“Silicon Valley é o que é porque teve muitos ciclos económicos. O país precisa de um ecossistema de scaleups”
O DN republica hoje, 11 de março, a entrevista a Euclides Major, diretor-executivo do Nova SBE Haddad Entrepreneurship Institute. A entrevista foi originalmente publicada no dia 3 de janeiro.
Euclides Major é, desde 2018, o diretor-executivo do Nova SBE Haddad Entrepreneurship Institute, que procura estimular o empreendedorismo na comunidade académica. O instituto tem programas de incubação para startups, mas a faculdade não entra no capital das empresas. Integra ainda uma aliança europeia que reforça o objetivo de ser “um facilitador do ecossistema” de empreendedores, criando um caminho comum entre startups e academia. Numa visão mais abrangente, o professor universitário reconhece o trabalho feito em Portugal nos últimos 20 anos, mas lembra que falta agora uma estratégia de scaling-up que alavanque o crescimento do ecossistema de empreendedores que existe no país.
O que faz o Nova SBE Haddad Entrepreneurship Institute?
Temos como missão o desenvolvimento de competências na área do Empreendedorismo, ao mesmo tempo que contribuímos para o desenvolvimento do ecossistema do empreendedorismo a nível nacional e temos ambições internacionais.
Como é que se cumpre essa missão?
A atividade está organizada em três grandes pilares. Um direcionado para os alunos, a que chamamos Education and Capacity Building, que é o desenvolvimento de competências dos nossos alunos de todos os ciclos. Este primeiro pilar é materializado por iniciativas e workshops, onde convidamos founders [fundadores de startups e scaleups] para partilharem as suas histórias. Também realizamos vários programas que complementam a formação académica.
Qual é o segundo pilar?
É a aceleração e incubação, que é direcionado para as startups. Neste momento, temos uma comunidade com 165 startups incubadas aqui no Haddad, incluindo vários verticais destas startups, algumas em muito early stage, algumas montadas pelos alunos, mas também há outras numa fase de maior crescimento, que se aproximam do ecossistema da Nova SBE, seja numa lógica de recrutamento de talento, de marketing, de sales ou project management. Temos aqui um conjunto muito interessante de startups. Para dar uma ideia, no último ano, 25 novas startups aderiram ao nosso programa formal de incubação. Também fazemos programas de aceleração, em que juntamos um conjunto de parceiros e fazemos o scouting a nível internacional de, tipicamente, 20 startups que vêm cá fazer um programa de três meses.
Em que áreas atuam nesse scouting?
Fizemos já um programa na área de Fintech, onde tivemos oito corporate partners, desde bancos, gestoras de ativos a grandes empresas interessadas em tecnologias na área de pagamentos ou que querem explorar o tema da blockchain. Também fizemos um scouting em que tivemos 20 startups vindas de 11 países diferentes, que vieram fisicamente para o Haddad Entrepreneurship Institute. Ao fim de três meses, mais de 60% das startups conseguiram implementar pilotos. Também temos um programa na área do turismo.
E o terceiro pilar que falta mencionar, qual é?
É o que chamamos Research & Thought Leadership. No fundo, é liderar ou incentivar a produção de conhecimento académico, onde temos o conjunto da faculty a trabalhar vários temas, incluindo projetos europeus. Nós somos um membro-fundador do European Scale-up Institute, uma aliança que agrega dez business schools europeias. Por exemplo, temos escolas de Espanha, Itália, Irlanda, França, Alemanha, Países Baixos e Bélgica.
Também atuam no âmbito do scaling-up.
É um tema que temos olhado de forma muito estratégica. Acreditamos que há muito para trabalhar porque há algumas métricas interessantes. Até somos relativamente bons a criar startups, cerca de um terço a nível global nascem na Europa, mas apenas 10% das scaleups a nível internacional são europeias. Temos claramente um gap a nível europeu em scaleups.
E há a questão dos unicórnios também.
Por exemplo, há dois anos, em França, o presidente Macron olhou para este tema como algo superprioritário. O ano passado, a França tinha 28 unicórnios e mais de 95% são detidos por capital não-europeu. Isto é um problema que a Europa tem, como o Relatório Draghi aponta, e que deve ser discutido nas instâncias europeias.
E qual é o papel da Nova SBE neste âmbito?
Estamos muito alinhados para ser uma escola de conhecimento relevante a nível europeu e global. Acreditamos que há muito valor no tema do scaling-up combinado com a investigação académica.
Que tipo de startups são as que estão incubadas neste instituto?
Uma parte bastante significativa, cerca de metade, são criadas por alunos ou ex-alunos, sobretudo ao nível do mestrado, que tem muito este ADN empreendedor. Muitos são alunos internacionais – vale a pena referir que 70% dos alunos de mestrado são internacionais, há um grande contingente de alemães, franceses e italianos.
E os estudantes internacionais têm uma veia empreendedora mais acentuada do que os estudantes portugueses?
É difícil, por exemplo, comparar o português com o alemão, mas o que sentimos é que, no grupo que temos, existem muitos alunos interessados em empreendedorismo, mas não só.
Tendo uma vertente de incubação neste instituto, a Nova SBE também investe em startups?
Neste momento, não investimos em equity. Todos os nossos programas trazem muito valor, mas não estamos a tomar posições de capital.
São uma montra, apenas.
Vimos o nosso papel como um facilitador do ecossistema.
E sobre as 25 startups que aderiram em 2024, era um objetivo?
Sim. Há várias incubadoras em Portugal e nós acreditamos que existe muito valor e um papel complementar e muito diferenciado por esta conexão com investigadores e com o talento que está agora a aprender e a desenvolver competências. Temos um objetivo de crescimento do número de startups. Há três anos, o objetivo era ganhar massa crítica. Agora queremos continuar a crescer mas, sobretudo, a crescer o engajamento dos founders. Temos é de criar mais condições para os alunos terem acesso a mais startups, para os founders beneficiarem mais disto.
