
A meta é chegar a 2025 com as exportações nacionais a valerem 50% do produto interno bruto (PIB) e aos 60% em 2030, mas a trajetória dos últimos dois anos não está a facilitar o objetivo. Em 2023 ficou-se pelos 47,4% e, este ano, no primeiro semestre, não foi além dos 47%. A conjuntura internacional não ajuda, mas, mesmo assim, a angariação de novos clientes e a diversificação de mercados é vital para muitas empresas que continuam a investir fortemente na presença em feiras internacionais, como montra privilegiada para darem a conhecer as suas marcas e produtos. A questão é que o próprio negócio das feiras tem vindo a mudar e a pandemia acelerou-o. E em alguns mercados e setores, como o da moda, há certames internacionais a perder expositores e visitantes, ano após ano. As feiras ainda fazem sentido ou são um negócio em declínio? Sim, garantem as associações empresariais dos principais setores exportadores, assegurando que mesmo em transformação, não há melhor forma de contacto com os potenciais clientes que as feiras, podendo e devendo ser complementadas com outras iniciativas mais digitais.
De acordo com os dados da UFI, a associação internacional da indústria de exposições, o setor foi responsável, em 2019, por receitas diretas de 125,6 mil milhões de euros com a venda 147 milhões de metros quadrados de espaço de exposição. A falta de dados pós-pandemia obriga à auscultação dos que alugam estes serviços. E para a associação da metalurgia e metalomecânica, a quebra na procura das feiras, quer por parte de expositores quer de visitantes é um “ajustamento normal” do mercado numa altura em que “muitos setores de atividade estão a redefinir” os seus modelos de negócio e estratégias de internacionalização. No entanto, garante a AIMMAP, mesmo com a crescente digitalização na metalurgia e metalomecânica também no campo da comunicação, “para o setor não existe ainda uma alternativa competente que possa substituir a participação em feiras”.
Este setor, que se assume como o ‘campeão das exportações’, fechou 2023 com novo recorde, ultrapassado os 24 mil milhões de euros de vendas ao exterior, quase um terço do total nacional. Este ano, no acumulado dos primeiros sete meses, está a cair 6,1%para 14.065 milhões de euros. O Metal Portugal, a marca coletiva da fileira, terá uma participação coletiva de mais de uma centena de empresas em 11 feiras, este ano - incluindo duas em solo nacional -, sendo que o número total de iniciativas no exterior tem vindo a crescer.
Em especial nos seus principais mercados de destino, como Espanha e Alemanha, o Metal Portugal fez, só nos últimos dois anos, “mais três ou quatro novas feiras, uma estratégia que se tem revelado vital para consolidar e incrementar o setor metalúrgico e metalomecânico em mercados importantes e estratégicos”, destaca o vice-presidente da AIMMAP.
Rafael Campos Pereira acredita mesmo que a presença nos principais certames internacionais “é uma estratégia de algum modo incontornável”. Em causa estão sobretudo feiras de subcontratação industrial, que envolve “produtos e serviços altamente especializados e de elevado valor acrescentado”, pelo que o contacto presencialé fundamental. “A prova disso é a consistência da participação coletiva do setor, há vários anos consecutivos, em grandes certames mundiais como a Hannover Messe na Alemanha, MetalMadrid em Espanha, Global Industrie em França, onde aliás o Metal Portugal se destaca há vários anos com a maior participação estrangeira no MIDEST (uma das quatro feiras que integra o certame), e também na Elmia Subcontractor na Suécia, entre outras”, acrescenta.
Rafael Campos Pereira admite que, a médio prazo, o setor “poderá pensar numa solução híbrida”, em que a presença em feiras é complementada por instrumentos e estratégias digitais, mas lembra que essa evolução “está necessariamente indexada à maturidade digital das empresas, não só do setor, mas também de setores potenciais clientes e parceiros”. De qualquer forma, acredita, “dificilmente poderemos pensar num cenário em que as feiras simplesmente não existem.
Custo das feiras não ajuda
Também o agroalimentar tem vindo a apostar crescentemente em certames internacionais como forma de promover o crescimento das exportações que, em 2023, aumentaram 6,5% e chegaram quase aos 10 mil milhões de euros. Este ano, até julho, estão a cair 6%, ficando-se pelos 4.733 milhões, mas nem por isso o setor abrandou a presença internacional.
A PortugalFoods, a associação que lidera o cluster, organiza, este ano, a presença coletiva em sete certames internacionais, com 116 participações, contra os 80 expositores que levou a seis feiras em 2023.
“A expectativa que tínhamos, em 2019, é que a participação em feiras estaria a ficar esgotada. Com a pandemia e o novo arranque nas saídas para o exterior, parecia que nada voltaria a ser como antes. No entanto, em 2022 e 2023, a dinâmica voltou e, apesar de algumas feiras terem perdido expositores e visitantes, nos maiores certames isso não aconteceu. Este ano, tivemos mesmo empresas em lista de espera em algumas feiras o que só tinha acontecido antes da pandemia”, diz a diretora executiva da PortugalFoods.
