Podemos viver sem ter um único empréstimo?
Devemos viver sem contrair qualquer empréstimo?
A humanidade viveu a maior parte do tempo sem necessitar de um sistema de crédito formal. É provável que os primeiros registos de crédito semelhantes ao que conhecemos agora tenham ocorrido há pouco mais de 4000 anos. Isto representa nem 2% do total da história da nossa espécie. Portanto, a resposta à primeira questão tende a ser afirmativa: se conseguimos sobreviver até há pouco tempo sem contrair empréstimos, deveremos ser capazes de continuar assim.
Mas é aqui que surge a segunda questão. Até que ponto queremos fazê-lo? E como devemos gerir o nosso endividamento?
Quando solicitamos um empréstimo, preparamo-nos para utilizar hoje um valor que antecipamos vir obter como rendimento no futuro - ou pelo menos, a poder mobilizar uma riqueza no futuro que hoje não podemos ou não queremos mobilizar.
Afinal, faz sentido pedirmos empréstimos? E com que finalidades?
As pessoas utilizam crédito por vários motivos. Habitação, automóvel, electrodomésticos, aparelhos de electrónica, férias... Algumas até utilizam crédito para despesas diárias, pagando com cartão de crédito em vez de pagarem com cartão de débito ou outros meios. Mas também há quem solicite crédito para pagar outro crédito. Vamos por partes!
No que toca a empréstimos, há uma regra muito simples que deve servir de ponto de partida para tomarmos uma decisão: enquanto estamos a utilizar um bem é aceitável que estejamos a pagar por ele. Vamos ver como decidir em alguns casos.
Crédito habitação: quando compramos uma habitação, podemos estar a comprar uma habitação para toda a vida. Provavelmente, é o único caso em que compramos um bem cuja duração esperada ultrapassa a nossa própria esperança de vida. Se vamos utilizar a mesma casa durante toda a nossa vida é admissível que estejamos a pagá-la durante toda a nossa vida. Portanto, ter um empréstimo habitação que será pago durante décadas pode ser uma decisão acertada. Se contraímos um empréstimo para habitação aos 25 anos, um prazo de 40 anos é perfeitamente admissível. Ou até um prazo superior. Podemos lembrar-nos que a alternativa seria arrendarmos uma habitação durante toda a nossa vida, e nesse caso nunca deixaríamos de ter este encargo. Há, no entanto, uma variável extra a ter em conta: a manutenção do imóvel. Durante os 40 anos é provável que necessitemos de despender algumas quantias em obras de reparação e manutenção. O nosso planeamento deve ter em conta essa necessidade.
Crédito automóvel: dependendo do uso que fazemos dele e da importância que damos à sua utilização, pode justificar-se um prazo de empréstimo muito variável. Se planeamos trocar de automóvel a cada quatro anos e prevemos que consigamos vendê-lo por metade do valor que adquirimos, o conselho é que o crédito seja efectuado por um prazo máximo de oito anos. Mas outras variáveis devem ser tidas em conta, como as despesas de manutenção que podem aumentar o peso dos custos da viatura no orçamento mensal. A contratação de um seguro contra todos os riscos também deve ser considerada, pois isso livra-nos de despesas imprevistas. Um erro que tem de ser evitado é incorporar o crédito automóvel num crédito de longo prazo com o intuito de diminuir a prestação. Como por exemplo, no crédito habitação. Quem faz isso vai pode vir ter de pagar um automóvel durante dezenas de anos, mesmo quando esse automóvel já não existe e teve de comprar outro - vai andar a pagar dois ao mesmo tempo e só vai ter um.
Eletrodomésticos e aparelhos de eletrónica: agora já sabemos como aplicar a mesma regra. Se esperamos que um frigorífico tenha uma duração de oito anos sem precisar de reparações, faz sentido contratar um crédito até oito anos. Mas nada impede de contratar por um prazo inferior. Se esperamos que um telemóvel tenha uma duração de dois anos, não devemos contratar um empréstimo por um prazo superior.
Férias e outras despesas repetíveis anualmente: aqui chegados, já percebemos que nunca devem ser financiadas com prazos superiores a um ano.
Estas regras parecem simples de cumprir. E são-no. Desde que queiramos. Mas o que devemos fazer quando algo corre mal?
Na próxima semana vamos olhar para essa questão.
Docente do Ensino Superior nas áreas de Economia e Finanças