Estado gasta 130 milhões em computadores. "Mas não chega"

Altice (Meo) passou de ter uma pequena fatia na área dos computadores para operadora rainha dos contratos com o Estado. Foram 40,9 milhões durante a pandemia, a maioria para a Escola Digital.
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A pandemia veio acelerar a era digital, colocar cada vez mais pessoas e empresas online e tornou o trabalho e ensino remoto numa prática comum para a esmagadora maioria. E com isso vieram recordes de vendas nos computadores (e periféricos), três ou mais meses de atraso nas entregas pelos fabricantes perante uma procura inédita. Nesse contexto, o Estado viu-se obrigado a comprar mais computadores do que nunca, não só para as escolas mas para os serviços, câmaras e companhia - havia 68 mil funcionários públicos em teletrabalho no primeiro confinamento e 45 mil no último.

Analisando o portal dos contratos públicos do Estado, desde março (o início da pandemia), já foram assinados perto de 130 milhões de euros em contratos para computadores, periféricos e kits de internet (inclui municípios) - antes da pandemia os gastos eram inferiores a 20 milhões ao ano. Boa parte deste valor foi para a Escola Digital.

Quanto? 90 milhões de euros, em contratos pela Secretaria-Geral do Ministério da Educação e Ciência (69% do valor total gasto pelo Estado) - já foram entregues 115 mil computadores com internet (15 mil dos quais nos últimos dias) e ainda falta entregar aos alunos no âmbito da Escola Digital 335 mil kits com portátil, auscultadores, mochila e pen com internet - a lista completa de requisitos está disponível aqui.

Já no final de janeiro, uma estimativa da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE) mostrava a dimensão das necessidades dos equipamentos para alunos: revelando que serão, pelo menos, 300 mil estudantes (mais 100 mil do que os 200 mil indicados em estudos de abril do ano passado) que não têm computador próprio em casa, revelam os inquéritos sobre acessibilidade digital, levados a cabo pelas escolas na preparação para o ensino remoto.

A Altice (através da Meo) tem-se destacado de forma clara nos contratos com o Estado para computadores, com um total de 40,9 milhões de euros em material informático só durante a pandemia. Além do contrato de 30,5 milhões no âmbito da Escola Digital assinado a 31 de dezembro de 2020 e publicado a 21 de janeiro, já tinha conseguido por ajuste direto em outubro contrato de 8,16 milhões com o Ministério da Educação em computadores para alunos da ação social - total de 38,66 milhões.

O segundo fornecedor para a tarefa nas escolas é a Inforlândia - de Aveiro, que faz parte do grupo nacional VAGA e comercializa produtos INSYS -, com 36,56 milhões divididos em dois contratos. No total, desde março, conseguiram 37 milhões de euros em contratos de material informático para o Estado.

Bem distante segue a Informantem (empresa portuguesa especializada em hardware e software com 20 anos e sede em Lisboa), com contrato de 14,8 milhões, também assinado a 31 de dezembro. Pormenor sobre os contratos assinados no âmbito da Escola Digital: todos têm 730 dias para serem executados.

Em 2019 e 2018 a Altice terá conseguido cerca de 625 mil euros em contratos com o Estado, acabando eventualmente por ter vantagem durante a pandemia, pelo menos no caso da Escola Digital, pelo facto de o kit que inclui internet móvel para os alunos ser um requisito.

A empresa com mais contratos para computadores (e periféricos) com o Estado - incluindo escolas e o próprio Ministério da Educação - em 2019, num total de 4,7 milhões, foi a Base2, "fornecedor informático de referência em vários departamentos governamentais" desde 1991 e que desde 2009 já terá registado 57 milhões em contratos.

No entanto, em 2020 ficou-se pelos 2,9 milhões, ficando de fora da Escola Digital - embora tenha servido várias escolas diretamente. Sem contar com os 38,66 milhões em kits para alunos com ação social, a Altice conseguiu mais 2,4 milhões em contratos com o Estado.

Questionada pelo DV, a Altice não quis comentar a sua estratégia relacionada com o negócio do hardware, nem o crescimento durante a pandemia, nem tão pouco onde os kits de computadores e acessórios para as escolas são montados, se foi necessário aumentar a estrutura e contratar pessoas ou quando serão entregues os próximos computadores. "Não é nossa conduta fazer qualquer tipo de comentários relativos a concursos ou projetos, nomeadamente concursos públicos", foi-nos indicado.

Já do ponto de vista dos gastos do Estado em computadores, que terão aumentado durante a pandemia 519%, como vimos, parecem ainda muito aquém do necessário. É essa a convicção de Pedro Tildes Gomes, diretor da escola secundária do Bocage, Setúbal, e um dos responsáveis da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas.

"A maior parte das escolas têm computadores de 2007, não têm informáticos e o seu reequipamento é essencial e urgente depois de dar computadores aos alunos que precisam deles para o ensino remoto", diz.

Noutro setor do Estado, Virgílio Machado, presidente da Associação dos Conservadores dos Registos lamenta não só a média de idades de 50 anos na área, mas também a maioria de computadores "com mais de 13 anos e software muito antigo (eu uso o Windows XP) que dá problemas constantes". "Há muitos colegas a usar os seus computadores pessoais para puderem fazer teletrabalho e a pandemia só veio piorar o cenário informático", admite.

Entretanto, já esta sexta-feira, o Conselho das Escolas avaliou positivamente as reformas previstas para a transição digital na Educação, mas quer que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) vá mais longe, considerando, por exemplo, que o número de computadores é insuficiente.

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