Estamos bem uns para os outros

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Incerteza será, tecnicamente, a palavra certa. Na prática, angustia-nos o dia de amanhã e reina a confusão, com negacionismos de vários tons, do otimismo irrealista ao pessimismo militante.

Neste contexto, talvez seja útil um banho de água fria que nos devolva à terra e nos faça concentrar no essencial. Portugal caiu seis posições no ranking anual de "Competitividade Global", elaborado pelo IMD, passando da 36ª para a 42ª posição. Descemos na eficiência governativa (de 38 para 43, entre 63 economias analisadas) e na eficiência empresarial (de 38 para 42). Não vale a pena tentar assacar a culpa a terceiros: estamos bem uns para os outros. Quando se desce ao detalhe, confirma-se que estamos especialmente mal em vários temas consabidos, desde a política fiscal (56ª posição, em 63!) e as finanças públicas (50ª), até às práticas de gestão empresarial (56ª, idem!). Como é óbvio, o desempenho económico reflete estas debilidades, tendo descido da 43ª para a 46ª posição.

Os sinais mais animadores, que os há, vêm do que se poderia chamar quadro social ("social framework") (20ª), da saúde e ambiente (23), educação (26) e das infraestruturas científicas (28), ou seja, nem tudo no contexto é tão mau quanto às vezes se pinta. Muito pelo contrário: são as políticas, as práticas e os processos que (mais) nos falham. Como resultado, o todo é pior do que as partes: tanto no ranking do talento (26 em 2021), da competitividade digital (34 em 2021) ou das infraestruturas (30 em 2022), estamos melhores do que o país como um todo.

O relatório do IMD sublinha alguns outros problemas, em particular o nível da dívida (que, na verdade, é hoje preocupação consensual) e a demografia (que persistimos em secundarizar). As propostas são conhecidas, com uma ênfase: necessidade de um acordo parlamentar que garanta estabilidade de rumo no longo prazo. Uma miragem, se a discussão do orçamento for prenúncio.
Citando Mafalda Veiga, talvez seja tempo de "trocarmos a desculpa/pela culpa da verdade/podem rasgar-nos a alma/que há de sobrar-nos vontade". Se vontade for sinónimo de atos...

Economista e Professor Universitário

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