O que dizem os manuais de economia para combater o flagelo da inflação?
Nos últimos anos, para resolver a crise das dívidas soberanas, o Banco Central Europeu comprou dívida pública em barda, injetando dinheiro na economia. Quando é impressa demasiada moeda, há mais dinheiro em circulação do que produto. De outra forma, é possível aos consumidores pagarem mais, pela mesma coisa. A solução mais rápida para resolver esta inflação é "secar" esse dinheiro a mais. Esta é a política da autoridade monetária europeia e segue as regras de qualquer manual de economia: aumentar os juros de forma que o dinheiro não circule tanto, que se diminua o consumo e o investimento, de forma a retirar o dinheiro de circulação.
Mas se os preços sobem por alteração do modelo de produção, devido a uma guerra, aos confinamentos do covid, à descarbonização, à necessidade de alguma soberania alimentar, o que fazer?
Nos manuais de economia, a resposta à inflação para um choque na oferta é dada pela negativa: não se deve baixar impostos. E é fácil de entender porquê: se uma economia está perto do seu potencial, ao baixar impostos injecta-se mais dinheiro na economia, alimentando a inflação que se quer combater. Passa a haver ainda mais dinheiro para o mesmo produto. "Perante um choque negativo sobre a oferta, a política correta, a médio prazo, pode ser uma manutenção [nada fazer] ou até redução da procura agregada [mais impostos ou menos despesa pública], para aliviar a pressão sobre os preços", afirma, por exemplo, o manual de Finanças Públicas e Política Macroeconómica de Cavaco Silva e César das Neves.
Há duas exceções, embora nem sempre consensuais entre os autores. Se a inflação for grande, há que ajudar as famílias, colocando TODOS os produtos básicos mais baratos através de uma duradoura baixa de impostos. Porém, para compensar esta injeção de dinheiro na economia, os mesmos manuais aconselham uma subida de impostos sobre o rendimento. Ou seja, permite-se produtos mais baratos por um lado (menos IVA), e retira-se rendimento por outro (mais IRS). Força-se a economia a comprar produtos básicos mais baratos, sem que ninguém, em média, fique beneficiado e não permitindo inflação.
A questão, dizem a história e alguns autores, é que tal só funciona no papel, já que a opinião pública não aceitará facilmente um aumento de impostos em época de crise. E sem este efeito compensador, a redução de impostos sobre os produtos básicos será consumida no aumento ainda maior de preços, destruindo todo o benefício que se queria colocar. A título de exemplo, Samuelson, prémio Nobel e autor do manual mais popular de economia do mundo, vai mesmo mais longe e afirma que políticas de combate à inflação baseadas em impostos "são um complemento e não um substituto da disciplina do mecanismo de mercado e das políticas monetárias [juros altos] e orçamentais restritivas [menos despesa pública] para combater a inflação".
Alguns autores afirmam que, se a economia não estiver a produzir no seu potencial, há possibilidade de baixar impostos ou ter uma política acomodatícia. Porém, explicam, o foco deve estar nas empresas e não nas famílias. São as empresas que mais facilmente podem fazer crescer a economia e aumentar a produção. O resultado, explicam estes professores, será sempre um menor desemprego a salários reais mais baixos. Seja como for: em caso de inflação a prioridade fiscal não é o consumo. Ponto. Se há possibilidade de benefícios fiscais, o foco é o investimento e as empresas.
Também a história confirma este racional de não utilização da ferramenta fiscal para combater a inflação. De facto, perante o segundo choque petrolífero, em 1978-1979, alguns países, com particular destaque para o Reino Unido do trabalhista James Callaghan, adotaram a estratégia de não acomodar a inflação, numa conjuntura designada como "Winter of Discontent". Callaghan não reduziu impostos, colocou limites aos aumentos salariais e com isso promoveu uma fortíssima redução da despesa pública. Esta economia aceitou o inevitável desemprego, a redução da produção, recusando medidas de expansão artificial, que apenas aumentavam os preços. Como resultado, no início dos anos 80, a economia encontrava-se mais sólida e mais flexível, sem os efeitos nefastos da inflação - o mecanismo de preços estava a funcionar e a capacidade produtiva recuperada. Margaret Thatcher, a primeira-ministra conservadora e liberal que sucedeu a Callaghan, não fez tudo sozinha.
A economia não é uma ciência exata, mas há alguns consensos. Baixar um qualquer imposto não é a solução para todos os problemas e muito menos é "a" resposta à inflação. A liberalização dos mercados, a promoção de vias alternativas de obtenção de matérias-primas, de novas tecnologias ou de investimento, a busca de acordos salariais em sede de concertação social, entre outras, são formas mais eficientes de eliminar ou aliviar a subida dos preços.
As bandeiras orçamentais e fiscais vão agora estar em cima da mesa, sobretudo com o período populista pré-eleitoral e de afirmação das novas lideranças políticas. Era importante que prevalecessem o bom senso, a moderação e algum sentido económico.
Filipe Charters de Azevedo é CEO da Data XL e da Safe-Crop