Escassez de talento em Portugal acima dos 80% atinge todos os setores

Desencontro entre competências dos profissionais e necessidades das empresas tem agudizado as carências laborais no país, sobretudo na área tecnológica, dizem grupos de Recursos Humanos.
Publicado a

Mais de um século se passou desde que operários norte-americanos saíram às ruas para contestar melhores condições de trabalho, inspirando uma onda de manifestações ao redor do mundo que visavam, entre outros direitos fundamentais, a redução da jornada de trabalho. Hoje, a luta é outra e faz-se do lado oposto, com as empresas a enfrentarem o complexo desafio da contratação. Em Portugal, revela o Talent Shortage Survey 2023 do ManpowerGroup, a escassez de talento já ronda os 84%.

Rui Teixeira, diretor-geral do ManpowerGroup, nota que a carência de talento observada no mercado de trabalho nos últimos tempos "não traduz necessariamente uma falta de profissionais, mas sim, um desencontro entre o que são as necessidades das empresas e a disponibilidade de competências existente no mercado". Este desajuste contínuo tem levado a que as organizações não consigam preencher determinadas posições, especialmente as afetas à vigente transformação digital, que tem potenciado o desenvolvimento de negócios assentes em tecnologia.

No topo das profissões mais procuradas, mas também mais difíceis de encontrar, estão as relacionadas com as Tecnologias da Informação (TI), um setor em constante crescimento, que tem aumentado a necessidade de profissionais qualificados, sobretudo nas áreas do desenvolvimento de software, cibersegurança e análise de dados, revela a Randstad - inclusive, no referido estudo do ManpowerGroup, 30% dos empregadores assumem desafios na contratação de trabalhadores com tais competências. Do outro lado, também as áreas de Operações e Logística revelam lacunas por preencher, à semelhança do que sucede nos setores de Engenharia e Indústria, Recursos Humanos (RH) e Turismo e Hotelaria.

O salário conta
Segundo o levantamento feito pelo Dinheiro Vivo junto das duas empresas de RH, é nas TI onde se encontram algumas das profissões com os salários mais elevados em Portugal: um diretor de tecnologia recebe, em média, entre 95 mil e 120 mil euros por ano; especialistas em cibersegurança levam para casa entre 35 mil e 60 mil euros anuais; analistas de dados ganham de 30 mil a 50 mil euros por ano; e, por fim, programadores têm um ordenado médio anual entre os 25 mil e os 45 mil euros.

Nos outros setores, enquanto um diretor de Recursos Humanos pode receber entre 90 mil e 110 mil euros anuais, um diretor-geral na área de Engenharia e Indústria ganha entre 110 mil e 120 mil euros. Descendo de patamares, e já no campo do Turismo e Hotelaria, o intervalo salarial dos gerentes de hotel situa-se entre 30 mil e 50 mil euros anuais, o dos chefs de cozinha entre 20 mil e 40 mil, e o dos profissionais de turismo entre 18 mil e 25 mil euros. Em todas as funções, ressalvam ambos os grupos, os vencimentos podem variar dependendo do nível de experiência, qualificações e da própria escassez.

Garantir condições de atratividade
Celso Santos, associate director da Randstad Professionals Portugal, adverte que os baixos salários podem ser um entrave à atratividade e recorda o facto de muitos dos profissionais mais procurados no país - como os de TI - serem "altamente valorizados lá fora", podendo esta condição originar uma fuga de talento, motivada por preços mais altos. "É crucial que os empregadores nacionais consigam ser competitivos nas propostas salariais que fazem, para atrair e reter trabalhadores qualificados", aponta. Rui Teixeira considera que o caminho está a ser feito nesse sentido, com a remuneração daqueles profissionais a registar "uma evolução positiva" - ainda assim, observa, as ofertas de instituições internacionais "tendem a ser mais atrativas, o que vem dificultar a capacidade de atração" cá dentro.

A escassez de talento não aparenta ser estrutural na maioria dos setores, à exceção do Turismo e Hotelaria, que, "embora tenha visto um aumento significativo na procura nos últimos anos, enfrenta problemas crónicos devido à sazonalidade e aos baixos salários praticados", indica o responsável da Randstad.

No campo da Tecnologia, se do lado da procura se assiste a um aumento significativo nas necessidades de novas competências, do lado da oferta, não há capacidade de resposta em volume suficiente, "tanto porque ainda não há um número suficiente de profissionais com essas aptidões, como porque, ao serem funções relativamente novas, ainda não houve capacidade e tempo para formar o volume de talento suficiente", explica o diretor-geral do ManpowerGroup.

Outro dos fatores que contribui para a carência de profissionais no mercado nacional é a emigração, estimulada pela busca de melhores oportunidade de emprego e salários mais altos, constata Celso Santos.

Realidade transversal a todos os setores
Diz Rui Teixeira que o impacto da transformação digital e das alterações nos modelos de consumo, trabalho e comunicação estende-se às mais diversas áreas da economia, sendo fundamental alinhar os conhecimentos dos profissionais com as necessidades das empresas. Neste sentido, destacam os líderes, a solução "não pode passar só pela atração" de mão-de-obra, devendo os empregadores "apostar cada vez mais na criação de talento, formando e capacitando os trabalhadores, através de programas de upskilling e reskilling", e as "universidades e politécnicos encetar esforços para aproximar mais os estudantes ao mercado laboral".

Também as "academias e escolas especializadas podem servir como um complemento da formação tradicional", dada a sua capacidade de formar profissionais para posições técnicas especializadas. "Portugal também deveria ser mais ágil e eliminar as barreiras burocráticas, facilitando a contratação de profissionais estrangeiros, de forma a combater a escassez de trabalhadores", defende Celso Santos. Resolver as necessidades do mercado de trabalho atual "deve ser uma prioridade para as empresas e para o Governo", concordam os responsáveis.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt