Numa altura em que a Nova Information Management School (Nova IMS) se reposiciona globalmente como “Data Visionaries” - uma nova imagem que é adotada com base em distinções nacionais e internacionais como o 1.º lugar mundial no ranking da Eduniversal em Business Intelligence pelo sétimo ano consecutivo -, o seu diretor olha para a Administração Pública portuguesa e vê um cenário de contrastes. Para Miguel de Castro Neto, Portugal vive hoje uma “escassez brutal de informação” para a tomada de decisão política. Nesta entrevista, o diretor da escola que conquistou recentemente a pontuação máxima de 5 estrelas no rating internacional QS Stars, avisa que a modernização do Estado não se faz apenas com tecnologia de ponta se a infraestrutura de processos continuar obsoleta. Da soberania dos dados à necessidade de antecipar o futuro com um dashboard de governação, o diagnóstico é de quem defende que, sem reengenharia de processos, estamos apenas a digitalizar a burocracia.A Nova IMS lançou uma nova imagem, Data Visionaries, para marcar um novo ciclo de afirmação global. Olhando hoje para a Administração Pública portuguesa, vê lá hoje, nos cargos de decisão, visionários de dados, ou ainda estamos numa fase em que os dirigentes públicos têm medo do que é que esses dados podem revelar?Eu acho que para os Data Visionaries é evidente que nós temos uma escassez brutal de informação. Sem informação não podemos gerir, não podemos planear e muito menos governar, e ter políticas públicas que efetivamente respondem às necessidades das pessoas, das empresas, da sociedade e do planeta.Nós, durante vários anos, olhámos, enquanto país, para a transformação digital como algo que necessitava de investimentos em infraestruturas tecnológicas, em equipamentos, em formação de talento genérica, mas falhou uma coisa: processos. E era aí que chegávamos à infraestrutura.O ponto da minha pergunta era até anterior a esse. É de senso comum que precisamos de dados, mas depois não os cruzamos. Por exemplo, ainda há pouco tempo, no Parlamento, essa questão foi levantada: a AIMA diz que entraram 1,2 ou 1,3 milhões de imigrantes, mas depois não temos o INE a fazer a relação do PIB per capita relativamente a este número de habitantes que temos a mais...A questão aqui não é de equipamento, é uma questão de alguém ter de olhar para um número e fazer bater com o outro número. O que é que está a falhar? Aqui já não é equipamento, nem infraestrutura. São os processos. E isto é transversal. Podemos ir à Justiça, à Saúde, a praticamente todos os setores de serviço público. Queremos fazer uma pergunta e não conseguimos ter uma resposta, porque não há uma infraestrutura de governação de dados que permita garantir que há uma interoperabilidade entre sistemas. E isso tem consequências gravíssimas, não apenas para a gestão do dia a dia, mas para o planeamento de médio e longo prazo.Está, portanto, a dizer que o que falta é uma infraestrutura transversal do Estado relativamente aos dados?À data de hoje, estamos a assistir, em grande medida, à preste falência de muitos dos nossos serviços públicos, graças à incapacidade generalizada de responder à produção da informação mínima necessária para conseguirmos geri-los.Isto não é algo que se possa resolver com mudanças superficiais, nem com legislação. Vamos ter de ir serviço a serviço, administração a administração, fazer este trabalho de investir nas fundações, que são a governação dos dados e a reengenharia de processos. Porque o sistema não pode continuar a funcionar com base apenas em ação humana, tanto mais que vivemos hoje no paradigma da ciência dos dados e da Inteligência Artificial.Ou seja, quando se diz que os serviços não produzem dados, não é assim. Na verdade eles existem, estão lá. A AT produz dados, a AIMA produz dados, a PSP produz dados...Exatamente. Mas não passam, não saem é do sítio onde ficam. O processo não existe. O que nós temos são vários sistemas a operar e a responder a necessidades locais ou setoriais.Podemos então dizer que os últimos anúncios de IA que têm sido feitos para o Estado, às vezes declarados com alguma pompa, na realidade são “Ferraris montados em estradas cheias de buracos”?Isso é sempre relativo. Nós próprios, na Nova IMS, temos desenvolvido projetos com a Administração que demonstram o que pode acontecer. O Instituto de Registos e Notariado fez um chatbot muito interessante; trabalhámos com a Presidência de Conselho de Ministros para avaliação dos custos económicos da legislação com IA; trabalhámos com a Inspeção-Geral de Finanças para reduzir custos de auditoria. Conseguimos fazer estes projetos e eles demonstram a viabilidade.Agora, o desafio exige muito mais investimento e não é imediato. É um trabalho de médio e longo prazo, que exige promover a reengenharia de processos - que não é a digitalização de processos. São duas coisas diferentes.Ou seja, muitas vezes a digitalização parece ser apenas mimetizar o que se faz à mão, passar o sistema burocrático para o computador, mas não deve ser isso...Se nós substituirmos uma coisa pela outra, não estamos a tirar partido da tecnologia. Estamos a fazer o mesmo, apenas com outra ferramenta.E isto é complicado porque não podemos fazer esta transformação sem tecnologia, dados e pessoas. Precisamos de recursos humanos qualificados e que o mérito seja recompensado para quem efetivamente se compromete com a mudança, que vai ser, de alguma forma, dolorosa. Vamos ter de conseguir conquistar talento para a Administração.E há mecanismos da parte do Estado que permitam captar esse talento? Não, eu acho que à data de hoje o Estado não tem