“Aumento das taxas de reciclagem é desafio que não pode ser apenas da indústria de embalagens”

Chakib Kara, diretor-geral da Tetra Pak Ibéria, conta que a marca está a trabalhar em embalagens a partir de materiais renováveis ou reciclados, totalmente recicláveis, neutra em carbono e segura.
“Aumento das taxas de reciclagem é desafio que não pode ser apenas da indústria de embalagens”
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 Portugal sucessivamente falha as metas de reciclagem definidas pela Comissão Europeia, que tem imposto limites restritos à utilização dos plásticos e ao incentivo à economia circular. Isto tem levado empresas como a Tetra Pak a a investir na inovação por forma a ter produtos alternativos e mais eficientes. Numa entrevista exclusiva, e em primeira mão, Chakib Kara, diretor-geral da Tetra Pak Ibéria, reflete sobre a situação nacional, o que se pode fazer para atenuar o problema, como utilizar novas técnicas – como a reciclagem química – e o papel desempenhado pela empresa que representa. 

Portugal tem, sucessivamente, falhado as metas relativas à sustentabilidade. Na sua opinião qual a razão e o que pode a Tetra Pak fazer para inverter este cenário? 

A prioridade da Tetra Pak é melhorar a capacidade de reciclagem das nossas embalagens e também aumentar as taxas de reciclagem através de parcerias estratégicas. 

Com este objetivo, estamos a investir recursos significativos para melhorar a capacidade de reciclagem instalada a nível mundial. Por exemplo, em 2023, investimos quase 40 milhões de euros para acelerar a reciclagem de embalagens de cartão para bebidas em todo o mundo e planeamos reforçar ainda mais este valor, nos próximos anos, para alcançar aumentar a recolha e reciclagem de materiais.  

O aumento das taxas de reciclagem é um desafio conjunto que não pode ser enfrentado apenas pela indústria de embalagens. Todos os agentes da cadeia de valor têm de fazer a sua parte para otimizar o funcionamento dos sistemas de recolha, a começar por todos nós, os consumidores, de modo a separar corretamente os resíduos em casa e a colocá-los no ecoponto amarelo.

A Tetra Pak está a trabalhar com as partes interessadas, tais como municípios, empresas de gestão de resíduos, decisores políticos, retalhistas e clientes para expandir esta infraestrutura de recolha, triagem e reciclagem para uma melhor coordenação e colaboração, de modo a otimizar o desempenho da cadeia de valor de reciclagem local e aumentar a capacidade instalada de reciclagem de embalagens de cartão para bebidas. 

Além disso, estamos a identificar novas estratégias que possam ser implementadas rapidamente para atingir os objetivos de recolha seletiva de uma forma colaborativa em todos os tipos de embalagens. Estes objetivos obrigatórios de recolha seletiva aumentam a qualidade dos materiais reciclados, o que ajuda a desenvolver melhor os mercados finais para os materiais reciclados.

A este respeito, estamos também a reforçar a nossa equipa dedicada à circularidade e a incorporar desenvolvimentos técnicos e comerciais para criar oportunidades de aplicações de utilização final de materiais reciclados que podem tornar-se matérias-primas valiosas para outras indústrias.

Em que medida as decisões da Comissão Europeia, no que concerne à utilização dos plásticos, está a levar a empresas como a Tetra Pak a investir (mais) na inovação e no desenvolvimento de novos materiais e novas embalagens? 

A estratégia europeia parte do plano de ação para a economia circular, que é uma prioridade de há muitos anos para cá da Tetra Pak. Por exemplo, temos aumentado a utilização de materiais renováveis e reciclados para continuar a melhorar o perfil das nossas soluções de embalagens, mantendo os padrões de segurança alimentar.

Além disso, temos liderado a indústria no cumprimento de novas regulamentações, como a Diretiva de Plástico de Utilização Única (SUP) da União Europeia, que, desde julho de 2024, obriga a que as tampas passem a estar unidas à embalagem. Logo em 2021, a Tetra Pak começou o investimento em tecnologia e a produção para que os nossos clientes estivessem preparados em junho de 2024. Hoje, continuamos a alargar o nosso portefólio de tampas unidas à embalagem, com opções de origem vegetal com polímeros derivados da cana-de-açúcar ou polímeros reciclados certificados pelo ISCC. 

A Tetra Pak também foi a primeira empresa de embalagens de cartão para alimentos e bebidas a lançar palhinhas de papel na Europa. A decisão, que data de 2019, foi mais um passo no contexto da nossa visão para a produção de uma embalagem inteiramente produzida com materiais de origem vegetal, contribuindo para uma economia circular com baixas emissões de carbono. 

Por um lado, todas estas inovações pressupõem um grande desafio de transformação na cadeia de valor. Por outro, estamos a trabalhar em curtos espaços de tempo, o que implica um esforço adicional em termos de investimento e recursos humanos. 

Qual o caminho seguido pela Tetra Pak? 

A Tetra Pak está constantemente a inovar para alcançar o objetivo de criar a embalagem mais sustentável do mundo, feita a partir de materiais renováveis ou reciclados, totalmente recicláveis, neutra em carbono e com garantia total de segurança alimentar. Para este fim, investimos 100 milhões de euros em investigação e desenvolvimento todos os anos.  

Neste momento, continuamos a realizar mudanças importantes no nosso modelo de produção para o tornar mais sustentável através de diferentes linhas de trabalho. Estamos a descarbonizar as nossas operações, com um objetivo de zero emissões de gases com efeito de estufa em toda a cadeia de valor, até 2050, e a utilização de energias renováveis. Por exemplo, as nossas fábricas em Espanha, em Arganda del Rey e Sevilha, são abastecidas com eletricidade 100% renovável. 

Paralelamente, apostamos em soluções e estratégias circulares que minimizem a nossa pegada ambiental. Uma delas é o aumento progressivo de matérias-primas renováveis de fontes responsáveis como o cartão, ou polímeros de origem vegetal, um fator diferenciador no setor. Também estamos a introduzir matérias-primas recicladas nas nossas embalagens, que não só reduzem a necessidade de utilizar recursos finitos, mas também reduzem a pegada de carbono da embalagem, como os polímeros reciclados, seguindo o esquema de balanço de massa.  

Além disso, estamos a promover a reciclagem mecânica e química do polietileno e alumínio das nossas embalagens usadas, para que possa ser transformado em matéria-prima valiosa para outras indústrias. Neste sentido, estamos também a trabalhar para desenvolver um mercado de matérias-primas secundárias para manter os materiais em uso e reduzir a dependência de recursos finitos. 

Em colaboração com um cliente em Portugal, lançámos a primeira embalagem de cartão asséptica para bebidas com uma barreira protetora de papel. Este modelo de embalagem é inédito a nível mundial e é fabricado com cerca de 80% de cartão, aumentando o conteúdo renovável da embalagem para 90%, reduzindo a sua pegada de carbono em um terço e estando certificado pelo Carbon Trust.

Todo o cartão das nossas embalagens provém de madeira de florestas certificadas de acordo com as normas FSC e de outras fontes controladas.

Como é que a reciclagem de embalagens de alimentos e bebidas pode ser reforçada em Portugal? Que tipo de estratégias deveriam ser reforçadas e/ou adotadas? 

Os mais recentes dados da Sociedade Ponto Verde (SPV) dão conta de que foram encaminhadas para reciclagem um total de 476.605 toneladas de embalagens, em 2024, o que significa um aumento anual de 4%, face a 2023. Estes números são positivos e provam a tendência de crescimento contínuo. No entanto, Portugal está longe da nova meta definida para este fluxo de resíduos urbanos.

No caso específico das embalagens para alimentos líquidos (ECAL), comuns em qualquer casa, são necessários objetivos concretos de recolha e investimentos em infraestruturas para promover a gestão eficiente de resíduos e a circularidade dos materiais, até porque já temos bons exemplos nessa área. Falo, especificamente, da reciclagem mecânica de resíduos de polietileno e alumínio das ECAL, com parcerias estabelecidas para a revalorização dos materiais noutras áreas de atividade, como mobiliário, logística, jardinagem ou construção. 

