O governo moçambicano reagiu esta quarta-feira ao anúncio, pela Galp Energia, de que vai recorrer a um tribunal arbritral internacional para resolver o diferendo a respeito da tributação sobre os lucros da venda dos ativos de gás natural naquele país lusófono.Após a reunião semanal do Executivo moçambicano, em Maputo, um porta-voz governamental defendeu que está em causa a defesa dos interesses nacionais neste braço-de-ferro com a Galp. Tal como o DN noticiou em primeira mão em junho, o governo de Maputo exige que a energética portuguesa pague 168 milhões de euros em impostos sobre as mais-valias obtidas com a venda dos ativos de gás natural a uma empresa dos Emirados. A Galp considera que o encaixe obtido com a venda, no valor de 920 milhões de euros, inclui suprimentos concedidos ao longo de vários anos e investimentos realizados nos projetos em causa, pelo que a mais-valia obtida será de apenas 26 milhões de euros. Já o governo moçambicano considera que o valor da venda corresponde quase todo a uma mais-valia e que esta deve ser tributada à taxa de 17,6%. O referido porta-voz do governo, Inocêncio Impissa, sublinhou que “o que se tem que garantir é que Moçambique tire todos os benefícios a que tem direito em qualquer projeto de exploração”.Reiterou ainda que não há exageros na postura do governo, desejando apenas que “os moçambicanos retirem ou observem também ganhos que por lei tenham direito. É tão somente isto”.A Galp anunciou, na terça-feira, que formalizou o primeiro passo para a resolução do diferendo com a Autoridade Tributária de Moçambique em tribunal arbitral internacional, referente à tributação de mais-valias.“A Galp solicitará a avaliação da conduta do Estado moçambicano em relação ao litígio sobre o imposto sobre ganhos de capital decorrente da venda da participação da Galp na Área 4 de Moçambique”, informou a empresa em comunicado à Comissão do Mercado e Valores Mobiliários (CMVM).O porta-voz do governo moçambicano comentou ainda que “ir à arbitragem não significa vencer ou não uma determinada inquietação”, frisando que é um fórum para discutir os direitos das partes envolvidas.O Centro de Integridade Pública (CIP) caracterizou este litígio como um “teste” à soberania económica de Moçambique.“Esta discrepância é ainda mais questionável quando, no mesmo período, a Galp reporta um ganho contabilístico de 147 milhões de euros com a mesma transação,” observou o CIP, evidenciando uma inconsistência entre as declarações fiscais e as informações prestadas aos investidores.A decisão da Galp de recorrer à arbitragem internacional, no ICSID (Centro Internacional para Resolução de Disputas sobre Investimentos), é vista como uma “guerra de desgaste”, com o objetivo de explorar a assimetria de poder financeiro entre a empresa e o Estado moçambicano.O CIP alerta que esta estratégia pode forçar Moçambique a aceitar um acordo desfavorável para evitar custos legais que podem variar entre seis e oito milhões de dólares (aproximadamente entre 5,5 milhões e 7,3 milhões de euros), representando uma parte significativa do imposto devido.Recorde-se que o governo de Daniel Chapo está a contar com os 168 milhões de euros em impostos cobrados à Galp, no seu primeiro orçamento, que foi aprovado em maio. Com um receitas fiscais estimadas em seis mil milhões de dólares, o valor exigido à Galp corresponde a quase 5% do total de impostos que o Estado moçambicano espera arrecadar este anoGalp continua presente na distribuição de combustíveisApesar da venda dos projetos de gás natural, a Galp continua presente em Moçambique, sendo um dos principais players na área da distribuição de combustíveis. Este facto constitui um trunfo que a energética portuguesa pode utilizar nesta questão, para além do recurso a um tribunal internacional, uma vez que permanece um importante contribuinte no país. Por outro, um processo judicial num tribunal arbitral internacional colocará Moçambique em causa aos olhos dos investidores internacionais, numa altura em que o país africano precisa de captar capital para investimentos em infraestruturas e para novos projetos de petróleo e gás natural.