É um dos primeiros estudos, senão o primeiro, que estuda de forma aprofundada e numa perspetiva histórica a relação causa-efeito entre regimes populistas e crescimento económico e vitalidade das instituições do Estado de Direito, como Justiça, imprensa livre e eleições livres e justas.
De acordo com o artigo publicado esta semana pelo Centre for Economic Policy Research (CEPR) titulado "O custo do populismo: evidência histórica", de Manuel Funke (Kiel Institute), Moritz Schularick (Universidade de Bona e CEPR) e Christoph Trebesch (Kiel Institute e CEPR), os populistas, de direita ou de esquerda, quando chegam ao poder, tomam medidas que acabam por atrofiar a economia interna a prazo, isolando-a gradualmente do mundo, dos parceiros internacionais, e deformando os pilares das regras de mercado e políticos.
O impacto sobre o crescimento vem na sequência do surgimento do "nacionalismo económico e desintegração económica, em particular através de políticas comerciais protecionistas".
Além disso, estes peritos advogam que as políticas macroeconómicas dos populistas acabam por se tornar insustentáveis, à luz da História. "Resultam numa espiral crescente de dívida pública e inflação."
De acordo com a apresentação publicada no portal do CEPR (voxeu.org), "o aumento do populismo nas últimas duas décadas motivou muito trabalho para estuda os que o impulsiona, mas pouco se sabe ainda sobre as suas consequências económicas e políticas" a prazo.
O artigo, que recua ao ano de 1900 e se debruça sobre a realidade de 27 países onde o populismo já subiu ao poder, mostra, em primeiro lugar, que a existência de lideranças populista não é uma coisa nova. "O populismo tem uma longa história e é recorrente por natureza". Nestes mais de 100 anos de História, os autores identificaram "50 presidentes ou primeiros-ministros populistas".
O estudo não inclui Portugal (a ditadura de António Salazar), mas analisa vários casos importantes (muitos deles recentes ou ainda ativos) para compreender o fenómeno, como os Estados Unidos liderados por Donald Trump, a Venezuela de Hugo Chávez e Nicolás Maduro, a Itália de Silvio Berlusconi e de Matteo Salvini, a Turquia de Recep Erdoğan, a Índia de Narendra Modi, Israel de Benjamin Netanyahu, o Brasil de Jair Bolsonaro.
Logo à partida, os autores descobriram que "os países que foram governados por um populista uma vez têm uma probabilidade muito maior de virem a ser governados novamente por outro populista". O fenómeno tende a ser "recorrente" à medida que as décadas passam.
Além disso, concluem que "a liderança populista sai economicamente cara, com um declínio notável de longo prazo no consumo e na criação de riqueza".
Em terceiro lugar, mas não menos importante, os investigadores afirmam que "o populismo é politicamente perturbador pois fomenta a instabilidade e a decadência institucional".
A conclusão mais geral é que "a nossa análise sugere que o populismo veio para ficar", lamentam os autores.
O que é um populista?
Os investigadores recorrem a definições já estabilizadas na ciência política. "Populismo é uma estratégia política que se concentra no conflito entre povo e elites".
"Definimos um líder como populista se ele ou ela coloca a alegada luta do povo ('nós') contra as elites ('eles') no centro de uma campanha política e no estilo de governo", acrescentam.
Segundo estes autores, com base nesta definição, Vladimir Putin, Ronald Reagan ou Barack Obama "não podem ser classificados como populistas", mas Jair Bolsonaro, Silvio Berlusconi ou Donald Trump "podem, claramente".
Hoje há mais populismo?
A resposta é sim. Os três economistas referem que, para este trabalho, avaliaram "mais de 20 mil páginas de literatura científica sobre populismo". Olharam para um conjunto de 60 países independentes ao longo da História, o que corresponde a cerca de 1500 líderes (presidentes ou primeiros-ministros, dependendo dos regimes). Destes, 50 foram "claramente identificados" como populistas.
Também concluíram que neste período de quase 120 anos, o populismo tem vindo a crescer de forma exponencial, estando atualmente em máximos históricos: em 2018, mais de 25% dos governos eram de índole populista. Muitos lá continuam. É o caso de Bolsonaro, Órban ou Netanyahu. Já não é o caso de Trump, como se sabe.
O estudo também defende que o primeiro populista da História (desde o início do século XX) apareceu em 1916, na Argentina.
"O primeiro líder populista foi Hipólito Yrigoyen, que chegou ao poder nas eleições gerais da Argentina, em 1916. Desde então, ocorreram dois grandes picos: durante a Grande Depressão dos anos 1930 e nos anos 2010."
"A década de 1980 foi o ponto baixo para os populistas no poder", coincidindo com a era do grande consenso neoliberal a favor das privatizações e do Estado mais pequeno ou minimal num e noutro lado do Atlântico.
No entanto, "após a queda do Muro de Berlim, a partir de 1990, o populismo voltou com total força" e em 2018 "registou um recorde histórico, com 16 países governados por populistas". Ou seja, mais de 25% dos governos dos 60 países analisados eram populistas em 2018.
Para os investigadores, "este aumento mais recente pode ser atribuído principalmente ao surgimento de uma nova direita populista na Europa e além".
Efeitos do populismo
Como referido, o populismo conduz a declínio económico e político, a prazo.
Segundo a análise feita, "os países tiveram um desempenho económico inferior em cerca de um ponto percentual por ano depois de o populista chegar ao poder, tanto na taxa de crescimento de longo prazo como na taxa de crescimento atual".
Ou seja, o populismo afeta negativamente o crescimento no curto e no longo prazo. "Isto é verdade para o curto prazo de cinco anos e para o longo prazo de 15 anos após a conquista do poder por um populista".
Para além da economia, "o populismo também sai caro às instituições democráticas".
Por exemplo, os autores notam que os líderes populistas tomam medidas que diminuem e limitam o poder judicial. Os tribunais, os juízes, perdem força face ao poder executivo, concluem.
E alertam que "encontramos resultados semelhantes para outras variáveis institucionais, como a liberdade eleitoral e a liberdade de imprensa". Estes dois pilares também são atacados pelas lideranças populistas, seja hoje, seja ao longo da História.