, especialmente as que lidam com dados sensíveis, têm de se proteger agora, implementando uma estratégia de transição gradual para a segurança pós-quântica.A “guerra da computação quântica” é, na verdade, uma competição em múltiplas frentes. Não se trata apenas de construir a máquina mais rápida, mas de dominar a correção de erros, a comunicação segura e o desenvolvimento de software e hardware especializado. Os governos estão a financiar iniciativas multimilionárias, como a National Mission on Quantum Technologies, da Índia, ou as iniciativas federais nos EUA, com o Department of Energy Leadership Act of 2025.O objetivo não é apenas um feito científico, mas a conquista de uma posição estratégica que dará a quem a detém uma vantagem decisiva na economia e na segurança do século XXI. É uma guerra quase silenciosa, mas os seus ecos já se fazem sentir. E os resultados vão afetar a forma como todos vivemos e interagimos com o mundo digital.