O trajeto vencedor dos vinhos da região de Lisboa começou a ser traçado há mais de uma década, mas só nos anos mais recentes cortou a meta e conta já com mais de 120 marcas, que chegam a vários pontos do globo, diz o presidente da Comissão Vitivinícola da Região de Lisboa, Francisco Toscano Rico, em entrevista ao DV. Às castas tradicionais somaram-se experiências mais “irreverentes,” num território que vai literalmente desde o aeroporto de Lisboa até ao Oeste, e que resultam em vinhos mais frescos e com menor teor alcoólico, com procura crescente nos mercados europeus.. Como é que se conta a história de sucesso dos vinhos da região de Lisboa, que estão a crescer em volume e valor?Hoje é uma região composta por 10 mil hectares de vinha certificada e com nove denominações de origem protegida (DOP). É mesmo a região do país com mais denominações de origem.Do ponto de vista geográfico começa exatamente na capital: há duas vinhas dentro da cidade, uma é a vinha do aeroporto, que é um protocolo do produtor com o município de Lisboa, e depois temos também a vinha do Instituto Superior de Agronomia, ali junto à Ponte 25 de Abril. A região estende-se muito para além e, na cintura de Lisboa, temos Colares, Carcavelos e Bucelas, as três denominações de origem, históricas, demarcadas por volta de 1910, na transição da monarquia para a República, que são Colares, Carcavelos e Bucelas, muito pequenas (valem menos de 1%), mas com reputação histórica. Depois, à medida que caminhamos para norte então vamos encontrando as outras denominações do Oeste, e estamos a falar da Rota dos Vinhos de Alenquer, Torres Vedras, Óbidos e, depois já mais a norte de Óbidos, as encostas de Aire, Alcobaça. Ainda temos uma denominação que é Toque, na Lourinhã, junto ao mar. No fundo, apanha uma parte dos concelhos de Torres Vedras, Cadaval e Óbidos. A Lourinhã é uma das três únicas regiões no mundo exclusivamente demarcadas para a produção de aguardente vínica de alta qualidade. As outras são Armagnac e Cognac, em França. Como e quando se deu o salto quântico da região vitivinícola de Lisboa?A grande expansão da região começou em 2016, com uma taxa de crescimento anual muitíssimo grande. É claro que já tinha começado antes, com a reestruturação das vinhas de toda a região e uma profissionalização no sentido de uma maior qualidade. No fundo, os viticultores começaram a apostar em vinhas localizadas nos sítios certos, escolhendo as castas adequadas para a tipologia de solos que tinham e a escolher bem as encostas. Umas viradas a norte, em que recebem o ar mais fresco e mais húmido do Atlântico, sobretudo para as castas brancas. E as encostas mais solarengas, viradas a sul, mais abrigadas dos ventos atlânticos e mais vocacionadas para as castas tintas. A região tem nove adegas, houve um investimento enorme em tecnologia e em formação profissional de uma nova geração. Para além disso, sendo uma região muito diversificada em termos de terroirs, os produtores podem aproveitar uvas de diferentes castas para responder àquilo que o mercado tem vindo a valorizar nos últimos anos. O sucesso da região tem muito a ver com isso.E o que é que o mercado está a valorizar mais neste momento?O terroir da região de Lisboa permite exatamente ir ao encontro do que o mercado mais pede atualmente, que são os vinhos mais frescos e menos alcoólicos. Nós temos uma forte mineralidade que é conferida por esta influência atlântica, que permite vinhos com teor alcoólico mais moderado, mais frescos e boa acidez, que vai de encontro às preocupações de saúde e zero calorias. Esta estratégia ajudou, mas os produtores da região também cedo perceberam que tinham de se virar para o exterior, porque o mercado nacional é pequeno e começaram logo fazer promoção internacional, o que se revelou uma boa aposta.Quanto é que a região produz e qual o contributo para a economia?A região cresceu quase 150% nos últimos sete anos em termos de vendas, o que é extraordinário. No total estamos a falar de duas mil explorações que envolvem duas mil famílias de viticultores.Foram produzidas 69 milhões de garrafas por ano, 80% das quais são exportadas para quase 100 países diferentes. Excluindo o Vinho do Porto, é a região que mais exporta em percentagem daquilo que certifica. Já começa a ser uma região reconhecida.Se excluirmos o Vinho do Porto, que é um produto à parte, o Douro não seria a primeira região do país, mas sim, os vinhos verdes e o Alentejo que disputam entre si esse lugar. Lisboa será a quarta maior região, a grande distância do Douro com pouco mais de metade da dimensão dos vinhos verdes e do Alentejo. É um mercado muito heterogéneo, com empresas de grande dimensão e competitividade internacional, como a Casa Santos Lima ou a Vidigal. Depois temos nove cooperativas que desempenham um papel importante, porque a maior parte dos viticultores são todos pequenos associados das cooperativas. E, hoje, as