Atualmente, é possível reciclar resíduos de polietileno e alumínio para transformá-los em pellets de polyal, uma matéria-prima secundária 100% reciclada, muito versátil e com múltiplas vantagens. 

Para reforçar este trabalho, a Tetra Pak também está a trabalhar, ativamente, em campanhas de sensibilização. Por exemplo, a última que realizámos, “Reciclar Alimenta”, combina o incentivo à reciclagem das ECAL com uma causa solidária. 

Na última edição, que decorreu em novembro de 2024, foram recicladas 820 toneladas de ECAL no ecoponto amarelo, o que corresponde a um aumento de 29%, face ao mesmo mês de 2023, em que foram registadas 635 toneladas. A iniciativa previa que, por cada 100 toneladas de ECAL, a Tetra Pak iria doar 2000 refeições às Aldeias de Crianças SOS, que, em Portugal, apoia mais de 550 crianças. Deste modo, a campanha permitiu a entrega de 16.400 refeições, algo oficializado em janeiro deste ano.

Durante o verão, também sensibilizamos o público nas zonas balneares para que não deixem de continuar a reciclar as ECAL nas férias. 

Paralelamente, temos desenvolvido diversas campanhas direcionadas para as crianças e jovens, com projetos em escolas ou a inauguração da Universidade da Reciclagem, na Kidzania.

Em suma, há um enorme trabalho de sensibilização que deve continuar a ser reforçado, em todas as faixas etárias, para que os temas da reciclagem e igualmente da economia circular não deixem de fazer parte do dia a dia de todos. 

A reciclagem química é o futuro? 

A reciclagem química é uma das soluções para os desafios da valorização dos plásticos no fim da sua vida útil, pois complementa a reciclagem mecânica e promove, de uma forma direta, a economia circular, ao converter resíduos plásticos em plásticos reciclados. Este material tem características idênticas às do plástico virgem, seja em termos de qualidade, seja em termos de segurança alimentar, ou seja, naquilo que é o contacto com os alimentos e bebidas.

Atualmente, as embalagens da Tetra Pak, feitas maioritariamente de cartão, já podem integrar polímeros reciclados certificados. Deste modo, podemos falar num triplo impacto: reforço da perceção de sustentabilidade da marca, redução da dependência de materiais de origem fóssil e fortalecimento do nosso compromisso com o desenvolvimento de uma economia circular.

A Tetra Pak está a colaborar num projeto ibérico de reciclagem química utilizando a tecnologia de pirólise. Este processo químico, no qual um material é aquecido a altas temperaturas na ausência de oxigénio, dá origem a vários subprodutos, entre eles o óleo pirolítico que, posteriormente, é utilizado para o fabrico de plásticos reciclados, cujas características são idênticas à de um plástico virgem e estão aptos para o contacto alimentar.

Este projeto lança as bases da reciclagem química do polietileno (polyal) proveniente das embalagens de cartão para bebidas recicladas em Espanha e, mais uma vez, é um passo para promover a economia circular destes materiais.

Em Espanha, uma conhecida marca de leite já lançou no mercado a primeira embalagem de cartão para bebidas que incorpora polímeros reciclados certificados derivados do óleo pirolítico produzido pela Preco, no âmbito de um projeto-piloto.

Há pouco, falámos do contexto europeu para a introdução de algumas medidas. Neste caso, a parceria que a Tetra Pak e a Preco firmaram surge numa altura em que está a ser desenvolvida uma nova legislação sobre embalagens e resíduos de embalagens, em que foram estabelecidos objetivos para o conteúdo de plástico reciclado das embalagens, incluindo as embalagens de cartão para bebidas, em concreto: até 2030, 10% de plástico reciclado e, até 2040, 25% de plástico reciclado.

O que podemos esperar da Tetra Pak Portugal sob a sua direção? 

No atual contexto desafiante, para continuarmos a ser o parceiro de referência da indústria agroalimentar, temos de continuar a inovar, com um foco na redução dos custos operacionais, na excelência do serviço ao cliente e no nosso compromisso inabalável com a sustentabilidade.

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