Estamos habituados a olhar para a Finlândia como um modelo no sistema de educação, mas o que poucos sabem é que o país nórdico também reconheceu uma metodologia portuguesa como uma das 100 melhores inovações educativas a nível mundial. O mérito é da professora e investigadora portuguesa Celmira Macedo, de Vila Nova de Gaia, e do seu projeto EKUI, uma metodologia de aprendizagem multisensorial e inclusiva que já chegou a 800 escolas nacionais.
“Vamos levar o método a mais de mil escolas e vamos voltar a reunir com o Ministério de Educação, porque seria importante ter o selo do ministério para que todas as escolas possam beneficiar de um modelo que comprovadamente melhora a aprendizagem”, disse Celmira Macedo em entrevista ao DN/Dinheiro Vivo.
Enquanto ainda não chega o selo do ministério, o EKUI contou com o reconhecimento, por dois anos consecutivos, da academia finlandesa HundrED Research, conhecida por identificar as inovações mais inspiradoras a nível mudial no ensino e educação, após longo um processo de avaliação por um vasto comité científico. Mas não só. Também foi reconhecido por entidades como o INSEAD e a ASHOKA, a associação internacional de referência para a área da inovação social.
“EKUI é o acrónimo de Equidade, Knowlege (conhecimento), Universalidade e Inclusão que são os quatro eixos do projeto”, explica a professora com uma carreira de mais de 30 anos que, em 2003, foi colocada na educação especial. “Ao lidar com estes alunos com necessidades especiais percebi que eles não estavam a aprender como era suposto e que eu não tinha ainda as competências e as ferramentas necessárias [para os ajudar]. Por isso, fui estudar e acabei por fazer um doutoramento em Salamanca, em Educação, para entender porque algumas crianças não aprendiam”. Quando percebeu que não existia nenhum modelo suficientemente inclusivo, a investigadora criou o EKUI que, nas palavras dos avaliadores da HundrED Research, “é uma metodologia de aprendizagem multisensorial e inclusiva que está a mudar radicalmente a maneira como todas as crianças aprendem e comunicam, através da empatia e inclusão”.
Qual é então a chave-mestra do modelo? “Tem um desenho universal: associa às letras do alfabeto, os sons e a forma de os produzir (alfabeto fonético), a representação da letra em língua gestual e o código Braille. Este processo ativa diferentes canais sensoriais, que por sua vez ativam diferentes áreas do cérebro, tornando a aprendizagem mais eficiente e motivadora”.
Por outras palavras, o método baseado na neurociência e psicologia cognitiva“não melhora apenas a aprendizagem de crianças com TDAH (transtorno do déficit de atenção com hiperatividade), autismo, dislexia e outras condições, como acelera a aprendizagem de todas as crianças, incluindo as que não têm problemas particulares”. Esse é o fator-chave do modelo de ensino que é indicado para o pré-escolar, primeiro ciclo do ensino básico e educação especial, aponta a professora.
Ao serem atividados vários tipos de estímulos (visuais, fonéticos e tactéis) para aprender a ler e a escrever, não é apenas a aprendizagem que sai reforçada, mas também a empatia e a auto-estima, sobretudo das crianças com algum tipo de condicionamento, descobrindo que, afinal, também são capazes de aprender. E a auto-estima está ligada a um maior nível de inclusão, o que, só por si, também é passivel de favorecer a aprendizagem.
Segundo Celmira Macedo, depois de testadas, “as crianças que tiveram contacto com esta metodologia, pontuaram duas vezes melhor do que as restantes em matérias como comunicação e linguagem, conhecimento do alfabeto e empatia e auto-estima”. Para muitas crianças com dislexia, as letras b, p e o q são muito difíceis de distinguir porque o som e a forma são parecidos. Ora, ao introduzir outro estímulo, como o Braille, oferece-se mais uma pista para a diferenciação.
Os estudos dizem-nos que “os problemas de aprendizagem podem retardar em dois anos o desenvolvimento cognitivo e até gerar depressões nas crianças” que vão continuar a funcionar como um bloqueio, pelo que são claras as vantagens de intervir em idades precoces.
Cerca de 10% da população tem dificuldades
Mesmo que a maioria da população possa não sofrer com este tipo de problemas, estima-se que entre 5% a 15% da população mundial tenha algum tipo de dificuldade de aprendizagem, o que atira este universo de pessoas para a casa dos muitos milhões.
Cabendo no figurino típico de projeto de inovação social, o EKUI tem recebido ao longo dos últimos dez anos o apoio de entidades como a Fundação BPI – La Caixa, LIDL, Fundação Montepio, Fundação EDP, entre outras. Foi também um dos projetos financiados pela Portugal Inovação Social, a estrutura de missão que funciona junto da Presidência do Conselho de Ministros, e que gere fundos do Fundo Social Europeu afetos à área da inovação social.
Mas a associação ligada ao EKUI, composta por quatro pessoas, também funciona com uma pequena componente de receitas próprias. Lançou o livro ‘EKUI e o Monstro das Barreiras’, que equipara personagens reais a super heróis no processo de eliminar as barreiras da linguagem e da aprendizagem. Para além das receitas do livro, “também vamos às escolas e damos formação a professores e pais nesta metodologia”.
O livro já foi até protagonista na hora do conto da FNAC. Mas a maior satisfação para a autora foi ouvir de uma criança, depois de o ler ou ouvir, que “afinal as letras eram fixes”.
O projeto também sabe o que são dificuldades. Enquanto desenvolvia o EKUI e escalava várias etapas para o certificar e divulgar, Celmira teve de ultrapassar não um, mas dois AVC e duas septicemias, contou. Mas, garante, “este projeto devolveu-me à vida, dá-me propósito e é muito gratificante saber que se pode melhorar o futuro de uma criança”, resume a mulher que está apostada em colocar o seu método nas políticas públicas de educação, seja em Portugal ou no mundo.