O valor das empresas da Bolsa portuguesa mais do que duplicou, entre 2014 e 2023. Somando todas as cotadas, a capitalização bolsista em ações da Euronext Lisbon totaliza 97 mil milhões de euros no final de 2023, mais 49 mil milhões de euros face ao final de 2014 (48 mil milhões de euros)..Os números partilhados com a comunicação social pela Euronext, dona da praça nacional, no final de fevereiro, enchem o olho. Até porque a capitalização bolsista de 2023 regista um crescimento homólogo de 17%, para o maior valor dos últimos 20 anos e que equivale a mais de 40% do PIB português (a preços de mercado). Os analistas contactados pelo Dinheiro Vivo, todavia, fazem uma leitura mais refinada..“Se olharmos para a valorização do PSI, o índice que incorpora as 16 maiores empresas portuguesas, essa duplicação não aconteceu. Pelo contrário, dependendo da data, essa métrica caiu ou ficou estável”, afirma Henrique Tomé, analista sénior de mercados financeiros da XTB. A evolução do valor global das empresas na Euronext de Lisboa “aconteceu devido às entradas de novas empresas portuguesas para a Bolsa, e não pela valorização das cotadas”..Comparativamente com outras bolsas de valores controladas pela Euronext, a evolução da capitalização bolsista em Lisboa, entre 2014 e 2023, só fica atrás das praças de Amesterdão (Países Baixos) e Paris (França)..Segundo Henrique Tomé, nos últimos dez anos, a Bolsa holandesa capitalizou cerca de 103 mil milhões de euros e a praça francesa ganhou aproximadamente 45 mil milhões de euros. Em Milão (Itália) as cotadas ganharam perto de 25 mil milhões de euros e as empresa da praça de Oslo (Noruega) valorizaram mais de oito mil milhões, enquanto o valor das cotadas de Bruxelas (Bélgica) encolheu perto de 27 mil milhões de euros e em Dublin (Irlanda) recuou cerca de 46 mil milhões..A evolução da capitalização bolsista das empresas portuguesas é positiva - é um facto. Contudo, de acordo com os números partilhados pelo analista da XTB, no final de 2023, a capitalização bolsista das empresas na Bolsa portuguesa só se aproxima da Irlanda, onde todas as cotadas na Euronext totalizam 97,04 mil milhões de euros. A realidade é muito diferente nas outras praças da Euronext, especialmente em Paris, Oslo e Amesterdão, onde o valor global cifra-se em biliões de euros..O risco manda no capital.Pode a capitalização bolsista da praça portuguesa crescer nos próximos dez anos, ao ponto de aproximar Lisboa das congéneres? “Se assumirmos que o ambiente económico português é favorável para a entrada de novas empresas na Bolsa, esse aumento de capitalização poderá continuar. Caso contrário, parece improvável”, nota Henrique Tomé, realçando que dependerá do desempenho do PSI, que negoceia “aproximadamente 54,75%” abaixo do máximo histórico que o índice em julho de 2007 [13.761,95 pontos]. “Ainda está bastante longe desse pico”, refere..“A capacidade [das empresas cotadas] para inovar e entrar em novos mercados será crucial para igualar ou superar o crescimento dos últimos dez anos”, nota o diretor de plataformas de negociação e corretagem do Banco de Investimento Global (BiG), Steven Santos, considerando que “o PSI tem muitas empresas exportadoras, reduzindo a sua dependência face à economia portuguesa”..Os dados da Euronext indicam que o PSI avançou 11,7%, em 2023. Menos face aos principais índices francês (CAC 40, +16,5%), holandês (AEX, +14,2%), italiano (FTSEMiB, +28,03%) ou espanhol (IBEX, +22,76%), num ano marcado por mudanças nas políticas monetárias dos vários bancos centrais..Henrique Tomé, da XTB, lembra que o PSI está “muito concentrado” em empresas dos setores das utilities (30%), bens de consumo não duráveis (18%), financeiro (15,3%) e energético (15%), uma constituição que “faz com que nestas alturas [o PSI] tenda a beneficiar dos ciclos económicos”. Contudo, o analista prevê “que o abrandamento da atividade económica se intensifique” este ano, o que “deverá afetar negativamente”..Steven Santos, do BiG, salienta que o último ano foi “de ganhos expressivos”. A opinião é corroborada por João Queiroz, diretor de trading do Banco Carregosa. Porém, Queiroz alerta para os “sinais de mudanças nas condições económicas”, nos primeiros meses de 2024, que podem influenciar o PSI..“O desempenho do PSI dependerá da perceção do risco soberano em que se destaca a instabilidade política e o seu impacto na mais incerta trajetória do endividamento público e do PIB. [...] Existem fatores que podem determinar o desempenho do mercado de capitais nacional em 2024 como o crescimento económico global em que a desaceleração pode afetar negativamente. Na política monetária, a descida das taxas de juro pelos bancos centrais tende a incrementar a apetência dos investidores por ações, mas uma instabilidade política poderia afetar negativamente o mercado de capitais onde as empresas se financiam. Nuclear e relevante serão as expectativas de receitas e de resultados das empresas que constituem o motor para o desempenho das cotadas”, explica o responsável do Banco Carregosa..Investir na praça nacional.O jogo da bolsa é volátil e, apesar do desempenho positivo da Bolsa nacional no último ano, importa perceber: o mercado de capitais português é atrativo para quem investe? “Neste momento, não é um dos mercados prioritários para quem começa a investir”, alerta Steven Santos, do BiG..João Queiroz, do Carregosa, é mais cauteloso na análise: “A atratividade do mercado de capitais português, como em qualquer outro mercado, depende de diversos fatores e da perspetiva do investidor. Alguns dos argumentos que o tornam uma sólida alternativa é a diversificação que as cotadas representam; a solidez das cotadas que possuem relevante peso nas exportações e no PIB, o foco nas energias renováveis atendendo que Portugal tem sido pioneiro na adoção de energias renováveis”..E embora não exista qualquer cotada cuja operação principal seja o desenvolvimento de tecnologia, o analista do Carregosa defende que pode ser um ponto a favor o país “ter-se destacado também no setor de tecnologia e inovação, com várias startups emergentes, unicórnios” e um ecossistema de inovação em crescimento”..O que poderia tornar o mercado de capitais mais atrativo? “Criar condições favoráveis do ponto de vista fiscal, promover a literacia financeira dos investidores e o conhecimento das cotadas portuguesas e aumentar a oferta e variedade das empresas poderão ser fatores determinantes para melhorar a atratividade do mercado de capitais português”, argumenta Steven Santos..João Queiroz, por sua vez, entende que a resposta à questão “dependerá do novo executivo e se consegue entender que o mercado de capitais constitui uma fonte de financiamento para as empresas”, lembrando que “o peso do investimento [no país] em mercados financeiros é dos mais baixos da Europa”..Os analistas Queiroz e Santos apontam algumas medidas que o futuro governo poderia avaliar: incentivos fiscais para investimentos em ações ou fundos de investimento, como o fim do englobamento obrigatório das mais-valias de curto prazo ou voltar a isentar os primeiros 500 euros de mais-valias; simplificar processos de listagem de empresas para tornar a bolsa mais acessível e menos onerosa à entrada de empresas; e programas de educação financeira..“Os estudos da OCDE e outros organismos têm apontado a necessidade de Portugal aumentar a utilização dos mercados de capitais, no entanto, pouco ou nada tem sido executado nos últimos anos pelos vários governos”, lembra Steven Santos, do BiG..Pode esse caminho ser feito dando atenção aos investidores particulares que, em 2023, representavam 14% da negociação total da Euronext Lisbon? “O desafio de tornar a Bolsa mais atrativa focando-se mais nos investidores particulares ou nos institucionais é complexa, mas a abordagem terá de ser equilibrada. A experiência dos mercados mais desenvolvidos sugere um equilíbrio entre ambos”, conclui João Queiroz.