Mencionou antes a aliança europeia que o instituto integra. Qual é o vosso papel?
Queremos ser reconhecidos como [tendo] uma leading attitude a nível europeu. Para isso é fundamental termos parcerias com escolas internacionais, que jogam esta liga.
Vamos supor que sou um aluno da Nova SBE e que quero colaborar com o instituto numa ideia. Através dessa aliança vou ter acesso ao quê? Poderei levar a minha ideia a uma faculdade estrangeira?
Sim, temos essa componente internacional e é absolutamente fundamental. No fundo, agregamos uma série de centros de empreendedorismo de outras escolas europeias e depois há muita colaboração, vários programas conjuntos, intercâmbio de investigadores e alunos.
Replicar o modelo que existe neste instituto é possível noutros pontos de Portugal?
Em Portugal, tendemos a ter muitas coisas fragmentadas – acho que há muito valor em trazer mais pessoas para esta rede. Ou seja, também para elucidar essa estratégia, temos procurado colaborar muito com outras incubadoras. Por exemplo, temos um programa a decorrer com a Casa do Impacto, tivemos várias iniciativas da Startup Portugal, da Fábrica de Unicórnios, e há pouco tempo com a Universidade de Coimbra. Obviamente, cada um tem uma especialização ou um determinado setor em que está mais vocacionado ou orientado, mas queremos ter um impacto positivo e trazer todos os stakeholders. Por exemplo, a nível local fazemos com o Município de Cascais um programa que tem sempre uma adesão espetacular, que é ter alunos de escolas secundárias a participar cá num workshop de empreendedorismo e há muito valor aqui, não só a nível universitário.
Consegue identificar em Portugal uma estratégia de empreendedorismo ativa para o país? Ou não existe e é preciso uma?
O ecossistema de empreendedorismo é relativamente recente, estamos a falar de 15 ou 20 anos. A criação de um ecossistema é uma coisa que demora algum tempo, duas décadas claramente a nível europeu. Há 20 anos, muito pouco existia, agora temos um ecossistema tanto a nível europeu, como a nível nacional. Os vários Governos tiveram um papel bastante ativo e enriquecedor do ecossistema.
Mas ainda haverá muitas mais coisas a fazer.
Agora precisamos de pensar em como criar melhores condições para termos um ecossistema de scaling-up. Compreendermos que tipo de capacidades são necessárias para montar startups e fazê-las crescer. Por exemplo, há um conjunto de países do Norte da Europa cujo número de scaleups é inferior a 0,1% das empresas, mas criam 8% da riqueza e dos empregos. É destas high-ground farms que precisamos – scaleups são empresas que permitem criar mais postos de trabalho e têm um papel muito importante para o desenvolvimento da economia. E nós percebemos que temos um scaleup gap.
Portugal aproveita bem o talento que tem nesta área do empreendedorismo e criação de startups?
Portugal começa a ter talento com experiência nesta área. Silicon Valley é o que é porque já teve muitos ciclos económicos. Em Portugal já há empreendedores de segunda, de terceira e de quarta viagem, o que é extremamente positivo. Há dez anos havia poucas referências, pouco know-how trabalhado. Hoje, do ponto de vista do produto de engenharia temos alguns dos melhores a nível mundial, falta agora captar e alavancar melhor este talento. O próximo desafio é sermos capazes de criar um ecossistema de scaleups. Muitos dos nossos founders migram para os Estados Unidos e passam a maior parte do ano lá em vez de na Europa – acho que estamos numa transição do que demorou 20 anos a construir, um ecossistema de startups. As scaleups são a grande questão: precisamos de atrair mais talento e vejo com bons olhos founders alemães e outros internacionais a criarem algumas empresas que vêm para Portugal. E já existe bastante mais capital disponível hoje.
Como compara Portugal com a Europa. A solução do desafio que expõe também deve partir da União Europeia?
A Europa tem manifestamente um problema, existem inúmeros relatórios a reportá-lo, o último foi o de Mário Draghi. E nem falámos da Inteligência Artificial (IA): há rondas de investimento de enorme dimensão nos Estados Unidos e muita coisa a acontecer na China, e a Europa está a ficar para trás. Olhamos para as 20 maiores empresas do mundo e há apenas uma europeia. No mundo da IA sabemos que vai acontecer uma revolução que trará mudanças muitíssimo significativas para a economia e a forma como a Europa se está a posicionar – primeiro regular e só depois construir – é uma estratégia que está a criar um problema dificílimo. Tem de haver uma agenda europeia muito mais alinhada sobre em que condições queremos os nossos empreendedores, porque o talento está cá. Temos empresas que nasceram na Europa e muito rapidamente foram adquiridas ou migraram para os Estados Unidos. Alguma coisa é necessária fazer.
Qual poderia ser o caminho?
Olharmos para o mercado como um mercado muito mais integrado. Hoje em dia, um founder, para abrir uma sucursal, começar a vender em Itália, Espanha ou em França, é um pesadelo. Por exemplo, uma startup podia ser uma startup europeia. Há um processo que ainda é muito burocrático, a antítese do que acontece nos Estados Unidos – alguém que abra uma empresa em Austin pode começar a vender em Nova Iorque no dia seguinte. Portanto, há coisas muito evidentes a resolver na Europa que só pecam por tardias. Depois, tem de haver um plano estratégico: o que é a Europa daqui a dez anos? Que setores pode liderar? Existem oportunidades – senão fizermos esse caminho de uma forma urgente há o risco de haver uma estagnação económica.