próprias cooperativas já estão posicionadas também no segmento Premium.Que casos se têm destacado?O Porta 6, que é da Vidigal Wines, é um case study de sucesso no mercado do Reino Unido. É, se calhar, a marca portuguesa que mais vende no Reino Unido. É o grande embaixador da região e dos vinhos de Portugal no Reino Unido. Depois, temos a Casa Santos Lima, que tem as duas marcas que mais vendem na Finlândia. Isto mostra a apetência dos vários mercados relativamente aos vinhos da região. No total do vinho certificado exportado, se excluirmos o Vinho do Porto, Lisboa tem uma quota de 18% em volume e 16% em valor.Qual é a especificidade do terroir do Oeste?Para já, o Atlântico, aqui mesmo em cima de nós, influencia muito a região. Porque temos verões mais amenos e humidade. Mesmo no verão temos as conhecidas neblinas matinais do Oeste. Depois a nortada da tarde limpa e é o que permite ter uma maturação mais prolongada, porque tem menos stress hídrico. Tudo isso origina uvas com uma graduação alcoólica menor, menos açúcares, mas ao mesmo tempo, uma boa acidez, que traz frescura aos vinhos. Isto por oposição aos vinhos, sobretudo tintos, com muita extração, muita madeira e muito alcoólicos. As preferências de consumo estão a alterar-se. Temos aqui 180 quilómetros de costa e os ventos de Noroeste trazem a humidade. Depois, os solos argilocalcários são importantes, porque têm uma fertilidade razoável, o que permite uma boa nutrição das plantas. Isso é importante para a qualidade das uvas, permite também uma boa retenção da água e que a videira não tenha grande stress hídrico no período estival. Quando há golpes de calor, a videira para se defender interrompe a fotossíntese, a maturação da uva, o que resulta em vinhos desequilibrados. Aqui estamos mais protegidos desses fenómenos e isso reflete-se na qualidade da vinha. E depois a topografia e orografia: a região tem, de um lado, o Atlântico, do outro uma cordilheira de montanhas, que começa lá em cima, na Serra d’Aires e Candeeiros, depois Montejunto, tem a Serra do Socorro, já aqui próximo de Torres Vedras na direção de Mafra, e faz fronteira cá em baixo com a Serra de Sintra. Por isso é conhecida entre as pessoas daqui como Entre o Mar e as Serras, o seu nome original. É claro que há microclimas e por isso existem tantas DOP, desde a de Torres Vedras, muito em cima do mar, à de Alenquer, mais interior, ou à de Óbidos, que é quase um anfiteatro virado para o mar, que recebe e abraça o Atlântico. Quando provamos o temperamento e a salinidade, às vezes temos vinhos quase salgados, que são bem populares também e ideais para companhar um peixe fresco ou umas amêijoas.Quantas marcas apresenta o cardápio da região?No total temos cerca de 220 produtores de vinho, dos quais 120 ou 130 embalam e têm marcas no mercado. Uns só fazem uvas, outras transformam uvas em vinho e depois vendem a outros que, por sua vez, fazem os seus lotes e comercializam. Muitos são jovens com alguma ligação familiar ao setor, têm formação em enologia e ousam mais, fazem vinhos mais irreverentes, testando castas. Interessante é ver também grandes empresas de fora da região a vir para aqui trabalhar com vinhos da região. Significa um grau de notoriedade suficientemente forte para os atrair também para a região.Quais os principais mercados de exportação?Fora de Portugal, os principais mercados são os Estados Unidos, o Reino Unido, o Brasil e o Canadá. Na Europa, temos a Escandinávia e a Polónia. Muito recentemente também os mercados da Colômbia, Austrália e Israel estão a ganhar peso.Quanto é que representa o mercado norte-americano e em que medida as novas tarifas às exportações podem afetar o setor?O mercado americano representa 20% das nossas exportações. Neste momento, e depois de terem sido anunciadas tarifas de 20% mas um período de suspensão de 90 dias , o que reina é sobretudo a incerteza. Tudo o que são barreiras ao comércio tem um sinal negativo. Os importadores norte-americanos estão receosos e os negócios estão a fazer-se mais devagar. O principal risco é que nos digam que somos nós que temos de esmagar os preços para não aumentar os preços no consumidor. Por outro lado, há que perceber que os EUA são o país que mais vinho importa da Europa e não vai deixar de o fazer. Mas admite-se que o consumo vá baixar.O que é que o setor e a região, em particular, podem fazer para enfrentar o previsível abrandamento do consumo?Sabendo que, no futuro, vai haver menos consumo de vinho, cabe às regiões desenvolver estratégias, por exemplo, com uma aposta reforçada no enoturismo, que está a crescer todos os dias. E o Oeste tem uma posição privilegiada para isso, podendo oferecer praia, surf, gastronomia, golf e património, tudo a muito pouca distância de Lisboa e do aeroporto internacional. ."Há 200 anos, a principal zona produtora de vinho da Península de Setúbal era o Seixal, o Barreiro e Almada"