mecanismos de captação deste tipo. O “comboio” já partiu há bastante tempo e agora estamos a ser pressionados pela dura realidade.Mas é curioso que o talento que formamos hoje, os nossos alunos, revelam uma disponibilidade para, pelo menos durante algum tempo, abraçarem desafios desta natureza. Estão dispostos a dar o seu talento para, eventualmente não terem a melhor remuneração do mundo, mas trabalharem em projetos desafiantes. Inclusive os alunos internacionais.Falando em cibersegurança e no vosso mestrado em Gestão de Risco, que foi considerado o segundo melhor do mund pelo ranking Eduniversal 2025. Tenho sentido, com familiares na Função Pública, que eles têm receio de trabalhar com IA no dia a dia, porque lidam com dados sigilosos e não os querem colocar nos ChatGPT e Gemini porque não sabem para onde vão. Têm razão?Têm. A última coisa que qualquer colaborador de uma organização pública ou privada devia fazer era pegar num documento, mesmo que não tenha dados sigilosos, mas dados da sua organização, e colocá-los numa ferramenta de Inteligência Artificial pública, gratuita, sem ter a certeza de onde é que vai. O que acontece é que as organizações, como não têm políticas de governação de dados suficientemente maduras, não colocam essa possibilidade à disposição dos seus colaboradores.Então, a “linha vermelha” é: para um funcionário público, não colocar um documento numa nuvem não-soberana?Isso é uma linha vermelha, sim. Mas o Estado, e as empresas, devem pôr à disposição do funcionário as ferramentas - seja do Copilot/ChatGPT ou do Gemini minimamente controlada - porque isso é possível, sim. A vossa pós-graduação em Gestão de Informação na Saúde também foi a segunda melhor do mundo. Com o Serviço Nacional de Saúde em crise constante, como é que o Ministério da Saúde pode aproveitar este know-how?Acho que é mais um exemplo de não haver a dita governação de dados. Nós lançámos recentemente um projeto com a SPMS [Serviços Partilhados do Ministério da Saúde], a Comunidade Intermunicipal do Oeste e a Escola Nacional de Saúde Pública, o Smart Healthy Region. Como temos um laboratório muito forte na área das cidades inteligentes, a ideia é cruzar os dados do território com os dados da saúde (doenças crónicas) e perceber as dinâmicas. Se conseguirmos cruzar uma coisa com a outra, podemos estabelecer políticas de Saúde Pública específicas no espaço e no tempo: “Neste local, nesta altura do ano, vou fazer uma campanha de prevenção porque sei que há aqui um problema”. É passar a trabalhar na política pública de saúde com base em dados.Já o mestrado em Business Intelligence da Nova IMS é o 1.º do mundo há sete anos consecutivos. Nesse sentido, se fosse convidado agora para desenhar um dashboard para o primeiro-ministro, quais seriam os indicadores que ele teria de ter à frente em tempo real para governar o país?[Alguns segundos de silêncio] Não estava nada à espera dessa pergunta! [risos] Prefiro responder assim: se eu fosse primeiro-ministro, o que eu teria era o dashboard do programa de governo que estabeleci para o país. Tinha as várias metas devidamente quantificadas e, para cada um desses, KPI [Key Performance Indicators - Indicadores-Chave de Desempenho] o que é que contribuía para esse objetivo, tudo ligado de forma dinâmica para saber onde é que estou relativamente ao que tracei.E acha que ele consegue ter isso hoje de forma eficiente?Não. Ele não tem um dashboard que tenha isto totalmente automatizado. E isto era crítico para garantir a eficiência operacional da prestação do serviço público. Mas mais do que isso: não nos esquecermos que temos hoje a obrigação, com a analítica preditiva, de antecipar as necessidades. Sermos capazes de garantir que formamos hoje os professores que vão fazer falta daqui a 10 anos, ou os médicos... Responder ao imediato, mas antecipar o futuro. E isso só é possível se lidarmos com dados realistas.. Uma universidade que abraçou a IAAo contrário de muitas faculdades, a Nova IMS não viu a IA generativa como um risco ou algo a ser excomungado do campus. Pelo contrário. “Fizemos uma parceria com a Microsoft e disponibilizámos o Azure OpenAI aos professores e alunos”, conta ao DN/DV o Miguel de Castro Neto. “Não proibimos a utilização do ChatGPT, mas dissemos: nas referências bibliográficas têm que incluir uma nova secção com os prompts que utilizaram.” Esta foi a forma de “ensinar aos alunos a manter o espírito crítico” e, até, de ensinar a utilizar as novas ferramentas. “A IA generativa não vai tornar ninguém mais inteligente”, lembra o professor. “Se a pessoa não tiver competência nenhuma, não vai adquirir competência só por ter uma licença.”.Perfil: O agrónomo que cultiva dadosMiguel de Castro Neto é Diretor da Nova Information Management School (Nova IMS), onde lidera o Nova Cidade - Urban Analytics Lab, e é também Presidente da Lisboa E-Nova, Agência de Energia e Ambiente de Lisboa. Doutorado em Engenharia Agronómica, construiu uma carreira singular na interseção entre a tecnologia e a gestão pública. Foi secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza (2013-2015), integrando os XIX e XX Governos Constitucionais, liderados por Pedro Passos Coelho.Durante o mandato, destacou-se por políticas como o programa Cidades Sustentáveis 2020, a reintrodução do lince-ibérico em Portugal e o lançamento da marca Natural.PT. Enquanto académico, destaca-se pela criação de programas inovadores, incluindo o Mestrado em Gestão de Informação com especialização em Business Intelligence, reconhecido pela Eduniversal como o melhor do mundo na sua categoria pelo sétimo ano consecutivo.