Esqueça a retenção de talento

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Portugal produz talento ao nível daquilo que se faz nos países mais desenvolvidos. Em geral, o nosso sistema de ensino superior é muito bom quando comparado com o dos nossos principais parceiros internacionais. É certo que não temos nenhuma universidade no top 100 do ranking mundial, mas há domínios específicos em que surgimos bem posicionados. Desde áreas tecnológicas até às ciências da vida, passando pela arquitetura e business schools, o nosso país oferece exemplos ao nível dos melhores.

Uma coisa é certa: produzimos excelente talento... que, com frequência, busca no estrangeiro oportunidades mais aliciantes de carreira. O que leva muitos gestores e empresários a afirmarem que um dos seus maiores desafios passa pela retenção de talento.

Antes de se pensar o que pode uma empresa fazer para reter talento, talvez valha a pena perceber aquilo que o talento quer. Sobre este assunto têm sido produzidos inúmeros estudos internacionais, em particular após o surgimento da pandemia provocada pelo SARS-CoV-2 e do fenómeno conhecido por great resignation. Sim, porque este desafio não é exclusivo de Portugal, um país que "coitadinho, é pequeno e paga mal".

Aquilo que um jovem com talento espera de uma empresa para a qual vá trabalhar não se resume às condições financeiras. Deseja também um bom equilíbrio entre vida profissional e familiar/social, aliciantes oportunidades de evolução na carreira, reconhecimento da performance, flexibilidade, reputação organizacional e responsabilidade social, oportunidades de aprendizagem e formação.

Ou seja, aquilo que o talento busca é mais do que salário - é também uma realização no trabalho que potencie o seu desenvolvimento como profissional, como pessoa e como cidadão comprometido com as causas sociais e ambientais do mundo em que vive. O que significa que muito mais importante do que reter talento é valorizá-lo, utilizando todo um conjunto de recompensas que transcendem a componente monetária.

Uma das coisas que um jovem com talento quer é diversidade de experiências - o que provavelmente significa que ele não tem como objetivo de vida entrar numa empresa aos 25 anos e só sair de lá quando estiver reformado. A grande maioria dos jovens talentosos quer mudar, não quer estar sempre no mesmo sítio. Isto significa que tentar "reter" o talento é um erro crasso. Aquilo que há a fazer é "valorizá-lo" com salário e outras recompensas monetárias, claro, mas também demonstrando respeito pela sua pessoa e pela sociedade, e oferecendo-lhe oportunidades de crescimento profissional e pessoal.

Este é o desafio que se coloca às melhores empresas portuguesas, independentemente de se inserirem em grandes grupos económicos, serem dinâmicas e competitivas PME ou constituírem promissoras startups. Há que esquecer a retenção de talento e apostar antes na sua valorização, o que pressupõe a adoção de uma clara política de marketing interno. Só conhecendo aquilo que os "clientes internos" (atuais e potenciais) esperam é que é possível atrair os melhores e mantê-los satisfeitos... até que um dia busquem novas oportunidades noutras empresas e, quiçá, noutros países - porque é isso que define o talento.

Carlos Brito, professor da Universidade do Porto - Faculdade de Economia e Porto Business School

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