Carlos Moreira da Silva: Fundo da Segurança Social podia valer dobro, se investisse como a Noruega

No prefácio à edição portuguesa do livro "Só as melhores servem", de Peter Seleirn, empresário diz que poupanças da Segurança Social podiam valer 79 mil milhões, seguindo a filosofia "quality growth".
Carlos Moreira da Silva: Fundo da Segurança Social podia valer dobro, se investisse como a Noruega
Reinaldo Rodrigues
Publicado a

O empresário Carlos Moreira da Silva, acionista da BA Vidro, escreveu o prefácio da edição portuguesa do livro “Só as melhores servem”, de Peter Seilern, que foi ontem lançada pela Casa de Investimentos.

No prefácio, a que o DN teve acesso, o empresário, que lidera também a Business Roundtable Portugal, deixa elogios à filosofia do investimento em valor, que é seguido por investidores como Warren Bufett e que, em Portugal, tem na Casa de Investimentos uma das suas principais proponentes.

Numa altura em que muitos investidores optam por investir em fundos que refletem o valor de todo um índice bolsista, a opção pela gestão ativa de carteiras tem sido questionada por muitos. Carlos Moreira da Silva é um desses críticos.

“Sempre fui um incrédulo da gestão ativa de carteiras e da entrega cega da poupança a gestores profissionais. A ideia de que alguém poderia, de forma consistente, bater os mercados parecia-me mais um exercício de retórica do que de realidade”, começou por no prefácio, adiantando que, no entanto, foi por essa mesma razão que a “leitura de Peter Seilern teve tanto impacto”.

“A clareza dos seus argumentos, a forma metódica como desmonta preconceitos e, sobretudo, a demonstração de que risco e retorno não precisam de andar de mãos dadas, revelaram-me uma perspetiva nova. Descobri que é possível construir uma filosofia de investimento ancorada na paciência, na disciplina e na procura dos investimentos de crescimento com qualidade”, defendeu Carlos Moreira da Silva no prefácio do livro, que foi ontem apresentado no auditório da Vieira de Almeida e Associados, em Lisboa.

“No coração deste livro está a defesa da filosofia quality growth. Seilern explica que a performance de longo prazo das empresas não é fruto do acaso, mas da conjugação de fatores identificáveis: crescimento do setor, liderança forte, escalabilidade, vantagens competitivas duradouras, solidez financeira e boa governação, entre outros. O investidor que privilegia empresas que cumprem estes critérios não só pode alcançar retornos acima da média como se protege do risco maior de todos: perder o capital. Esta abordagem valoriza o tempo e a consistência, recusando atalhos. A sua mensagem é simples e exigente: só o melhor serve”.

Carlos Moreira da Silva vai mais longe e argumenta que a Segurança Social e outras entidades que gerem as poupanças dos portugueses deveriam encarar esta filosofia com olhos de ver, até porque os retornos que têm sido alcançados pela maioria dos Planos Poupança Reforma e pelo Fundo de Estabilidade Financeira da Segurança Social ficam muito aquém do que poderia ser obtidio com uma abordagem diferente da que tem sido seguida.

“Em Portugal, esta filosofia deveria ser estudada com atenção, sobretudo por quem gere poupança coletiva. O exemplo mais crítico é o do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), mas também muitos PPRs oferecidos por diferentes instituições privadas que apresentam valorizações consistentemente baixas. Desde o seu início a rentabilidade média anual do FEFSS ronda os 3,94%, o que significa que 100 investidos nesse ano valeriam hoje apenas cerca de € 389”, notou.

Em contraste, argumento, o fundo soberano da Noruega - que é “gerido com princípios de longo prazo, diversificação e qualidade” - cresceu, em média, 6,3% ao ano nos últimos 33 anos, acrescentou. “Se aplicássemos essa taxa ao mesmo investimento inicial, o resultado seria de € 854. E se o capital tivesse sido aplicado num índice de referência global, como o S&P 500, com um crescimento médio superior a 10% ao ano, o valor atingiria € 2810”.

“Estas diferenças não são apenas números: representam décadas de gestão com visões opostas sobre risco, tempo e qualidade. Se a experiência e a disciplina de Seilern tivessem sido aplicadas à gestão destas poupanças, teríamos alcançado uma valorização muito superior - e com risco controlado. Mesmo sendo conservador, e se o índice de valorização do fundo soberano norueguês tivesse sido seguido, o valor dos ativos do FEFSS no final de 2024 teria sido de cerca de 79 mil milhões de euros, em vez dos 36 mil milhões atuais”, realçou.

O empresário acrescentou que não se trata de uma simples diferença a nível de números. “Estamos a falar de dinheiro que pertence a todos, construído com as contribuições mensais dos trabalhadores e dos seus empregadores. Melhor gestão significaria mais segurança para as reformas futuras, mas também a criação de um verdadeiro capital paciente ao serviço da economia portuguesa e europeia. Com mais recursos, poderíamos investir em inovação, apoiar empresas com potencial de crescimento e gerar emprego qualificado. Ou seja, transformar poupança em desenvolvimento económico sustentado - sem aumentar encargos sobre os cidadãos”, disse.

Outro problema estrutural que Carlos Moreira da Silva identifica no prefácio reside na “debilidade do segundo pilar do sistema: os fundos de pensões complementares ligados às empresas”.

“Apenas 13,2% dos trabalhadores portugueses têm acesso a estes mecanismos. Contrastemos: em Espanha a cobertura é de 26,8%, em Itália 23%, na Irlanda 64,7% e na Alemanha 66%. Este défice reduz a nossa capacidade de poupança interna e expõe ainda mais a fragilidade do sistema público. Urge, portanto, estimular o crescimento destes fundos, em concorrência e sob escrutínio, mas sempre baseados em princípios de qualidade, transparência e visão de longo prazo. Só assim se assegura que estes instrumentos são verdadeiramente úteis para trabalhadores, empresas e sociedade”, defendeu.

“O que este livro nos ensina é que a exigência compensa. Peter Seilern prova que é possível aliar rentabilidade a prudência, desde que se privilegie o melhor. Portugal precisa desta lição. Precisamos de deixar de aceitar resultados medianos como inevitáveis e começar a exigir que a poupança nacional seja gerida com visão, rigor e responsabilidade. Só o melhor serve - para as nossas empresas, para os nossos fundos de pensões e, sobretudo, para as gerações futuras que confiaram em nós”, concluiu.

O livro integra a coleção da Casa de Investimentos, juntamente com outras obras dedicadas ao investimento em valor, estando à venda na loja online da instituição.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt