Em tempo de guerra não se limpam armas 

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Vanguardista ou arriscada? A semana de trabalho de quatro dias não está a ser bem recebida por muitos empresários e gestores. Temem que neste contexto de crise, provocada pelos efeitos da pandemia e da guerra na Ucrânia, pode virar-se contra as empresas e os próprios trabalhadores. Ainda a ideia de teletrabalho não foi plenamente digerida e já começa outra indigestão: como fazer o mesmo em menor tempo de trabalho.

O governo lançou a ideia e quer avançar com as primeiras experiências piloto no setor privado. Mas é esse mesmo tecido empresarial que está hoje muito mais preocupado com os custos e a segurança dos recursos energéticos, o elevado preço das matérias-primas e a tendência de escalada dos salários, por ausência de mão-de-obra à medida das necessidades das empresas. Ora, trabalhar menos é tudo o que não lhes passa pela cabeça. Comércio, restauração, hotelaria, indústria e até a agricultura não encaram bem esta medida aparentemente futurista. Reclamam precisar das suas pessoas a 100% e não a 80% para inverter o ciclo de crise e recuperar os longos dois anos e meio perdidos com a pandemia de covid-19.

Na opinião de um ex-primeiro-ministro e antigo presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, "é prematuro falar nisso no nosso país, o mais importante não é a quantidade mas a qualidade do trabalho num país com problemas de produtividade. Se ainda reduzimos mais o tempo de trabalho vamos ter problema maior na produtividade". O antigo governante prefere falar em "flexibilidade", conceito que "foi acelerado com a pandemia". Já "dar uma imagem de trabalhar menos não me parece um sinal adequado".

A flexibilidade é o conceito de que os assalariados precisam para melhor conciliar a sua vida profissional e laboral. Já a semana de quatro dias - ainda que seja uma tendência mundial dos países civilizados, com alto produto interno bruto (PIB) per capita e mais envelhecidos - para os trabalhadores a aparente benesse corre o risco de se tornar num presente envenenado, ou seja, podem ser forçados a ter de laborar o mesmo que em cinco dias mas apenas em quatro, ficando assim soterrados em carga de trabalho e colocando em risco não só a produtividade, mas a saúde e o bem-estar no trabalho. Em tempos de guerra não se limpam armas. E é tempo de pegar nelas todos os dias e não de as deixar a descansar em 20% do horário.

Jornalista

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