Na semana passada vimos a mais importante regra do endividamento, que é também a regra de ouro do equilíbrio financeiro: o montante e o prazo de um crédito nunca devem exceder o valor do bem a adquirir nem o prazo em que ele estará ao nosso dispor. Vimos também alguns exemplos e como esta regra pode ser interpretada caso a caso. Mas não abordámos a questão da utilização do cartão de crédito nem o que fazer quando perdemos o controlo às nossas despesas.
Como devemos gerir a utilização de um cartão de crédito para pagamento das despesas do dia-a-dia? Se adotarmos o hábito da sua utilização sistemática para as despesas diárias, o que conseguimos é apenas antecipar os nossos rendimentos futuros por um prazo reduzido - dependendo das condições de amortização, podemos antecipar um mês ou dois, não passando disso. Quando há lugar ao pagamento de juros e outras despesas, é algo a ser evitado, pois estaremos a onerar os nossos consumos para toda a vida. Uma alternativa melhor é encararmos o cartão de crédito como um "seguro" contra imprevistos - um seguro grátis, pois não obriga ao pagamento de qualquer prémio a uma seguradora. É algo que nos permite fazer face a uma despesa imprevista, evitando assim a constituição de uma poupança de segurança com o valor do plafond de crédito do cartão.
Após os vários exemplos de créditos, que podem ser extrapolados para tantos outros, convém revisitar Milton Friedman e a sua Hipótese do Rendimento Permanente: as expectativas relativamente a rendimentos futuros também podem condicionar as escolhas realizadas no presente. Se aos 25 anos eu espero vir a ter rendimentos no futuro bem mais altos do que os do presente, poderei ser tentado a endividar-me num valor superior a outra pessoa que não possui essa expectativa. É uma opção racional, mas que deve ser tida em conta com muito cuidado, pois as expectativas podem não vir a confirmar-se.
Por outro lado, as mesmas expectativas devem ser consideradas no que diz respeito à possível perda de rendimentos assim que chegar a aposentação. Se for expectável que os nossos rendimentos venham a diminuir significativamente quando nos aposentarmos, então deveremos antecipar a total liquidação de créditos com prestações mais significativas quando esse dia chegar (como o crédito habitação), por forma a tentarmos minimizar essa perda de rendimento disponível.
Imaginemos agora que, apesar dos cuidados que tivemos (ou não tivemos), começamos a não conseguir honrar os nossos compromissos. Temos a prestação da casa, a prestação do carro, a prestação do telemóvel e do frigorífico, e ainda a prestação das férias. E o rendimento não chega para pagar as prestações todas mais o resto das despesas. Tomamos a decisão de utilizar o cartão de crédito como solução imediata para pagar uma conta urgente. Mas quando a prestação do cartão de crédito cair na conta, como fazemos? Utilizamos o cartão de crédito para tapar esse "buraco" mais o novo "buraco" deste novo mês? Quando isto acontece, estamos perante o que se chama "espiral de crédito". Rapidamente vai tornar-se insuportável e devemos agir antes que isso aconteça. Uma solução para não entrarmos em incumprimento consiste em realizar uma "consolidação de créditos": contrair um único crédito para substituir os outros, com um plano de amortização que seja possível cumprir.
E se, mesmo assim, não for suficiente? Apesar de custar, poderemos ter de encarar a hipótese da venda da habitação, ou da mudança para uma habitação arrendada com menos custos. Se for este o caso, muita atenção, pois a venda da habitação deve ser planeada com tempo - uma venda apressada vai diminuir o valor a obter!
A derradeira alternativa é entrar em "insolvência pessoal", situação a evitar dada a grande limitação à liberdade que a pessoa irá sofrer durante um período de três anos.
Por isso, o melhor mesmo é ter cuidado e conseguir programar as despesas mensais, comparando os rendimentos futuros com o esforço financeiro e tendo ainda em conta que os créditos contratados a taxa variável podem levar ao disparar de uma prestação em poucos meses. Por exemplo, entre janeiro de 2022 e janeiro de 2023, a Euribor mensal subiu 3,8 pontos percentuais. Num crédito habitação de 120 mil euros isso pode significar um aumento da prestação mensal de 220 euros, representando um acréscimo de 66% do valor de há um ano.
A emoção está presente em todas as nossas decisões. Mas no que toca a gerir orçamentos, temos de ouvir a razão.
Docente do Ensino Superior nas áreas de Economia e Finanças