Deolinda Silva reconhece que há feiras que são “muito onerosas”, obrigando a um “investimento muito grande”, pelo que é importante que sejam “devidamente preparadas”. E, claro, devem ser complementadas com missões/visitas de preparação e/ou follow-up, efetuando um store check/retail tour e promovendo ações de degustação e workshops sobre os produtos, junto de compradores.
O “elevado custo de participação” em feiras, a par da “enorme dificuldade de operacionalização dos apoios públicos à promoção externa” - leia-se, atrasos no pagamento da comparticipação dos fundos comunitários -, aliados às condições economicas e aos conflitos em alguns mercados ajudam a explicar a redução no número de empresas a participar em eventos internacionais. A PortugalFoods dá o exemplo da China, mercado de “enorme potencial, que demorou a sair da crise pandémica e que se alterou profundamente em termos de mercado” e ao qual as empresas “estão a regressar muito lentamente”.
Por outro lado, Deolinda Silva reconhece que houve também uma “proliferação exagerada” de feiras, em vários países, levando quase a sobreposição de datas ou a demsada especialização.E, por isso, “há muitos certames que estão a desaparecer ou a reformular-se”, garante, sublimnhando que esta situação é visível em Itália, por exemplo.
Para esta responsável é claro que as grandes feiras, como a Anuga, na Alemanha, ou a Sial Paris, em França, vão continuar a crescer e a evoluir, mas o número total de eventos “deverá diminuir”, eventualmente até através de dinâmicas de fusão ou de joint-ventures.
Diferentes são também as dinâmicas no mundo da moda ou no segmento das madeiras e mobiliário, por exemplo. É que se no têxtil e vestuário e no calçado as empresas estão a demorar a regressar, em pleno, às feiras, pelo menos na dimensão em que o faziam antes da covid-19, o presidente da AIMMP, a associação das madeiras e mobiliário, garante que tem tido “forte adesão e interesse” das empresas às iniciativas de promoção internacional que organiza, mais ainda depois da pandemia.
“Tudo isto depende, muitas vezes, da agressividade comercial com que trabalhamos”, diz Vítor Poças, lembrando que, pela sua dimensão, esta é uma fileira que tem necessariamente que avançar para os mercados internacionais. “Portugal é um mercado pequeno, e com um poder de compra limitado. O mobiliário português é caro, não é fácil de vender no mercado nacional”, afirma.
Por outro lado, assegura, o design português soube tornar-se apelativo para mercados diferenciados, seja na Europa, nos EUA ou no Médio Oriente, países em que o setor tem vindo a apostar fortemente nos últimos dois anos. E vai continuar a fazê-lo, com duas candidaturas já submetidas para projetos de promoção internacional em 2025 e 2026, reeditando a presença nas feiras “inevitáveis e imprescindíveis”- como uma Decorex, que decorre para a semana em Paris e tem este ano um pavilhão a mais, ou uma Orgatec, na Alemanha -, a par de uma “incursão mais sustentada e diversificada” no mercado norte-americano.
Esforço comercial deve ser intensificado
Já o têxtil e vestuário e o calçado continuam a marca presença nas principais feiras europeias, mas estão, também, a diversificar as geografias. Estados Unidos, com a presença, pela primeira vez, na feira de ATlanta, e Coreia do Sul foram as novas apostas do calçado este ano e, para o próximo, a intenção é regressar ao Japão e abordar o Médio Oriente.
"Para um setor que exporta 90% da sua produção, a promoção comercial externa é essencial. No passado, a estratégia consistia em exclusivo na participação em certames no exterior. Hoje, em especial depois da pandemia, diversificamos muito os investimentos. As nossas ações de valorização da oferta (desde marketing digital até à realização de campanhas orientadas para os mercados) já significam cerca de 30% do nosso orçamento global", explica o porta-voz da APICCAPS - Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos.
Quanto às feiras, Paulo Gonçalves acredita que continuam a ser "descisivas". "Ainda assim, hoje são cada vez mais profissionais, mais focadas, até regionais. Terão menos visitantes, os negócios podem não se efetivar no momento, mas criam novas condições de negócios", argumenta.
No têxtil e vestuário, a situação é ainda mais particular. A Operação Maestro, desencadeada pela Polícia Judiciária em março, para investigação de suspeitas de crimes na obtenção de fundos comunitários por parte da Associação Selectiva Moda e de Manuel Serrão, o seu líder, deixou as empresas do setor sem apoios para a participação em feiras. A ATP - Associação Têxtil e Vestuário de Portugal submeteu já um a candidatura para um projeto de internacionalização que, se aprovado, "permitirá a participação coletiva de empresas em mais de 40 feiras ao longo de quase dois anos".
Sobre as feiras propriamente ditas, a diretora-executiva da ATP admite que há grandes diferenças entre os vários certames, bem como nas estratégias adotadas pelas empresas. "De facto, algumas feiras perderam relevância, enquanto outras mantiveram ou até aumentaram o seu potencial. Expositores e compradores estão cada vez mais seletivos nos seus investimentos, e encontrar a combinação perfeita entre os interesses de ambos é um desafio constante", refere Ana Paula Dinis, que lembra que o setor é composto por cerca de seis mil empresas, das quais muitas nem sequer exportam diretamente ainda. E quem o faz, está muitas vezes dependente de um número limitado de clientes e mercados.
Razão porque, reconhece, "há ainda um grande trabalho a fazer neste campo". E sublinha: "Em momentos de menor dinamismo económico, como o que enfrentamos, o esforço comercial deve ser intensificado, e as participações coletivas em feiras representam uma enorme mais-valia, sobretudo para as pequenas e médias empresas, que dispõem de recursos limitados".
Luís Miguel Ribeiro: “As feiras continuam a ser ‘plataformas globais de negócios’”
O digital ajuda, mas não substitui a ida aos mercados, acredita o presidente da AEP. A associaçáo tem a dupla visão de organizador de feiras, na Exponor, e de entidade que leva empresas ao estrangeiro em busca de novos mercados, através da AEP Internacional. Só em 2023, o projeto BOW - Business on the Way levou mais de 200 empresas em 27 ações, entre feiras internacionais (19) e missões empresariais em 23 mercados distintos. Este ano serão cerca de 250 em 20 feiras e 10 missões empresariais. Antes da pandemia,num período de "intensa atividade", a associação fazia uma média de 36 ações por ano e contava, em média com 311 participações. A recuperação tem sido "promissora", mas lenta, sugerindo que as empresas estão a regressar às suas estratégias internacionais "de forma cautelosa".
É notório que, em alguns setores, as feiras têm vindo a perder expositores e visitantes. Ainda são a melhor forma de captar clientes além fronteiras?
Continuam a ser uma das formas mais eficazes para a internacionalização das empresas, para muitos dos setores de atividade económica, onde o contacto direto e a construção de confiança são fundamentais. O envolvimento presencial nas feiras possibilita às empresas apresentar inovações e sentir o pulso do mercado, algo que muitas vezes é difícil de replicar apenas no digital. Feiras internacionais permitem não só consolidar a presença nos mercados, mas também explorar novas oportunidades, seja por meio de parcerias comerciais, seja pela compreensão das tendências globais.
A quebra na procura é uma realidade europeia ou alargada a outros blocos económicos?
Embora a quebra na participação tenha sido notada em muitos dos eventos europeus e internacionais, as feiras de grande escala em mercados-chave continuam a atrair expositores e visitantes de todo o mundo. Estes eventos têm mantido um elevado nível de participação internacional. Por exemplo, a edição de 2024 da Arab Health contou com mais de 3650 empresas de 150 países e 110 mil visitantes, evidenciando o papel crucial que estas feiras continuam a desempenhar para a exploração de novos mercados e para o desenvolvimento de parcerias estratégicas em regiões em crescimento.
Que futuro vê para o setor?
As feiras continuam a ser “plataformas globais de negócios” por excelência e acreditamos que continuarão a ser canais promissores para o futuro, não obstante poderem evoluir de forma a agregar o elemento digital.
E que desafios enfrenta?
Falando do setor em Portugal, e em particular na Exponor, um dos principais desafios é o estado da economia no nosso mercado interno. Esta variável tem um impacto direto no desenvolvimento das nossas feiras. Outro desafio é a concorrência de produtos, particularmente os que são organizados no estrangeiro. Notamos que as feiras em Espanha e as feiras mais centrais realizadas noutros países tem algum impacto nas nossas, em especial quando os expositores e visitantes são obrigados a decidir em qual participar.
E a digitalização?
Com cada vez mais soluções digitais a apoiar as vendas e a divulgação, temos de nos preocupar em fazer com que as feiras não sofram com essa concorrência, mas sejam complementos à mesma. Por último, diria que há que compreender bem os mercados em que atuamos.Temos de ser capazes de oferecer experiências relevantes e não apenas um local de exposição. Há realmente uma nova forma de organizar feiras e uma nova forma de estar nas feiras. Saímos de um negócio com uma forte vertente de exposição pura, onde o que interessava eram os metros quadrados vendidos, para um modelo onde entregamos experiências e asseguramos formas de criar ligações entre todos os interessados de um setor. Este será sim, o novo caminho a seguir – Experiências, Formação, Conhecimento e Networking.