Empresários assustam-se e cortam no outlook do emprego após Costa anunciar nova contenção

Planos para criar emprego até março estavam em expansão na maioria dos setores inquiridos pelo INE. Mas depois veio a ómicron. Ânimo cedeu em setores como transportes, hotelaria e restauração, imobiliárias, comércio. Só estes são responsáveis por 1,2 milhões de postos de trabalho.
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A maioria dos mais de 3500 empresários ouvidos ao longo de dezembro (até às vésperas do Natal) pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) está a sinalizar um retrocesso nas perspetivas (outlook) para o emprego a criar nos próximos três meses (até ao final de março). Podem ser menos contratações, despedimentos ou não renovação de contratos.

De acordo com os inquéritos sobre a confiança económica, até novembro, o outlook do emprego da maioria dos setores estava a correr bem e a melhorar, mas em dezembro, nova vaga, nova interrupção. O fenómeno é sobretudo evidente nos serviços, que valem dois terços da economia nacional.

O INE fez os novos inquéritos aos empresários de 1 a 23 de dezembro de 2021, inclusive, depois de o primeiro-ministro (PM), António Costa, ter anunciado, a 25 de novembro, a primeira versão do novo confinamento parcial (a "semana de contenção" de 2 a 9 de janeiro 2022).

Entretanto, a 21 de dezembro, com os números da pandemia a aumentarem brutalmente, Costa viria a avançar com a antecipação das medidas de travão à covid para 26 de dezembro. Ou seja, este inquérito de dezembro também já reflete esse anúncio feito mesmo antes do Natal.

Além disso, ao longo de dezembro, muitos municípios cancelaram inúmeros eventos de Ano Novo, como festivais de fogo de artifício e concertos, forçando ainda mais a redução da faturação de milhares de empresas.

Em dezembro, nas séries oficiais sobre a opinião dos empresários, os níveis gerais de confiança parecem estar num ponto de impasse ou de estabilização em vários setores de atividade, puxados para cima pela evolução recente da economia antes do embate da quinta vaga e da descoberta da variante ómicron do coronavírus.

No entanto, quando se olha de perto, a opinião dos gestores sobre a evolução do emprego nas respetivas organizações, no curto prazo, decaiu seriamente.

O ânimo esmoreceu e muito ao longo de dezembro, sobretudo nos serviços em setores como transportes, hotelaria e restauração, imobiliárias, comércio retalhista e grossista (ver infografia seguinte). Estes setores representam mais de 25% do emprego total em Portugal. Estamos a falar em mais de 1,2 milhões de postos de trabalho.

E até a indústria transformadora (mais de 800 mil trabalhadores), cujo outlook do emprego conseguiu recuperar rapidamente em 2020 no pós-primeira vaga, se ressente, agora, o que também estará relacionado com as roturas nas cadeias de fornecimento de matérias-primas e o custo exacerbado da energia que se agravaram no segundo semestre do ano passado.

As únicas atividades que destoam realmente são construção e obras públicas e as consultoras, onde os gestores contactados se mostram mais confiantes na criação de emprego entre dezembro e março de 2022. Não será irrelevante o anúncio de várias linhas de financiamento de valor significativo no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

Como referido, o INE ouviu cerca de 3500 gestores ou empresários entre 1 e 23 de dezembro. Perto de 900 da indústria, 500 do setor da construção, 1000 do comércio (grosso e retalho) e 1100 nos serviços (sem contar com o comércio).

Mau começo em 2022, ano de mais ameaças

As perspetivas de emprego estão a piorar na maioria dos negócios e a primeira semana de janeiro também não deve ser de feição.

O indicador diário de atividade económica (DEI) calculado pelo Banco de Portugal (BdP) está a ter um comportamento muito oscilante nos últimos tempos, mas a média móvel semanal (que mostra a tendência) degradou-se claramente entre o início de dezembro e a semana terminada a 9 de janeiro.

E desde 18 de dezembro que entrou em território negativo, ou seja, há sinais claros de que a atividade está a recuar desde essa altura.

Analistas e várias instituições de referência avisam que os riscos são reais e podem complicar a retoma ainda mais nos próximos tempos.

O gabinete de estudos da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) diz no novo outlook de riscos que a nível macro os riscos "mais significativos" em 2022 são "a expectável normalização da política monetária", como aliás já aventou o Banco Central Europeu em dezembro.

Risco de mais insolvências

A Comissão de valores acrescenta ainda como ameaças: "As pressões inflacionistas, o phasing out [descontinuação] de apoios públicos a famílias e empresas e o fim das moratórias serão desafios particularmente relevantes em 2022, uma vez que poderá assistir-se à deterioração da situação financeira das famílias e Estados e ao avolumar de insolvências em alguns setores de atividade".

Com mais insolvências, a retoma do emprego sai diminuída, claro.

"Os setores de atividade afetados pela pandemia podem enfrentar risco de insolvência quando os apoios forem retirados, com consequências sobre o nível de desemprego de algumas camadas da população ligadas a esses setores", acrescentam os peritos do regulador dos mercados de capitais.

"O risco de insolvência das empresas não financeiras poderá agravar-se com o phasing out de medidas de apoio governamentais" e "esse risco é mais pertinente para as empresas do setor dos serviços e as pequenas e médias empresas (PME), que podem enfrentar um aperto das condições de refinanciamento da dívida ou uma retoma mais lenta da atividade", avisa a CMVM.

Também há riscos positivos, claro. As poupanças exacerbadas acumuladas durante a pandemia (por causa dos confinamentos aliados à manutenção de muitos empregos amparados pelo financiamento do Estado aos lay-off) podem vir a ser libertadas agora, acenou Mário Centeno, o governador do BdP. A CMVM tem o mesmo entendimento.

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