Empresa que está a criar Soldado do Futuro para o Exército português já exporta 70% do negócio

Fornecedores e talento nacional ajudam ao sucesso da EID. Com soluções totalmente construídas em Almada, hardware e software próprios e um quarto da equipa dedicada a I&D, receitas chegam a 24 milhões e os produtos a 35 países. CEO, Frederico Lemos, diz que defesa bem equipada e informada é fundamental para a paz.
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Há um novo projeto nas mãos dos 130 trabalhadores da EID. O Soldado do Futuro está a ser desenvolvido pela equipa maioritariamente constituída por engenheiros para dar a cada elemento do Exército a possibilidade de ter informação real e ao momento sobre o que se passa num cenário de conflito. É um projeto altamente inovador e que promete revolucionar a capacidade de ação das tropas pelo acesso a dados detalhados num tablet individual, informação até agora só disponível em alguns postos militares estratégicos. E mesmo em fase de desenvolvimento, o seu potencial é tal que o projeto tem já interessados além-fronteiras.

"Quanto mais informação tivermos, mais exatas podem ser as decisões tomadas", explica ao Dinheiro Vivo Frederico Lemos, CEO da EID, empresa sediada na Charneca da Caparica e cujo capital é partilhado pelo Grupo Cohort (Reino Unido), pela Defesa portuguesa (idD) e pelo IAPMEI. Sobre os interessados no Soldado do Futuro, não pode adiantar nada: "Está a haver conversas, sob regime de confidencialidade." E apressa-se a esclarecer que a EID não trabalha na indústria da guerra, "nós fazemos defesa". "Damos um contributo importante às Forças Armadas (FA) portuguesas, assegurando-lhes meios que permitem boas tomadas de decisão. As fragilidades são oportunidades para as coisas não correrem bem. Aumentar a robustez e a capacidade tem um efeito positivo: se as FA são boas e estão bem informadas, isso ajuda a tomar decisões e a evitar conflitos."

Com quase 40 anos de vida, a EID é a única em Portugal a trabalhar ao nível das comunicações militares complexas de voz e dados. No mercado de sistemas de comunicações de veículos está no top 5 mundial. E ainda que na sua área de atividade haja uma dezena de gigantes, como a Thales, tem conseguido ir além dos clientes domésticos e afirmar-se em nichos do mercado internacional, graças às suas capacidades específicas e ao valor diferenciado que entrega. "Conseguimos encontrar nosso espaço", resume Frederico Lemos.

O core do negócio são os sistemas de comunicações montados em veículos militares de terra e mar e o valor que a EID oferece é a forma única de lhes dar vida, montando-os de forma distinta da que assiste as comunicações civis para garantir segurança absoluta. Todos os projetos são desenhados e construídos na empresa, - hardware e software -, recorrendo a uma equipa constituída em 70% por engenheiros, um em cada quatro deles dedicados a investigação e desenvolvimento (I&D). Manter a empresa a par da tecnologia de ponta e assegurar uma arquitetura nos sistemas que garanta resiliência total - os equipamentos têm de suportar grandes diferenças de temperatura, choques violentos e sobreviver nas condições mais adversas - são requisitos que a EID tem conseguido cumprir. E isso tem-lhe garantido crescimento.

"O negócio da Defesa oscila. Há contratos que podem fazer a diferença num ano, dois ou três fazem variar muito os resultados, mas temos tido uma tendência de crescimento e no ano passado conseguimos recorde de resultados." Mesmo com grande parte dos orçamentos nacionais a serem desviados para a saúde e a economia social devido à pandemia, somaram 24 milhões de euros de faturação e juntaram a Grécia aos 35 países que já operam sistemas da EID - e que incluem já países como a Austrália, a Alemanha, a Holanda, o Reino Unido, o Egito. A empresa admite que está a olhar para África - "o futuro tem de passar muito pela exportação, que já representa 70% do nosso negócio, diz o CEO" -, mas a grande aposta será a Ásia. Além do reforço na Europa, que Frederico Lemos reconhece que seria importante para a empresa mas também para a região.

Com perto de mil milhões reservados no orçamento para este ano, "o Fundo de Defesa Europeu é uma importante aposta da União, é uma boa notícia", diz o CEO, defendendo que além do tema da Defesa em si, "o aport tecnológico e industrial que esta indústria traz à região garante autonomia e robustece a economia local". E o ataque russo à Ucrânia que nesta semana fez a guerra regressar à Europa poderá contribuir para a "perceção da importância de reforçar a Defesa, uma ferramenta fundamental para manter a paz". Portugal pode afirmar-se neste caminho, com aposta na indústria nacional e o reconhecimento e validação do que aqui se faz em operações internacionais. "A EID tem 150 empresas fornecedoras portuguesas cuja capacidade pode dar essas provas e ser potenciada", resume Frederico Lemos.

Mesmo com a forte aposta no que se faz cá dentro e a estratégia de montar os sistemas a partir do zero nos laboratórios da empresa, a EID não ficou imune à crise dos chips, já que não existe produção europeia de semicondutores. " Trabalhamos com processadores de grande capacidade, porque a informação não pode ter atrasos, tem de ser dada em tempo real, e estamos a competir com indústrias gigantes, que também têm dificuldades e acesso mais facilitado aos componentes. Nos contratos plurianuais, de três ou quatro anos, ainda conseguimos antecipar, mas noutros ficámos sem chão, a tentar ir comprar componentes a empresas que os tivessem em stock, porque as entregas passaram de prazos de duas para 56 ou mais semanas. E isso teve impacto: neste ano, mesmo que os contratos se tenham mantido, terá de haver um ajuste no volume de negócios da EID por causa da suply chain." E afetou toda a cadeia de valor. "A parte mecânica do nosso sistema é feita de alumínio, numa empresa que faz os moldes e depois a injeção; e também as suas matérias-primas sofrem atrasos e aumento de preços."

Critical Software é parceira, talento fundamental

Já na crise de mão-de-obra que afeta toda a Europa, sobretudo quando se fala de recursos humanos mais qualificados, a EID tem conseguido manter o valor sem grande turnover de talento. Para isso, Frederico Lemos acredita ser um fator chave o facto de os engenheiros - recrutados em universidades como o Técnico ou a Nova ou vindos de outras empresas para já trazerem consigo "valor, conhecimento e experiência de mercado com que também podemos aprender" - estarem envolvidos em projetos de raiz. "Ao desenvolvermos o software e o hardware, conseguem ter uma noção mais clara do que estão a construir e sentir que têm impacto e capacidade de decisão no que vai ser o sistema. O fator motivacional é essencial para reter o talento", frisa, ainda que o salário acima da fasquia (2200 euros, em média) não seja de desvalorizar.

E como é que se desenvolve e cria interesse no mercado por produtos cujo valor passa tanto pelo segredo? "Com demonstrações em campo", explica Frederico Lemos, lembrando que a Defesa é um setor "muito conservador", além do que o produto da EID não é comum: "É preciso ver para crer, ou melhor, testar para ver do que é capaz, porque aqui há muito pouca margem para falhar."

A ligação direta e profunda às Forças Armadas portuguesas ajuda a definir caminhos - "são um ótimo motor da inovação e permitem-nos alinhar a direção ao sabor das dificuldades e necessidades que têm, mas há muito de futurologia, desenvolvemos sistemas que achamos que vão ser úteis e que vão responder às necessidades daí a cinco anos", assume o CEO.

O Soldado do Futuro é um desses casos, uma solução inovadora que a EID acredita ter futuro e está a desenvolver para o Exército português - e não deve estar errada, dado o interesse que já despertou noutros parceiros europeus, aos quais vai fazer demonstrações e provas de campo -, que conta com uma recente parceria com a Critical Software. "Esse projeto permitirá trazer a nossa componente de hardware e software de baixo nível e integrá-lo com o interface battle management system, que coloca informações de batalha num terminal de dados", diz Frederico Lemos. Conforme as empresas explicaram em dezembro, quando comunicaram a parceria, os recursos de comunicação digital e troca de informações da EID - rádios pessoais, portáteis e manpacks, integradores de dados e energia, terminais de dados, sistemas de intercomunicação, serão usado em conjunto com a EyeCommand, solução da Critical Software, fornecendo recursos de comando e controlo e uma imagem operacional comum, permitindo uma tomada de decisão mais rápida e precisa nos níveis tático e operacional.

Toda a tecnologia é combinada para que a informação chegue no tempo certo e com a prioridade certa ao homem no campo. E nesse processo, Inteligência Artificial e machine learning têm sido valiosos aliados. "O desafio é como usar a informação para ajudar aos processos de decisão dos operadores, como priorizar, selecionar e apresentá-la com valor para que tenham melhor consciência do que se passa à volta. O nosso I&D está muito atento", confirma o CEO, admitindo que a empresa tem vindo a reforçar, no plano estratégico, investimento em novas soluções. "A inovação é o caminho para garantir a perenidade, porque a tecnologia está sempre a mudar, os requisitos operacionais e técnicos estão sempre a evoluir e nós temos de nos manter criativos e com capacidade de investir em I&D."

O que nem sempre é simples em empresas como a EID, em que os ciclos de desenvolvimento e de negócio também são longos: da decisão de construir um novo navio até ao contrato, são cinco anos; para um sistema que integra uma viatura uns três. "Há sempre risco na decisão", diz Frederico Lemos, "mas ouvimos muito os nossos clientes, os seus desafios e dores guiam-nos e temos feito boas escolhas".

Ciber-risco e defesa de serviços de emergência

Proteger a tecnologia e a inovação produzida é outro desafio que tem crescido em dificuldade - "já tivemos casos de reverse engineering dos nossos sistemas, chegámos a uma feira e vimos um sistema aparentemente igual ao nosso no stand de outra companhia, mas as soluções acabam por não ser nem parecidas precisamente porque temos muito cuidado no desenvolvimento vertical do que produzimos e travamos acesso ao software com o sistema integrado. Pode parecer igual mas uma solução nossa não é possível de replicar."

E conforme a frequência e a sofisticação dos ciberataques vão aumentando, também a proteção nos equipamentos da EID vai subindo, em várias camadas. "Trabalhamos muito o foco na segurança da empresa e temos processo de certificação da segurança da informação (ISO 27001), IP seguro, informação dos clientes protegida. Nos nossos sistemas, a informação é crítica e por isso pensamos ao detalhe como separá-la e protegê-la."

O Cyber Academia and Innovation Hub (CAIH), criado em 2020 pelo governo para desenvolver a área de cibersegurança e ciberdefesa, e em que a EID é parceira, dará um impulso nesse desígnio de proteção. "É fundamental, porque o ciber-risco não vai desaparecer, antes intensificar-se", diz Frederico Lemos, apontando porém que a maior fragilidade dos sistemas é o erro humano dos stakeholders. "Os utilizadores são os grandes enablers das fuga de informação, que permitem aos atacantes entrar pela porta da frente sem deteção, e nessa altura, por mais seguro que seja o sistema, podem tudo."

Deviam os sistemas de emergência estar mais salvaguardados, menos dependentes de infraestruturas com algum grau de vulnerabilidade? Podiam bombeiros e INEM, que ficaram sem comunicações aquando do ataque à Vodafone, e o SIRESP, inoperacional nos fogos de Pedrógão, estar mais protegidos se recorressem a serviços como os da EID? O CEO recusa comentar soluções e casos concretos. Diz apenas que, na generalidade, "sistemas de emergência menos suportados por infraestruturas que possam ser afetadas por catástrofes naturais e outras situações que deve apoiar são mais resilientes". "A EID está sempre disponível para ajudar o país, para trabalhar numa solução que sirva os melhores interesses do Estado e das populações, discutir opções. O que importa é a arquitetura, a solução e o valor que se pode trazer a esses serviços base de emergência." E mais não diz.

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