Enviesamento à esquerda

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Não crie falsas expectativas. Não vou falar de política. Volto ao tema "produtividade" e à sua correlação com os salários. Mesmo admitindo margem para uma distribuição do valor acrescentado diferente, uma produtividade baixa, e abaixo da média europeia, limita o valor absoluto, e relativo, do salário.

A média é, contudo, uma medida imprecisa: útil em comparações internacionais, pouco profícua para efeitos de políticas por poder ser um lugar vazio. Se a produtividade média é baixa por padrões europeus, há empresas acima desta e outras para as quais a média é uma ambição, quiçá uma miragem. Como as últimas superam, largamente, as primeiras, um gráfico espelha o tal enviesamento à esquerda: uma grande concentração nos valores mais baixos e poucas lá para diante. Quando se procura caracterizar umas e outras verifica-se, no caso de empresas industriais, que são as mais pequenas e mais jovens as que apresentam pior desempenho. Em maior ou menor medida, as economias de escala relevam e explorá-las exige dimensão. Este é um resultado consabido, condição base para bons salários, pelo que causa perplexidade a continuada demonização das chamadas grandes empresas ("o grande capital").

E o que acontece com as empresas mais pequenas e mais novas? Vários estudos apontam para taxas de aumento da produtividade, nos anos iniciais, acima da média, mas com poucas "gazelas" e, pior, um pendor para a acomodação: a estigmatização das grandes empresas manifesta-se num contexto institucional que, na prática, desincentiva o crescimento para além de um certo patamar dimensional. Nos serviços, em que as economias de escala são menos relevantes (o enviesamento à esquerda não é tão grande), corre-se o risco de as empresas com maior potencial "morrerem na praia", à beira da dimensão ótima. Some-se a isto tudo o território e percebe-se que um bom propósito (aumento da produtividade) requer um desenho de incentivos não apenas bem-intencionado e fundamentado, mas com uma plasticidade capaz de os adequar às situações concretas. Sem enviesamento. À esquerda?

Alberto Castro, economista e professor universitário

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