
A mais recente Worldwide Developers Conference (WWDC) da Apple, evento para programadores realizado na última segunda-feira (dia 9), revelou a próxima geração dos seus sistemas operativos, agora uma nova nomenclatura unificada — iOS 26, iPadOS 26 e macOS 26 Tahoe —, bem como alguns avanços em serviços de Inteligência Artificial (IA). No entanto, a receção de especialistas e críticos tem sido marcadamente mista, com a admiração pela estética adotada a contrastar fortemente com uma notável desilusão em relação ao ritmo da inovação em IA, especialmente no que toca à Siri. Esta ambivalência refletiu-se de imediato no mercado, com as ações da Apple a registarem uma desvalorização.
Angelo Zino, analista da CFRA Research, classificou mesmo o evento como um “fracasso” em termos de IA, bem como Dan Ives, da Wedbush, que o descreveu assim: “No geral, um bocejo.” Isto apesar de reconhecer “melhorias lentas, mas constantes”. A perceção generalizada é de que a Apple está atrasada para a “festa da Inteligência Artificial”, em especial em relação a concorrentes como Google, Microsoft e OpenAI, que têm sido pioneiros no área da IA.
Fator crucial que contribuiu para este sentimento foi a admissão da Apple de que a tão esperada revisão da assistente digital Siri necessitava de “mais tempo para atingir o alto padrão de qualidade” da marca, nas palavras de Tim Cook, CEO da companhia. Aliás, a Siri foi mencionada apenas algumas vezes na WWDC 2025, um contraste gritante com as 54 menções em 2024. Este atraso alimentou preocupações de que a Apple esteja a lutar para satisfazer as exigências dos investidores por inovação em IA, o que poderá abrandar as vendas do iPhone, à medida que os consumidores adiam os seus ciclos de atualização.
A reação do mercado foi imediata. As ações da Apple (AAPL) caíram cerca de 1% logo na segunda-feira, após a apresentação principal da WWDC, e registaram poucas alterações na terça-feira, negociando perto dos 203 dólares. As ações da empresa já tinham perdido aproximadamente um quinto do seu valor em 2025, em parte devido a preocupações com o impacto das tarifas e os receios de que a fabricante do iPhone estivesse a ficar para trás na corrida da IA.
Ainda assim, analistas de mercado como Wedbush e Goldman Sachs mantiveram as suas metas de preço otimistas para as ações da empresa da maçã, acreditando na capacidade da companhia de reter o envolvimento dos utilizadores no seu ecossistema, mesmo na ausência de inovações de IA que captem as notícias.
Além das preocupações com a IA, o novo design Liquid Glass, uma revisão visual abrangente do sistema, também gerou debate. Embora elogiado por alguns pela sua estética “elegante e translúcida”, levantou preocupações imediatas e generalizadas sobre a legibilidade.
Figuras influentes como o YouTuber Marques Brownlee ou o autor do blogue português especializado Xá das 5, João Gata, expressaram preocupação com elementos como texto branco sobre fundos claros ou variações nas notificações, que são tudo menos user friendly. Gata descreve mesmo estas alterações como uma declaração de “guerra da Apple aos seus utilizadores”.
Há mesmo críticos que traçaram paralelos com o design Aero Glass do Windows Vista da Microsoft (lançado em 2007), questionando a originalidade da Apple.
No entanto, nem tudo foram críticas. A Apple introduziu vários recursos práticos impulsionados pela IA que foram geralmente bem recebidos pela sua utilidade, embora muitos deles sejam serviços já existentes na concorrência há algum tempo.
A Visual Intelligence, a versão da Apple para interagir com o conteúdo do ecrã e realizar ações como encontrar itens online ou adicionar eventos ao calendário, é exatamente o que o Android já oferece com o recurso de partilha de ecrã do Gemini Live e o Circle to Search, escrevem os especialistas do Android Central. Algo que os utilizadores de smartphones Pixel — alguns modelos da Samsung e da Xiaomi, pelo menos — já têm há vários meses. Para agravar, os próprios detentores de iPhone já podiam aceder a funcionalidades semelhantes utilizando as apps da Google, via Chrome e Gemini no iOS.
Ainda a nível de IA, a Apple mostrou funcionalidades de Triagem de Chamadas (Call Screening) e Assistência em Espera (Hold Assist), que o iOS 26 introduz — que supostamente estarão disponíveis em português de Portugal. Serviços sem dúvida úteis, mas que objetivamente são versões do Call Screen dos telefones Google Pixel… Até o nome é semelhante. De referir que, em língua inglesa, a Google introduziu esta funcionalidade com o Pixel 4, lançado em 2019.
Outra novidade apresentada foi os fundos do iMessage, para o iOS 26, através do qual os utilizadores podem definir ‘cenários’ personalizados para as conversas e/ou gerá-los com IA. Algo que o WhatsApp oferece (tanto para Android como para iOS) há vários anos, sendo aqui possível ajustar a cor das bolhas de conversa em conjunto com os fundos, funcionalidade que o iMessage não copia, por alguma razão.
No que se refere aos wearables, o watchOS 26 passa a reconhecer um gesto de pulso, que permite dispensar notificações no Apple Watch, mas é decalcado dos Samsung Galaxy Watch 7, o Shake to Dismiss, sendo que este até é mais versátil, pois também pode dispensar alarmes. Curiosamente, a Google ainda não copiou esta função para o seu Watch…
A funcionalidade de Locais Visitados no Apple Maps, que agora lembrará os locais visitados, é outra das coisas que já existe para utilizadores do Google Maps “há anos”, chamada Timeline.
Finalmente, o iOS26 incorporará Tradução ao Vivo, que permitirá a tradução em tempo real de chamadas, mensagens e músicas — mais uma funcionalidade que Google, Samsung e Xiaomi, pelo menos, já oferecem há dois anos, no mínimo.
Onde a Apple de facto inovou — e a concorrência pode bem ir lá “inspirar-se” — foi no iPadOS 26, com a sua reformulação da multitarefa e do sistema de janelas, que permite redimensionar e organizar de forma mais flexível até 12 janelas de aplicações em simultâneo, aproximando o iPad de uma “verdadeira experiência multitarefa estilo Mac”. Pena é que tal só tenha sido lançado agora.
Já para laptops e desktops, o macOS 26 Tahoe vê a reformulação da Pesquisa Spotlight prometer ser uma “ferramenta de produtividade mais poderosa” com pesquisa mais rápida e ações de aplicações.
Apesar de não se tratar de nada verdadeiramente inovador, esta aposta da Apple em pequenas melhorias práticas e em melhorar a consistência do ecossistema, juntamente com uma abordagem mais cautelosa aos anúncios de funcionalidades sugere, no entanto, uma estratégia de longo prazo focada nos seus utilizadores de sempre que poderá solidificar a sua posição no futuro.
Quem já vive no seu ecossistema e não se interessa, no dia a dia, por conhecer o que de mais avançado a tecnologia tem hoje para oferecer, irá provavelmente ficar encantado com as novidades que lhe vão chegar à mão pela marca de sempre. Isto desde que as consiga ver, no meio de tanta transparência.